Quase lá: O reencontro da Mãe-Mar com o Filho-Terra: lições para o bem-viver em Lágrimas de Yemanjá, de Joanice Conceição

Lágrimas de Yemanjá é a mais recente publicação da autora baiana Joanice Conceição. A obra nasce pelo trabalho cuidadoso da Editora Malê, pelo selo Malê mirim, voltado ao público infanto-juvenil. 

Artigo publicado no portal GELEDÉS
 

 

Lágrimas de Yemanjá é a mais recente publicação da autora baiana Joanice Conceição. A obra nasce pelo trabalho cuidadoso da Editora Malê, pelo selo Malê mirim, voltado ao público infanto-juvenil. Em consonância com a beleza das ilustrações, aquarelas assinadas por Irís Pirajá, o texto flui pela história de nosso tempo presente, trazendo à memória de leitoras e leitores a era da pandemia provocada pelo vírus que assolou o mundo. A autora, então, foi buscar em sua terra baiana, mais precisamente, na Praia do Rio Vermelho e nas profundezas de seu mar, o tecido da estória. Como o título nos mostra, será convocada pela narrativa, a personagem-orixá Yemanjá, a Mãe-Mar, mas não só, junto a ela, Sereinha, Yanaê, suas filhas-sereias, todo o povo do fundo do mar, serão convocados a desvendar o mistério: por que tudo é silêncio em sua praia quando o 2 de fevereiro se aproxima? Onde estariam toda a população que, há décadas, lhe rendem homenagem na praia do Rio Vermelho?

Em busca pelas respostas, a autora nos brinda com um texto-água que se espraia pelas margens da História da tradicional festa em homenagem à Yemanjá, na praia do Rio Vermelho, mas que também alcança os sentidos de uma escrita etnográfica, feita por quem olha a partir de dentro dos festejos e nos incita à reflexão: “Será que toda aquela gente que vai dia 02 de fevereiro para a praia do Rio Vermelho o faz por conta da sacralidade da festa ou é apenas uma forma de encontro e de festejo?”. Assim, Joanice Conceição, pelas malhas de seu texto, apresenta toda uma sabedoria acumulada em seu fazer literário pela sua experiência de vida múltipla: como antropóloga, squisadora, educadora, engbomi de Obaluaiyê, mulher negra iniciada no Terreiro Viva Deus pelo babalorixá Sérgio Barbosa, cujo prática candomblecista segue viva no Terreiro Axeloia junto ao Babalorixá Júlio Braga.

No texto, pela voz-marola e narradora, nos são apresentadas as tantas perspectivas da Festa a Yemanjá, suas dimensões nacional e internacional, o movimento da economia local, a agência de mulheres-vendeiras e mais, as dimensões do sagrado visto pela própria personagem, a Mãe d’Água: “Yemanjá estranhou a falta dos turistas que se colocavam sentados nas pedras para apreciar seu reino-água.”

O ápice da narrativa vem com a chegada do Filho-Terra da Mãe-Mar, Obaluaiyê, pelas areias da praia. Será o Orixá-Sol, cuja missão na terra é conhecer as doenças e os caminhos para a cura, que lhe trará respostas, amparo e junto a sua mãe-sereia, nos ensinará os caminhos para o bem-viver em comunidade planetária, respeitando a todos os seres que integram a Natureza.

Como as antigas estórias contadas pelos nossos mais-velhos, Lágrimas de Yemanjá se alia à compreensão do que a escritora e yalorixá Kiusam de Oliveira denomina como “Literatura negro-brasileira do encantamento infantil e juvenil”(LIBENIJU), obras literárias produzidas por escritoras/es negras/os cujo teor narrativo e/ou poético revigoram o corpo de saberes afro-brasileiro, produzindo, tanto para aquelas/es que escrevem quanto para nós, leitoras/es, o efeito de cura psíquica contra as engrenagens do racismo sistêmico presente, secularmente, em nossa sociedade brasileira. Nesse sentido, Lágrimas de Yemanjá é instrumento, tal como o espelho da Mãe d’Água, que reflete os conhecimentos ancorados nas antigas tradições de festejos à ancestralidade e à sacralidade afro-brasileiras, cujas origens têm lugar no outro lado do oceano, no berço materno africano. Assim, tanto o público infanto-juvenil quanto o público adulto, recebe, como oferenda às margens de nossas águas, mais um rico instrumento para a salvaguarda dos saberes afro-brasileiros, para a manutenção do corpo de conhecimentos africanos e a implementação das leis 10.639/03 (11.643/08), pelos sabedoria da palavra da Mãe-Mar e de seu Filho-Terra.


Luana Antunes Costa – Professora Adjunta do Instituto de Linguagens e Literaturas da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira

fonte: https://www.geledes.org.br/o-reencontro-da-mae-mar-com-o-filho-terra-licoes-para-o-bem-viver-em-lagrimas-de-yemanja-de-joanice-conceicao/

 


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