Quase lá: Precisamos combater a nova varíola sem reforçar estigma à população LGBT+

O surto da nova varíola (monkeypox), que nada tem a ver com transmissão por macacos, tem preocupado cada vez mais a comunidade científica, autoridades e a população ao redor do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença deve ser considerada uma emergência de saúde pública de interesse internaciona

 

logo coletivo feminista sexualidade saudeMariana Pércia e Lucas Brito
Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde

 

 

 

 

O surto da nova varíola (monkeypox), que nada tem a ver com transmissão por macacos, tem preocupado cada vez mais a comunidade científica, autoridades e a população ao redor do mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença deve ser considerada uma emergência de saúde pública de interesse internacional, conforme anunciado pelo diretor-geral do organismo, Tedros Adhanom Ghebreyesus, no último sábado (23). A caracterização não é um consenso na comunidade científica, mas os números da epidemia, no mínimo, acendem um alerta internacional: já são mais de 19 mil casos registrados, em 75 países.

Sobre a forma de contágio e, consequentemente, a prevenção, ainda há várias perguntas, imprecisões e dúvidas a serem respondidas. Por enquanto, acredita-se que a transmissão ocorra por contato direto com feridas infecciosas, crostas ou fluidos corporais. E, de acordo com as condições atuais de rastreamento e diagnóstico, a maioria dos casos foi identificado em homens gays ou bissexuais, apesar de que casos de transmissão domiciliar também tenham sido observados. Assim, tem-se trabalhado a hipótese de que a transmissão ocorra principalmente por meio de intimidade prolongada, como em atividade sexual. Diante disso, além da preocupação com a disseminação da epidemia em si, outro alerta tem preocupado: o estigma contra a comunidade LGBTI+.

As comparações com a epidemia da AIDS são inevitáveis. No começo dos anos 1980, por ser identificada principalmente em homens que fazem sexo com homens, a AIDS chegou a ser considerada uma “peste gay”, dentre outras formas carregadas de discriminação e preconceito. Além de serem anticientíficas, essas caracterizações trouxeram barreiras ao tratamento. Segundo a UNAIDS, o estigma e a discriminação estão entre os principais obstáculos para a prevenção, tratamento, cuidado em relação ao HIV, pois prejudicam os esforços no enfrentamento a epidemia, ao fazer com que as pessoas tenham medo de procurar por informações, serviços e métodos que reduzam o risco de infecção e de adotar comportamentos mais seguros com receio de que sejam levantadas suspeitas em relação ao seu estado sorológico.

Com isso, a própria OMS tem alertado contra o estigma de pessoas LGBTI+, sobretudo homens que fazem sexo com homens. Entretanto, declarações recentes, incluindo entrevista do diretor-geral do organismo concedida ontem (27), caíram em contradição. Tedros Adhanom chegou a aconselhar com que homens que fazem sexo com homens diminuam contato sexual, o número de parceiros.

 Essas orientações, ditas dessa forma geram mais desinformação e preconceito que ajudam a combater a epidemia. Em primeiro lugar, a nova varíola não é considerada uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST), pois não foi encontrado o vírus em fluidos genitais e as feridas podem se manifestar em diversas partes do corpo, portanto, qualquer contato, mesmo sem contexto sexual, poderia ser meio de contaminação. Segundo, orientações de prevenção direcionadas a um público em específico estigmatizam esse público e o culpabilizam pela transmissão do vírus. Se é verdade que a transmissão ocorre por contato íntimo, pele com pele, é sabido que indivíduos de quaisquer orientação sexual, identidade de gênero e padrão de comportamento sexual podem contrair e propagar o vírus. Ou seja, além de estigmatizar homens gays, orientações como essa desarmam a população em geral sobre medidas de prevenção, por não terem seus perfis associados imediatamente à epidemia.

OMS tem alertado contra o estigma de pessoas LGBTI+

O conceito de estigma refere-se a uma conotação negativa e depreciativa de determinados grupos sociais. Ao longo da história, ele tem sido responsável por reduzir o acesso à saúde por parte de indivíduos e grupos afetados. O estigma e o preconceito não trazem mais saúde, trazem mais dor e mortes. Além disso, o moralismo tampouco será capaz de nos ajudar, assim como nunca foi boa companhia no combate à epidemia de HIV.

Pessoas LGBTI+, ao longo da história, vêm sofrendo com estigmas. Um deles é o de tipo moralista, que associa LGBTI+ à promiscuidade. Isso segue se expressando em recorrentes acusações de que LGBTI+ teriam comportamento sexual de risco. A verdade é que o uso de preservativos, por exemplo, tem sofrido queda ao longo dos últimos anos entre todos os segmentos da sociedade, independentemente de orientação sexual e identidade de gênero. E hoje, com o avanço de novas formas de prevenção ao HIV, por exemplo, há estratégias que combinam o uso de preservativo com profilaxias pré e pós-situações de exposição ao vírus.

Também vale salientar que a associação do sexo e da sexualidade a algo negativo é uma das expressões do histórico de repressão sexual presente ao longo da sociabilidade humana, com forte impacto de doutrinas religiosas e interesses de dominação social e política na sociedade. Repressão, ascetismo e abstinência sexual são estratégias moralistas, não de promoção de saúde pública e bem-estar.

Para combater a nova varíola, precisamos de vacinas, medicações, pesquisas sérias, informações precisas de como nos prevenir e nos tratar, formação para profissionais de saúde, atenção básica e métodos de tratamentos combinados, além, obviamente, da luta contra o preconceito, sob pena de disseminar moralismos e criar barreiras de acesso ao tratamento e aos equipamentos de saúde pública.

Com maiores e melhores informações, seremos capazes de identificar comportamentos de risco, que se trata de ações que podem ser consideradas como fatores de maior exposição à contaminação por infecções e debilitamento do organismo, como uma má alimentação para pessoas com diabetes. Isso deve ser alvo de orientações científicas e não a definição arbitrária e superficial de “grupos de risco”. Para promover saúde e nos defender dessa nova epidemia, temos de combater também o vírus do estigma.

Sobre os autores:

 

Mariana Pércia é ativista pelos direitos sexuais e reprodutivos, médica ginecologista do Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde.

 

Lucas Brito é assistente social, ativista LGBTI+, mestre em Política Social (UnB), membro do Núcleo de Estudos de Diversidade Sexual e de Gênero (NEDIG/CEAM/UnB) e professor voluntário da Universidade de Brasília.

 

 

fonte: https://www.mulheres.org.br/feridinha-no-colo-do-utero/

 


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