Quase lá: Irã. Quando os aiatolás têm pavor de nós, mulheres. Artigo de Dacia Maraini

"As duas coisas não se misturam. A gestão da Coisa pública deve lidar com a complexidade das crenças, respeitá-las e defendê-las. Mas ai dela se, em nome da superioridade de uma fé sobre todas as outras, pretende impor uma visão do mundo que se vale do absoluto. A política não pode governar em nome do absoluto, a religião sim. Portanto, a sabedoria e o bom senso entendem que, para a paz da convivência civil e democrática, a fé e o governo de um país devem estar sempre rigorosamente separados", escreve Dacia Maraini, escritora italiana, em artigo publicado por La Stampa, 13-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O auge do horror foi atingido pela tortura e morte de Mahsa Amini. O que se pode esperar do regime dos fanáticos mulás que estão usando o terrorismo institucional para silenciar quem protesta pela liberdade? O terror continua hoje com Fahimeh Karimi, uma jovem iraniana, treinadora de vôlei, mãe de três filhos, presa nas rígidas prisões de seu país com a acusação de ter chutado um paramilitar em uma manifestação de rua. Ela corre o risco de receber centenas de chicotadas, e se a sentença sem processo prosseguir com esse crescendo de raiva, ela corre o risco de pena de morte.

Cabe se perguntar atônitos, espantados, escandalizados, amargurados, horrorizados: mas o que lhes faz ter tanto medo das mulheres? Seus cabelos? Seu corpo? Sua palavra? Sua inteligência? É difícil entender tanto medo, mas certamente não honra a sagacidade eclesial. Se uma mecha de cabelo saindo do véu pode suscitar tanta violência, significa que o homem é considerado incapaz de se governar e se controlar. Mas realmente se acredita que o mundo masculino, para vencer e dominar, precisa cancelar o corpo feminino como se fosse a personificação do mal? Temos certeza de que o amoroso, justo e maravilhoso Deus dos céus seria tão punitivo com suas filhas?

Ou se acredita que as mulheres não são corpos criados pelo Pai Eterno, mas habitantes perniciosas de algum obscuro reino do submundo? A voz do conhecimento histórico me adverte: olha que a misoginia existe há milênios e o mundo cristão compartilhou as mesmas idiossincrasias, o mesmo ódio de gênero, o mesmo desejo de se abater contra o corpo feminino considerado perigoso e desprezível.

Basta pensar na caça às bruxas, uma prática que durou séculos e levou à morte milhões de mulheres inocentes. Mulheres que eram torturadas para que admitissem negociar com o demônio. As torturas eram tão atrozes que no final todas confessavam. Uma vez confessado, os inquisidores, felizes, as enviaram para a fogueira. Se admitiram ter acordo com o inimigo, é lícito, aliás, obrigatório, puni-las severamente!

Os horrores que foram cometidos em nome de Deus são inumeráveis e sempre imaginativos. A crueldade é inventiva e sempre encontra uma nova maneira de satisfazer aquela libido que o Marquês de Sade conhecia bem e que recebeu seu nome. A história humana, infelizmente, tende a se repetir. Evolui apenas quando a imaginação e a consciência se desenvolvem. Quando se sai do fanatismo egoísta e se passa a entender a dor do outro. O outro, não como estranho, mas como uma parte de si mesmo. A religião, belíssimo sentimento de amor, nunca deveria se identificar com o poder.

As duas coisas não se misturam. A gestão da Coisa pública deve lidar com a complexidade das crenças, respeitá-las e defendê-las. Mas ai dela se, em nome da superioridade de uma fé sobre todas as outras, pretende impor uma visão do mundo que se vale do absoluto. A política não pode governar em nome do absoluto, a religião sim. Portanto, a sabedoria e o bom senso entendem que, para a paz da convivência civil e democrática, a fé e o governo de um país devem estar sempre rigorosamente separados.

Leia mais

fonte: https://www.ihu.unisinos.br/624866-ira-quando-os-aiatolas-tem-pavor-de-nos-mulheres-artigo-de-dacia-maraini

 


Matérias Publicadas por Data

Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Logomarca NPNM

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...