Esposa do governador eleito quer ir além das atribuições à frente das Voluntárias Sociais da Bahia
O papel tradicional de uma primeira-dama, destinado quase sempre à participação protocolar, parece não combinar com as pretensões de Tatiana Velloso. A esposa do governador eleito Jerônimo Rodrigues (PT) quer ir além das atribuições à frente das Voluntárias Sociais da Bahia para combater a fome, segundo ela, a pauta mais urgente.
A professora Tatiana, como gosta de ser chamada, tem 50 anos, nasceu em Salvador, mas foi criada em Feira de Santana. Ela é formada em Agronomia pela UFBA (Universidade Federal da Bahia), e possui experiência acadêmica, com mestrado e doutorado, na área de políticas de desenvolvimento rural.
Foi nos tempos da faculdade que conheceu Jerônimo, com quem tem um filho. Pró-reitora de Extensão da UFRB (Universidade Federal do Recôncavo da Bahia), ela vai se afastar do cargo por falta de tempo, a partir de janeiro.
Nesta entrevista exclusiva, a primeira concedida após as eleições, Tatiana revela ser discreta e reservada, o que não vai impedi-la de atuar de forma ativa por meio de uma gestão "integrada", e de buscar o apoio de Janja, esposa de Lula.
Como foram as primeiras semanas após as eleições? A rotina da senhora mudou?
Após o segundo turno, eu já voltei às minhas atividades da universidade. Eu estou num momento de transição, de dar encaminhamento, porque como eu sou gestora, sou pró-reitora de Extensão, eu estou nesse momento de fechamento dos compromissos, para poder, a partir de 1º de janeiro, assumir a função de primeira-dama. Não é nem função. Esse lugar de primeira-dama. Tem ações que são vinculadas, principalmente, às Voluntárias Sociais, e aí eu tenho dialogado muito com Aline Peixoto [atual primeira-dama], mas também Fatinha [Fátima Mendonça, esposa do senador e ex-governador Jaques Wagner], no sentido de compreender as ações das Voluntárias Sociais. Mas ainda não houve uma mudança drástica da minha rotina.
Como a senhora está lidando com essa grande responsabilidade que terá a partir de janeiro?
A dimensão só é maior, mas a preparação nossa sempre vai ser o exercício do que a gente vem fazendo historicamente, tanto ele quanto eu. Agora, com a dimensão de uma responsabilidade muito maior, mas que a gente tem esse compromisso de assumir e considerando também toda uma base dessa sustentação. O que a gente coloca é: não é um projeto individual e familiar, é um projeto coletivo, de sociedade.
A primeira-dama tradicionalmente tem um papel mais discreto. Rosângela Silva, a Janja, reabriu esse debate, de exercer um papel mais ativo, até na tomada de decisões. O que a senhora pensa sobre isso?
Eu acho que ativa não é antagônica de discreta. Ser discreta é muito no sentido da socialização, da visibilidade dessas ações. Mas eu sempre tive um perfil ativo. Eu sou uma pessoa que às vezes se confunde como discreta, por ser muito reservada. Então, essa questão de ser discreta é porque talvez eu não faça muita propaganda das ações tão intensas que são realizadas não só por mim, mas por um grupo que hoje represento na UFRB, com muito orgulho, que de fato ela cumpre a sua missão não só de interiorizar, de expandir, de dar acesso ao ensino superior, mas o que a gente tem feito de inovação por dentro dos currículos.
Quais serão suas prioridades?
A pauta mais urgente é a situação que vivemos de muitas pessoas em situação de fome, de insegurança alimentar, e que pela trajetória que eu tenho, eu posso estar agregando ao estado ações com essa vinculação, especialmente considerando as pessoas em situação de vulnerabilidade. Você tem a importância do agronegócio, mas eu não posso desconsiderar a agricultura familiar, que garante o abastecimento, a segurança alimentar do nosso País. Tem ainda a educação, a cultura, a dimensão da saúde, mas especialmente para segmentos das minorias, as mulheres, as pessoas com deficiência, a juventude, os quilombolas, os povos originários.
De que forma pretende atuar como primeira-dama?
A minha pauta prioritária de trabalho vai ser um trabalho integrado, no sentido de somar, com muita ação. Eu sou muito ativa, uma pessoa muito de campo. Eu vejo muito essa integração desse lugar, muito mais como agregar, não como uma executiva que vai assumir um cargo no governo do Estado. Não é isso. O governador é Jerônimo Rodrigues, mas enquanto esposa e companheira de luta, porque nós temos uma trajetória de muita afinidade, de organização, de movimentos sociais, como é que a gente vai agregar essas pautas considerando a minha condição de professora.
A senhora vai procurar Janja durante o governo?
Sim, lógico, até porque nós precisamos ter uma rede com a Janja. A gente teve contato aqui durante as três vezes em que ela esteve presente na Bahia, mas num momento também muito corrido da campanha, porque a campanha foi muito intensa, tanto em nível nacional quanto estadual. A nossa disposição é, sim, fazer essa integração com o governo federal, especialmente com a ação de Janja, que está liderando temas a nível nacional, mas que nós também temos o protagonismo aqui na Bahia, a partir da nossa realidade.
A senhora é professora e pesquisadora na área de políticas de desenvolvimento rural. Poderia falar um pouco da sua experiência acadêmica?
Eu trabalho especialmente com os povos do campo, das águas e das florestas. Também tenho vivência com os povos ligados à juventude, às mulheres, mas também da cidade. Eu tenho vinculação forte com o movimento dos catadores de material reciclável, e também as mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade na periferia, especialmente as mulheres negras que buscaram se organizar em associações e grupos comunitários buscando não uma forma de renda, mas dignidade e acesso a direitos. Essa trajetória traz um pouco do meu perfil de trabalho com segmentos, buscando não só a inserção socioprodutiva, mas a organização da classe trabalhadora.
Na sua opinião, enquanto professora, como reerguer a área da educação, tão atacada no governo Bolsonaro?
Primeiro, a esperança de retomada do governo federal de estruturas que foram destituídas. Estruturas que são importantes para que a gente possa pensar essa relação do governo estadual e do governo federal. A gente teve um ataque muito, muito profundo, de várias violências que nós, trabalhadores da educação, sofremos desde a negação da ciência, a não nomeação de reitor ou reitora no Brasil e cortes orçamentários.
Como é Jerônimo Rodrigues em família?
Seja no espaço privado da família, como também no espaço público, onde ele atuou como docente, professor, assessor, como gestor, sempre teve esse espaço. Jerônimo é uma pessoa admirável, uma pessoa que eu admiro muito para além da relação que nós temos, pela sua firmeza, mas também pela sua característica humanizada. Uma pessoa que consegue ter uma eficiência, como gestor, como docente, onde ele atuou, mas ao mesmo tempo uma pessoa muito acolhedora, muito amorosa, até por conta da trajetória dele.