Quase lá: “É libertador escrever da forma como a gente existe”

Com uma escrita fluida e didática, Olefun percorre as histórias do povo Nagô de Pernambuco, do seu ilê, da sua avó, a Yalorixá Amara Mendes; da sua mãe, Yalorixá Maria Helena; do Afoxé Oyá Alaxé, do Balé Nagô Ajô e, apresenta para nós uma incrível sistematização da Dança Nagô e da Pedagogia Nagô Ajô. Helaynne Sampaio fala na primeira pessoa, mergulhando no fluxo das águas que trouxeram seus ancestrais para esta terra chamada Brasil

 

BN blogueiras negras

VIVIANE GOMES

  • 26 de setembro de 2022 - Blogueiras Negras

Diante de tantos apagamentos históricos, os povos de terreiro buscam constantemente solidificar suas tradições a partir do registro em primeira pessoa, permitindo que a verdadeira estória possa ser contada e repassada para outras gerações. A Yalaxé do Ilê Obá Aganjú Okoloyá – Terreiro de Mãe Amara, Olefun Helaynne Sampaio, lançou recentemente seu primeiro livro autoral “Dança Nagô: herança ancestral e resistência matriarcal do Balé Nagô Ajô, corpo que dança Afoxé Oyá Alaxé”.

Com uma escrita fluida e didática, Olefun percorre as histórias do povo Nagô de Pernambuco, do seu ilê, da sua avó, a Yalorixá Amara Mendes; da sua mãe, Yalorixá Maria Helena; do Afoxé Oyá Alaxé, do Balé Nagô Ajô e, apresenta para nós uma incrível sistematização da Dança Nagô e da Pedagogia Nagô Ajô. Helaynne Sampaio fala na primeira pessoa, mergulhando no fluxo das águas que trouxeram seus ancestrais para esta terra chamada Brasil
 
 A obra, que foi lançada no Encontro em Celebração aos 18 anos do Afoxé Oyá Alaxé – Mulheres Guardiãs Ancestrais da Cultura Popular, pretende ser um adinkra sankofa, resgatando o passado para ressignificar o presente e construir o futuro. Utilizando a “escritancestral” como um instrumento de combate ao racismo, a autora descoloniza o fazer-pensar dança, combatendo o racismo epistêmico, evidenciando assim as formas singulares que as intelectuais negras têm de contar sua própria história.

Em entrevista exclusividade para o Blogueiras Negras, a Olefun Helaynne Sampaio conta um pouco sobre essa realização e compartilha detalhes de como superou alguns desafios:
 
Blogueiras Negras (BN):
É incrível como as religiões de matrizes africanas se manifestam de diversas formas, mas nem sempre é tão fácil comunicar para o mundo quem somos e de onde viemos. Quais foram os principais desafios na construção deste livro e como você os superou?

Olefun Helaynne Sampaio:
O livro foi um desafio encarado com coragem e vontade de acreditar. Os terreiros são espaços que fortalecem o nosso potencial para que a gente se expresse da nossa forma. A gente não tenta se enquadrar nessa linguagem única que a branquitude e o pensamento europeu, hegemônico, prega. Desde criança… minha mãe, Mãe Amara, sempre prezou por uma forma menos acadêmica; de escrever da mesma forma que a gente dialoga com o outro. O difícil foi a pesquisa em si sobre a história do nosso terreiro, a comunidade onde ele está, como o orixá se manifesta, a natureza de cada um, como ele se comunica e tudo isso, escrevendo da nossa forma. Então, isso foi bem prazeroso. Eu me senti livre porque eu não fiquei procurando aquele padrão de escrita da ABNT. Eu não fiquei presa a isso. É libertador escrever da forma como a gente existe.
 
Blogueiras Negras (BN):
Povos de terreiro sempre são muito associados apenas a tradição oral, que é tão importante quanto outras formas de comunicação, mas você vai além quando escolhe escrever um livro.De onde partiu essa vontade de também utilizar a escrita para narrar a estória e a herança do seu terreiro, da sua família e da sua tradição?

Olefun Helaynne Sampaio:
Eu criei a expressão “escrita ancestral” que tá ligada a construção da narrativa a respeito da minha ancestralidade, sobre como a gente está lutando e combatendo as desigualdades. Essa escrita, na verdade, não é minha; é a minha ancestralidade falando como a gente se reconstruiu aqui na diáspora e como a gente vem mantendo isso e a importância da gente manter esse legado de muito tempo. O povo de terreiro também tem a escrita como ferramenta de preservação. Aqui no meu terreiro, a gente ganha um caderno em que a gente anota os ensinamentos de Mãe Amara. Então, a gente imprime ali, escreve ali, as nossas vivências, as nossas experiências. A gente tem, sim, essa tradição descrever o que a gente aprendeu. Escreve as sensações, como aquilo nos tocou. O que a gente aprendeu de fundamento e de ritual. Não é só a oralidade. A gente escreve também. A gente tem essa tradição de salvaguardar todo esse legado através da escrita também.

Blogueiras Negras (BN):
Você é licenciada em dança, mestranda em educação contemporânea e diretora de dança do Afoxé Oyá Alaxé, sendo uma profissional que reforça o poder da dança como um instrumento pedagógico. Como você entendeu que poderia utilizar a arte também como ferramenta de preservação da sua tradição e construiu essa segurança para escrever sobre isso?
 
Olefun Helaynne Sampaio:
Para mim, é importante contribuir para perpetuar a cultura da minha família, da cultura nagô de Pernambuco; contribuir para que as pessoas possam mergulhar nesse axé, beber desse axé; fortalecer o seu cotidiano através de suas lutas. A cultura nagô se manifesta muito através da arte. A arte é o principal instrumento de existência emancipatória. A arte é muito forte nos terreiros. É através da dança que a gente se comunica; que a gente conversa com os orixás e com o outro. A gente reza tocando e cantando. Minha mãe diz que esse livro é uma missão. O Orixá Oyá já trazia que eu estava nesse destino, de falar dessa forma, fortalecendo, salvaguardando e perpetuando esse legado. O terreiro me deu essa segurança. A gente vai para a escola e convive com aquele padrão da forma única de escrever e de valorizar o conhecimento. O terreiro me deu essa segurança de me expressar sem ficar presa nesses padrões. O terreiro me deu essa segurança de ter certeza de que há várias formas de escrita; há várias formas de se expressar.
 
Blogueiras Negras (BN):
Como Mãe Amara se sentiu ao ver o livro e como podemos adquiri-lo?

Olefun Helaynne Sampaio:
Mamãe (Mãe Amara) ficou muito emocionada de ver a história da nossa família num livro e contada por nós. Pessoas negras contando sua própria história, por isso, a prioridade será a edição impressa. Depois, faremos a versão online. O livro custa R$80,00 (oitenta reais), o valor que encontramos para remunerar o trabalho intelectual e cobrir os custos da tiragem física. Nada foi fácil. Para encomendar, a gente indica o linktree que está na bio do nosso Instagram (@espacodancahelaynne), lá as pessoas podem conversar conosco via Whatsapp, verificar formas de pagamento, agendar horários para retirar e/ou escolher outras formas de envio.

 Blogueiras Negras (BN):
 
Quais são os próximos passos? Tem alguma novidade?
 
Olefun Helaynne Sampaio:
Estamos [Afoxé Oyá Alaxé] gravando um novo CD, que vai lançar no dia 18 de novembro ou dezembro. Em junho, a gente fez uma versão mais religiosa. Logo mais retornaremos o primeiro a todas as plataformas, tivemos um problemas mas já estamos resolvendo.
 
Sobre a autora: Helaynne Sampaio é Yalaxé do Terreiro de Mãe Amara, artivista feminista antirracista, docente, pesquisadora, percussionista e multi-artista, mãe solo. Licenciada em Dança pela UFPE. Mestranda em Educação Contemporânea pela UFPE. BailariNagô, diretora de dança, professora e coreógrafa do Afoxé Oyá Alaxé. Primeira Princesa do Maracatu Sol Brilhante. Idealizadora da Ilé Èkó Ajô Nagô (Escola de Dança Nagô), Balé Nagô Ajô e do Espaço de Dança Helaynne Sampaio.
 
Serviço:
O que: Livro Dança Nagô: herança ancestral e resistência matriarcal do Balé Nagô Ajô, corpo que dança Afoxé Oyá Alaxé
Como adquirir: Via whatsapp, clicando neste link, https://linktr.ee/espacodancahelaynnesampaio.

Este texto foi produzido por Viviane Gomes e Wellington Ricardo da equipe de Comunicação de Blogueiras Negras.

 
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