Quase lá: Dandara Tonantzin, deputada federal: "Racismo define quem vive"

Parlamentar destaca a necessidade da revisão da Lei de Cotas como forma não apenas de modernizá-la, mas também de ampliar as ações afirmativas — um dos principais caminhos para se enfrentar a discriminação pela cor da pele

  28/08/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - CB.Poder entrevista a Deputada Federal Dandara Tonantzin (PT-MG). Na bancada, Ana Maria Campos e Mariana Niederauer.  -  (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)
28/08/2023 Crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press. Brasil. Brasilia - DF - CB.Poder entrevista a Deputada Federal Dandara Tonantzin (PT-MG). Na bancada, Ana Maria Campos e Mariana Niederauer. - (crédito: Kayo Magalhães/CB/D.A Press)

https://www.youtube.com/watch?v=HX1_NGsydtY 

Ana Maria Campos
Foto de perfil do autor(a) Mariana Niederauer
Mariana Niederauer
postado em 29/08/2023 Correio Braziliense

racismo determina o lugar da pessoa no sociedade brasileira, assim como se ela vive ou morre. Daí porque é uma necessidade a revisão da Lei de Cotas, pois somente pela ampliação das ações afirmativas é que a discriminação pela cor da pele será combatida. A avaliação é da deputada federal Dandara Tonantzin (PT-MG), relatora do projeto de lei que torna permanente a reserva de vagas nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio. A legislação, conforme avalia, é necessária a fim de que reflita os avanços obtidos pela população negra. "O racismo organiza relações de poder, determina lugares, quem vai viver, quem vai morrer", frisou, na entrevista que concedeu ao CB.Poder — uma parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília. A seguir, os principais trechos da conversa.

O Brasil é um país racista?

O Brasil é um país que de seus 500 anos oficiais de história, quase 400 foram de modelo formal de escravização de negros e negras. O modelo desigual entre homens e mulheres, brancos e negros, está presente desde a constituição do nosso país. O racismo não é só um elemento de comportamento; o racismo é estrutural porque ele organiza relações de poder na sociedade. Determina lugares, não lugares, quem vai viver, quem vai morrer e está presente em todos os aspectos — no cultural, no social, no territorial, no espacial das cidades.

 

A revisão da Lei de Cotas é uma vitória para o movimento negro no Congresso?

Sem dúvida. Em 13 de maio, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, só aboliu os crimes que os senhores de engenho cometeram contra a humanidade. Nós, negros e negras, ou continuamos na condição de escravizados ou fomos expulsos das terras dos senhores. O dia 14 de maio é um dia super emblemático porque não recebemos acerto, férias, 13º salário ou seguro desemprego. Tem uma agenda de reparação que o Estado brasileiro nunca se comprometeu, pelo contrário. No pós-abolição, tivemos ainda um conjunto de mecanismos organizados para continuar mantendo hierarquias de privilégio. Só fui entender a importância da educação quando estava na universidade. Fui cotista na pedagogia da UFU (Universidade Federal de Uberlândia), fui cotista no mestrado na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e isso abriu para mim um leque de possibilidades muito grande. Sempre me comprometi politicamente com essa agenda de direitos. Essa avaliação deveria ter sido feita no ano passado, mas pela conjuntura não foi possível. Era um desejo muito grande do movimento negro que a gente pudesse, não só renovar, mas aperfeiçoar a Lei de Cotas.

Qual é a importância de uma deputada federal que foi cotista ter sido relatora da revisão da Lei de Cotas?

A cabeça pensa onde os pés pisam e pisei, nos últimos 10 anos, no chão da universidade pública. Vivi os desafios desses últimos 10 anos da Lei de Cotas, sei o que é a realidade de você conseguir o ingresso, mas a dificuldade de permanecer. Sei o que é ter que escolher entre xerocar o livro da aula ou pagar o almoço, o que é ter que escolher entre participar de um projeto ou faltar ao emprego naquele dia. Senti na pele as dificuldades de você conseguir entrar e permanecer com qualidade. Encaro isso com muita responsabilidade, de quem sentiu na pele e sabe os desafios que a gente tem para o futuro.

Qual é o principal avanço, na sua avaliação, dessa revisão em relação à lei que entrou em vigor há 10 anos?

A cota na pós-graduação. Agora, os programas precisam desenvolver ações afirmativas no mestrado e no doutorado. A obrigatoriedade da cota quilombola, porque tinha pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência, mas ainda não tínhamos trazido os quilombolas para dentro da lei de forma obrigatória. Também colocamos que, primeiro, será observada a nota geral e, depois, a nota da cota — isso era uma distorção grande. Também colocamos ciclos anuais de monitoramento e acompanhamento, que vai caber ao Ministério da Educação, ao Ministério da Igualdade Racial e a todas as pastas que têm relação direta (com a lei). Também colocamos o aperfeiçoamento com ciclos de 10 anos, porque, enquanto ação afirmativa, precisa ser acompanhada.

Que pontos ficaram de fora e que o movimento acha que deveriam ser abrangidos?

Entramos na negociação com 10 pontos e a expectativa era sair com cinco, seis. Saímos com nove. Falta ainda, por parte de alguns parlamentares e partidos, compreender a importância de se combater as fraudes no mecanismo no processo de entrada. Mas, nas negociações, infelizmente o PL e o Novo colocaram destaques de obstrução e precisamos ali negociar para que esse ponto ficasse de fora.

Como que a senhora acha que se deve fazer para avaliar se aquele estudante, realmente, é um cotista?

No Brasil, o racismo é de fenótipo, ele não é de origem. Ninguém pergunta se você tem uma avó, uma bisavó negra na hora que você perde a vaga de emprego. Não perguntam se você vem de uma família de descendentes quando você é perseguido no shopping, quando você é alvo de bala perdida. Se você é lido como uma pessoa negra, é vítima das consequências do racismo na sociedade. Acho que precisamos avançar para construir metodologia e também elementos que contribuam para o funcionamento das bancas (examinadoras).

Acredita que um governo mais progressista, como o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ajudarão no avanço das bandeira que a senhora defende?

Ter um Ministério da Igualdade Racial pela primeira vez em 20 anos. Faz muita diferença encontrar um Ministério de Direitos Humanos com letramento racial, com o compromisso de combater a desigualdade. Faz muita diferença ter uma Secretaria de Relações Institucionais, que faz a ponte com o Congresso apontando que matérias como essas também são prioridades do governo.

A revisão da Lei de Cotas está sob relatoria do senador Paulo Paim (PT-RS). Qual é o simbolismo disso? Deve facilitar a aprovação?

Ele acompanhou todo o processo de debate com os movimentos negros, movimento estudantil, com a academia. Já tem um diálogo nosso com o presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG) para que votar o quanto antes. Essa matéria não pode ficar parada, como na primeira votação, que demorou anos.

E a viagem do presidente Lula à África, qual é o simbolismo?

Lula foi o presidente que mais visitou países do continente africano. Temos uma dívida histórica com o continente africano. Para o Brasil, foram cerca de 5 milhões de angolanos trazidos como escravizados. Pude ver como as nossas raízes brasileiras são raízes afro-brasileiras. Temos laços de sangue que são inquebráveis.

*Colaborou Marina Dantas, estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/08/5120742-dandara-tonantzin-deputada-federal-racismo-define-quem-vive.html#google_vignette

 


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