E agora, José? é um projeto raiz que se desenvolveu em uma comunidade, liderado por feministas (mulheres e homens)
Por Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
“O Brasil educa seus homens violentos” é o título escolhido para comemorar o Dia Internacional da Mulher na publicação internacional Les Glorieuses. Incapaz de resolver a violência contra a mulher, a Europa se inspira no programa E agora, José?, projeto trilhado por brasileiras e brasileiros.
Liderado por Flavio Urra, o E agora, José? consiste no encontro de homens agressores encaminhados pela justiça que estabelece como “punição” frequentar cerca de 20 sessões nas quais reavaliam seus comportamentos patriarcais. Homens de diferentes perfis socioeconômicos e culturais confrontam comportamentos e são justamente nas reações expostas ao coletivo que acabam revendo “o que significa ser homem”, “como interromper uma emoção violenta”, substituir a “força pelo diálogo”. Se, no início, há certa resistência, depois de duas ou três sessões são eles mesmos que querem continuar participando e percebem que é possível encontrar alternativas uns observando os outros. A partir de experiencias pessoais, de trocas entre eles, vão aparecendo alternativas de como enfrentar situações misóginas e patriarcais e evitar conflitos familiares.
E agora, José? é um projeto raiz que se desenvolveu em uma comunidade, liderado por feministas (mulheres e homens). Ampliou-se por todo o município paulista de Santo André (cerca de 700 mil habitantes) e progressivamente estendeu-se por toda a região do ABC (quase dois milhões de habitantes), na Grande São Paulo. Nesse momento, os resultados do E agora, José? são muito satisfatórios. Em Pirajuí (município do Estado de São Paulo, de 25 mil habitantes, onde o programa voluntário se transformou em política pública), dos 205 casos de violência contra a mulher notificados, 96% dos homens não voltaram a realizar agressões. O Conselho Municipal da Mulher, liderado por iniciativa de Marilda Lemos, instalou o programa e depois de dois anos de sucesso ampliaram para âmbito regional, aprovado pela Câmara Municipal, incluindo mais cinco municípios que somam outros 50 mil habitantes (Balbinos, Pongaí, Presidente Alves, Reginópolis e Uru).
Pode-se argumentar que um projeto que vem da base da população não tem como concorrer com amplos projetos votados pelas assembleias estaduais ou federais. Talvez. Mas quando verificamos que, apesar do Ministério da Mulher do governo passado, cresce cada vez mais a violência contra as mulheres — em 2023, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, houve 722 assassinatos de mulheres e cresceram estupros de meninas com menos de 14 anos —, esses problemas parecem não sensibilizar os últimos governantes que, pelo contrário, os menosprezam. Até mesmo o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, cortou praticamente toda a verba que deveria ser destinada a novas Delegacias da Mulher, para mantê-las abertas durante a noite, além de locais de abrigo. Destaque-se que a secretária estadual de Políticas para a Mulher, Sonaira Fernandes, afirma que: “O feminismo é o grande genocida do nosso tempo”; “essa ideologia imunda mata mais que guerras e doenças”. Sonaira, discípula de Damares Alves, segue o mesmo descaminho desta que, durante quatro anos, além de nada ter feito no campo dos direitos das mulheres, extinguiu conselhos e conseguiu até reduzir o excelente serviço telefônico 180 que atendia mulheres no Brasil e no exterior.
Já no início de 2023, os dados mostram como o desprezo pela política de gênero elevou o número de feminicídios, estupros, mortes de gestantes, mortes por abortos malfeitos, além de tentar impedir até os casos em que crianças, gestantes por estupro, tivessem a interrupção legal da gravidez impedida. Para Damares e Sonaira, pouco importava que as meninas interrompessem o estudo, tivessem a vida marcada pela violência e o futuro destruído.
Mais uma vez teremos que tomar a iniciativa, propor e implantar políticas para a população, apesar de governos de direita e antifeministas. Contra o desmantelamento, brotam novas iniciativas na base da população como o E agora, José?. E, paradoxalmente, constatamos que o velho processo colonial é que legitima nossas iniciativas. Não importa, vale implantar o excelente programa E agora, José?