Chantagens dos partidos fisiológicos não cessarão. Mas Lula se comprometeu com a reconstrução do SUS, com a participação popular nas decisões e com o combate ao negacionismo. A presidenta da Fiocruz tem todas as credenciais
OUTRASAÚDE
Publicado 22/12/2022 às 08:18
Atualizado 22/12/2022 às 14:35
ATUALIZAÇÃO: Algumas horas após a publicação da matéria, Lula confirmou a nomeação de Nísia Trindade para a pasta da Saúde. Leia sobre a posse da Ministra Nísia
Enquanto a mídia comercial transforma o silêncio golpista do atual presidente em “crises de tristeza”, aqueles que sustentaram seu governo de corrupção e incompetência não param de fazer suas chantagens. Por isso Lula segura o quanto pode as nomeações para diversos ministérios, entre eles o da Saúde, carro-chefe da política pública em 2023.
Neste ministério, despontou a semanas – mas ainda depende de confirmação presidencial – o nome de Nísia Trindade de Lima. A presidente da Fiocruz desfruta de enorme prestígio no movimento da saúde pública e segue como nome forte. Mas o centrão e seus partidos fisiológicos torturam a democracia brasileira com suas exigências que nada têm a ver com a construção de um sistema político saudável.
“Lula se comprometeu de tal modo com a valorização do SUS e com investimentos para retomar sua construção, assegurando a participação popular nesse processo, que não há a menor possibilidade de atendimento às pretensões de Lira e, por extensão, do centrão”, disse Paulo Capel Narvai, professor aposentado da Faculdade de Saúde Pública da USP, ao Outra Saúde. “Mesmo considerando o imponderável de muitas decisões políticas, não me parece ter qualquer viabilidade que o ministério da Saúde não seja comandado por alguém afinado com a defesa do SUS e capacidade de diálogo permanente com o movimento da reforma sanitária.”
A decisão do STF contra o orçamento secreto intensificou ainda mais a movimentação política dos que agem nas sombras. Agora, buscam manobras para aumentar a cota de emendas individuais por novos mecanismos. No meio disso, conseguiram que a retirada do Bolsa Família do teto de gastos não financeiros caísse de dois anos para apenas um. Embora busquem “compensações” em outros ministérios, ainda não desistiram da Saúde, cuja importância estratégica é inquestionável. Por isso, enquanto não há nomeação oficial, a apreensão continua.
“Um parlamentar que corroborou com o negacionismo e a experiência trágica da pandemia no Brasil ter a pretensão de liderar a política de saúde só é possível em um país sem memória. Impedir isto é o primeiro compromisso da Frente pela Vida, que congrega centenas de entidades em todo país: não esquecer e nem deixar que esqueçam. Manter a memória viva deste episódio significa respeitar a dor das famílias enlutadas, dos 184 mil órfãos deixados por mães e pais mortos pela Covid-19, dos mais de 30 milhões de infectados, dos quais muitos carregam sequelas da doença até hoje”, afirmou Túlio Batista Franco, da Frente Pela Vida, neste artigo.
“Temos de impor outra agenda”, defende Lúcia Souto, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes). “A Saúde está destruída e é inaceitável a permanência da catástrofe. O Brasil não aguenta mais e os impactos sobre a saúde da população contrariam todo o programa de quem apoiou e construiu a vitória de Lula à presidência. A saúde de nosso povo é bem público fundamental a ser defendido por todos”,
Nísia
A socióloga e presidente da Fundação Oswaldo Cruz parece ter tudo para ser ministra. Até na mídia empresarial seu perfil foi apresentado sem ressalvas e a competência demonstrada na administração da Fundação, que inclusive conseguiu produzir uma vacina, no auge da pandemia são ótimas credenciais.
“Nísia foi uma extraordinária presidenta da Fiocruz na hora que o país mais precisou da Saúde Pública, que foi no contexto da pandemia, a mais grave catástrofe sanitária que nós atravessamos. Se for ela a escolhida, o Brasil terá muito a celebrar porque tem todas as credenciais para ocupar o cargo de ministra”, afirmou Lúcia Souto na página do Cebes.
Talvez pelo trauma da passagem criminosa do general Eduardo Pazuello pelo ministério, gerou algum ruído o fato de Nísia não ser médica. Mas trata-se de uma figura ligada ao campo da saúde para além de seu entendimento meramente clínico.
“Esse argumento é muito corporativista e não deve prevalecer. Lula sabe que um economista, como José Serra, foi um ministro com bom desempenho. Um engenheiro, como Ricardo Barros, foi um ministro ruim. A questão central, nessa decisão, não está posta sobre o curso de graduação de quem for nomeado, mas em outros atributos que precisa ter”, explicou Narvai.
Seu nome beira à unanimidade no movimento sanitarista e de defesa do SUS. Não é com esta ou aquela concessão que o apetite de sabotadores da democracia será saciado. A considerar o papel da saúde pública no plano imediato, nomear Nísia para a Saúde parece ser a cereja do bolo desta dura transição de governo. “Lula tem dito que quer alguém que tenha mantido distância do negacionismo e tenha estado no olho do furacão no enfrentamento da pandemia. Ele tem esse nome”, sintetizou Paulo Capel Narvai.
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Nísia Trindade Lima será a primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde
22/12/2022
Ciro Oiticica (Agência Fiocruz de Notícias)
Primeira mulher a ser presidente na Fiocruz, cargo que ocupa desde 2017, Nísia Trindade Lima também será a primeira mulher a chefiar o Ministério da Saúde a partir de janeiro de 2023. O anúncio foi feito nesta quinta-feira (22/12) pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília.
"Tem muita coisa para acontecer em cada ministério. Cada companheiro tem que montar sua equipe. É importante que essa equipe atenda às pessoas mais competentes, às pessoas comprometidas com nosso projeto e às pessoas que participaram dessa vitória, que não foi apenas o PT, mas vários partidos políticos", declarou Lula. "Espero que todos ganhem, mas nossa prioridade é cuidar do povo mais pobre, do povo trabalhador, do povo mais necessitado".
"A prioridade é usar todo o potencial do [Sistema Único de Saúde] SUS, com os seus serviços próprios, a área que envolve os hospitais filantrópicos, que respondem a 50% das internações do SUS, e também o setor privado para um grande esforço no sentido de colocarmos critérios, indicarmos e sinalizarmos os encaminhamentos de prioridade para a regulação, dando transparência a esse processo", afirmou a futura ministra da Saúde, Nísia Trindade Lima. "Esse já é um esforço que estamos trabalhando e tem muitos elementos na transição para nos ajudar nesse sentido. Também pensamos em mutirões em áreas de vazios assistenciais; esse é o foco prioritário, como o própro presidente Lula vem falando".
Ao lado de outros pesquisadores, especialistas e ex-ministros, Nísia Trindade Lima integrou o Grupo Técnico da Saúde no governo de transição. Graduada em Ciências Sociais e com doutorado em Sociologia, Nísia Trindade Lima tem sua obra intelectual como referência na área de pensamento social brasileiro, história das ciências e saúde pública. É pesquisadora da Fiocruz desde 1987 e ocupou os cargos de diretora da Casa de Oswaldo Cruz (1998-2005), unidade da Fiocruz, e vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz (2011-2016).
Como presidente da Fundação, Nísia liderou as ações da Fiocruz no enfrentamento da pandemia, como a criação de um novo Centro Hospitalar no campus de Manguinhos; o aumento da capacidade nacional de produção de kits de diagnóstico e processamento de resultados de testagens; promoção de iniciativas junto a populações vulneráveis; criação do Observatório Covid-19 e da Rede Fiocruz de Vigilância Genômica; e inauguração do Biobanco Covid-19 (BC19-Fiocruz). Em sua gestão, a Fiocruz tornou-se referência para a Organização Mundial da Saúde (OMS) nas Américas para o diagnóstico de Covid-19.
No campo das vacinas contra a Covid-19, Nísia coordenou o acordo da Fiocruz de encomenda tecnológica. Com a conclusão da transferência de tecnologia da AstraZeneca, a Fiocruz tornou-se a primeira instituição do Brasil a produzir uma vacina contra a Covid-19 de forma 100% nacional. A Fundação já forneceu ao Ministério da Saúde mais de 200 milhões de doses de vacinas contra Covid-19 e foi selecionada pela Opas/OMS como centro regional de vacinas de mRNA, ainda em desenvolvimento.
Ao lado de outros pesquisadores, especialistas e ex-ministros, Nísia Trindade Lima integrou o Grupo Técnico da Saúde no governo de transição (Foto: Elisa Andries)
Uma marca de sua trajetória na instituição tem sido o trabalho interdisciplinar em acordos de cooperação internacional. Coordena a Rede Zika Ciências Sociais, parte da Zika Alliance Network (2018); foi membro do grupo de trabalho de Plano de Ação Global da OMS (2018); do grupo consultivo da OMS para a implementação da Agenda 2030 (2019); entre outros. Durante a pandemia de Covid-19, também participou de diversos fóruns de cooperação transnacional e co-presidiu o Grupo Diretor de Recuperação Econômica, um dos grupos do Roteiro de Pesquisa da ONU para a Recuperação da Covid-19.
Em dezembro de 2020, foi eleita membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na categoria Ciências Sociais e, em setembro de 2021, tornou-se membro independente do Conselho da Coalizão de Inovações em Preparação para Epidemias (Cepi), tendo recebido diversos prêmios ao longo dos últimos anos pelo reconhecimento de seu trabalho.
Junto ao anúncio de Nísia na pasta da Saúde, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva também anunciou outros 15 novos ministros. São eles: Alexandre Padilha, Relações Institucionais; Márcio Macedo, Secretaria-Geral; Jorge Messias, Advocacia-Geral da União; Camilo Santana, Ministério da Educação; Esther Dweck, Ministério da Gestão; Márcio França, Ministério dos Portos e Aeroportos; Luciana Santos, Ministério da Ciência e Tecnologia; Cida Gonçalves, Ministério da Mulher; Wellington Dias, Ministério do Desenvolvimento Social; Margareth Menezes, Ministério da Cultura; Luiz Marinho, Ministério do Trabalho; Anielle Franco, Ministério da Igualdade Racial; Silvio Almeida, Ministério dos Direitos Humanos; Geraldo Alckmin, Ministério da Indústria e Comércio; e Vinícius Carvalho, Controladoria-Geral da União.
fonte: https://portal.fiocruz.br/noticia/nisia-trindade-lima-sera-primeira-mulher-chefiar-o-ministerio-da-saude