Quase lá: Adolescentes negros são abordados cada vez mais cedo por policiais, aponta relatório

Pesquisa inédita acompanhou adolescentes de escolas públicas e privadas de São Paulo por quatro anos; dados confirmam que jovens negros se tornam alvos do policiamento ostensivo desde os 11 anos

  Publicado: 05/07/2023

Texto: Tabita Said
Arte: Carolina Borin e Joyce Tenório

Dados de relatório inédito do NEV-USP apontam que a discriminação racial e a seletividade das abordagens policiais estão presentes desde cedo na vida das crianças e adolescentes

O que os dados revelam

O relatório aponta que muito cedo, já aos 11, 12 e 14 anos de idade, adolescentes pretos chegaram a ser duas vezes mais abordados pela polícia, mesmo sendo uma parcela significativamente menor de participantes da pesquisa.

No primeiro ano de levantamento, 47,13% dos participantes eram brancos, 27,25% eram pardos, 11,50% eram pretos, 5,13% indígenas, 2,75% eram descendentes de asiáticos e outros 6,25% não souberam ou não quiseram declarar. Apesar de não representarem a maior parcela de entrevistados, o contato com a polícia foi maior entre os jovens autodeclarados pretos. Em 2016, quando os jovens participantes tinham 11 anos de idade, 18,24% dos pretos foram parados pela polícia. Para fins comparativos, entre todos os pretos participantes da pesquisa naquele ano, 27,47% foram parados pela polícia, contra 18,83% de brancos e, do total de pardos, 12,84% foram parados. 

Considerando todos os anos em que a pesquisa foi realizada, 68,82% dos participantes nunca foram parados pela polícia, 20,21% foram parados ao menos uma vez em um único ano, 5,40% parados ao menos uma vez em dois anos, 4,32% parados ao menos uma vez em três anos e 1,23% foi parado ao menos uma vez todos os anos, dos 11 aos 14 anos de idade. 

Tabela com porcentagens de abordagens policiais, retirada do relatório A experiência precoce e racializada com a polícia - Imagem: Reprodução/NEV-USP

A pesquisa dividiu a experiência das crianças e adolescentes com a polícia em três categorias: contato indireto – quando ele ou ela viu uma abordagem; contato direto – que variava desde a participação em alguma campanha ou palestra policial até ser parado, revistado ou levado para a delegacia; e por fim vitimização causada pela polícia – indicando situações de xingamentos, agressões e ter uma arma apontada em sua direção.

De todos os pretos da amostra, 21,51% foram revistados pela polícia. Já entre os brancos, essa experiência atingiu 8,33%, e entre pardos, 9,74%. Somente no ano de 2016, adolescentes autodeclarados pretos foram 25,71% dos que afirmaram ter sido levados para a delegacia, frente a 11,37% de participação na amostra. Já no ano de 2019, somente 8 jovens responderam ter sido agredidos pela polícia, no entanto 7 eram negros.

“A gente sabe que a polícia tem abordagens diferentes a depender de questões como raça e cor, e isso é entrecruzado com a condição socioeconômica. É um estranhamento da nossa parte saber que a polícia chegaria a parar na rua uma criança de 10 a 11 anos”, afirma Theodoro. Para ele, a população está sendo exposta desde muito cedo à violência racial institucional.  

Além do resultado da pesquisa com crianças e adolescentes, três ensaios compõem a parte final do relatório. Os dois primeiros ilustram como jovens representam as experiências vividas em seus contatos com a polícia e o modo como as polícias, em especial a militar, silenciam a presença do racismo em seus contatos com cidadãos e cidadãs. O terceiro ensaio aborda estratégias para interromper a violência contra crianças. De acordo com a publicação, a percepção de que há discriminação racial na ação policial foi presente em todos os grupos sociais: meninos e meninas, brancos, pretos e pardos.

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 50% das vítimas de morte violenta intencional tinham entre 12 e 29 anos. Somente no ano de 2021, mais da metade dos mortos em decorrência de intervenção policial tinha entre 12 e 24 anos, sendo 8,7% entre 12 e 17 anos e os outros 43,6% entre 18 e 24 anos de idade, respectivamente. 

De outro lado, um estudo recentemente realizado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelou que as mortes de adolescentes por intervenção policial caíram 66,7% no Estado de São Paulo após implementação das câmeras operacionais portáteis. Mesmo assim, a polícia de São Paulo matou 273 jovens, entre 15 e 19 anos, nos últimos quatro anos. 

 
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Baculejo juvenil

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instituído por meio da Lei 8.069/90, considera criança a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescentes aqueles entre 12 e 18 anos. De acordo com o ECA, a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

fonte: https://jornal.usp.br/diversidade/adolescentes-negros-sao-abordados-cada-vez-mais-cedo-por-policiais-aponta-relatorio/

 

O estatuto define ainda que nenhuma criança pode ser revistada sem a presença de um responsável ou de um conselheiro tutelar. Caso seja encontrado algo ilícito ou for flagrada em ato infracional, a criança deve ser encaminhada ao Conselho Tutelar, que fará a aplicação de uma medida protetiva. No caso de adolescentes, o Juizado da Infância e Juventude é que determina a aplicação de medida socioeducativa.

Destacando artigos do ECA, da Constituição Federal e do Código Penal, as ONGs Grupo AdoleScER e Grupo Ruas e Praças lançaram o Guia prático sobre abordagem policial, que orienta sobre o que policiais podem e não podem fazer na revista – o chamado “baculejo”.  O guia pode ser lido ou baixado neste link.

Outro guia, elaborado pelo Conselho Gestor de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto de Porto Alegre, informa sobre os direitos das crianças e adolescentes no momento de uma abordagem policial. Confira a cartilha clicando aqui

Com informações do NEV e do Marco Zero Conteúdo

 

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