O percentual é pouco em relação à população feminina na sociedade, mas supera a cota definida pela legislação, que é de 30%. Especialistas e ex-parlamentares destacam obstáculos a serem superados
Ampliação do debate
Mesmo assim, Camila Santos cita algumas iniciativas, fora do campo normativo, que podem ajudar na inserção das mulheres no campo político. "Temos observado algumas ONGs que visam aumentar o número de mulheres na política, demonstrando a importância da participação feminina no tema", comenta. Um exemplo do que é citado pela especialista é a ONG Elas no Poder, que, de acordo com a co-fundadora Letícia Medeiros, existe para ampliar a participação das mulheres na política e fortalecer sua atuação nos espaços de poder. "Atuamos com formações políticas para meninas e mulheres e na defesa de políticas públicas que impactem no crescimento da representatividade de gênero no Brasil."
Para a ativista, mesmo com o aumento deste ano, ainda há muitos problemas de representatividade de gênero no país. "Precisamos que a Lei de Cotas seja cumprida, de fato. Além disso, é necessário que o recurso devido chegue em tempo nas candidaturas de mulheres, ampliar o debate das cotas e que os partidos invistam, de verdade, na formação e retenção de mulheres em seus quadros", elenca Letícia, comentando que a legislação atual não é o bastante para o público feminino, e que é preciso uma proporção condizente com o quantitativo populacional. "Se temos mais de 50% de mulheres na população, precisamos ser, pelo menos, metade das candidaturas lançadas pelos partidos."
Socióloga e assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), Priscilla Brito também acredita que a representação feminina na política precisa de um espaço maior. "As mulheres são maioria da população e, este ano, vão ser a maioria do eleitorado — são mais de oito milhões de mulheres a mais do que homens votando", destaca. "Apesar do tema ter ganhado espaço e importância na sociedade, a gente ainda tem um longo caminho pela frente, até chegarmos na paridade."
Mudança de cultura
Assim como as ativistas, a especialista Camila Santos considera que o ambiente político atual possui grupos masculinizados. "A violência de gênero também é muito comum e, infelizmente, muitas mulheres que adentram a política sofrem com isso, fator que desincentiva outras mulheres a seguir o mesmo rumo", argumenta a cientista política. "Então, além das regras, temos que mudar a cultura da sociedade como um todo, para que as mulheres consigam ocupar o espaço político de forma igualitária, com o mesmo poder de decisão e de voz que os homens têm hoje."
Quem já passou por situações como as que foram expostas pela especialista, é a deputada distrital Arlete Sampaio (PT). Exercendo seu terceiro e último mandato na Câmara Legislativa (CLDF), após anunciar a aposentadoria da política, a parlamentar afirma que não é fácil ser mulher no cenário atual. "O machismo é um fenômeno presente de forma permanente na nossa sociedade, inclusive dentro dos partidos", reconhece.
Arlete conta que já passou por situações de preconceito dentro da própria CLDF. "Fiz uma proposta e, pelo simples fato de ser mulher, ninguém deu ouvidos. Aí, quando um homem repetiu tudo que propus anteriormente, ele foi escutado", comenta a distrital, que conclui alertando que o preconceito com as mulheres é permanente. "Se nós (mulheres) não lutarmos pelo nosso espaço, seremos 'engolidas' pelo machismo que toma conta da política local e nacional."
A ex-deputada federal Maria José da Conceição (PSol), mais conhecida como Maninha, também enfrentou grandes desafios durante sua vida política. No entanto, a parlamentar destaca que sofreu preconceito antes mesmo de seus mandatos. "Venho do movimento sindical brasileiro, espaço que é extremamente machista e preconceituoso. Eu vivi isso na pele, como presidente do Sindicato dos Médicos durante muito tempo", comenta.
A transição para a vida política partidária se fez da mesma forma, segundo Maninha. "Apesar de os partidos de esquerda dizerem que lutavam pela participação feminina em seu universo, na minha época, a discriminação também existia por lá", critica. "As principais figuras partidárias de comando dentro dos partidos eram masculinas. Para as mulheres, sobravam apenas as secretarias menos expressivas", ressalta.
Fiscalização exemplar
Além da mudança cultural, a cientista política Camila Santos destaca que é preciso acompanhamento e fiscalização, para que as legislações sejam cumpridas e aqueles que não cumpram as normas, sejam punidos. "Em 2018, por exemplo, já se aplicava a regra dos 30%. Contudo, os partidos colocaram candidaturas femininas laranjas, apenas para dizer que seguiram a lei, mas não disponibilizaram recursos para elas naquele ano", afirma Camila, com o aval de Letícia, do Elas no Poder. "As desigualdades se refletem, principalmente, no apoio político, financeiro e técnico para as campanhas femininas, o que prejudica muito as chances de vitória", observa. "É preciso avançar no debate e entender que não basta a cota na 'largada' da campanha política, mas também na 'chegada', por meio da reserva de cadeiras, especialmente no Poder Legislativo", conclui.
*Estagiário sob a supervisão de José Carlos Vieira
foto de Caroline Ferraz/Sul21