Em tom de contestação, mulheres indígenas de 113 povos tomaram as ruas de Brasília em defesa dos seus territórios, contra a mineração e o genocídio dos povos originários
Por Fran Ribeiro*
Clique aqui para acessar a matéria original no site da Articulação de Mulheres Brasileiras.
Coragem, contestação e força. Essas três palavras podem dar a dimensão do que foi a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas para quem não pôde estar neste dia 13 de agosto em Brasília, DF. Mesmo com a presença da Força Nacional, escalada pelo governo Bolsonaro com receio do poder das mulheres, cerca de três mil mulheres de 113 diferentes povos e etnias do Brasil foram às ruas da capital federal em ato que anunciou o tempo todo que a revolução das mulheres já está em curso. Uma revolução que não começou hoje, mas que, nesses últimos quatro dias de Fórum Nacional de Mulheres Indígenas, já se prenunciava e pôde ser afirmada com toda certeza. Esta semana de agosto será lembrada pelo resto da nossa história como o dia do levante das mulheres indígenas frente à colonização, o genocídio, o racismo e o descaso com os territórios.
Ainda na concentração, no acampamento na FUNARTE, parlamentares de partidos de esquerda compareceram para apoiar a 1ª Marcha e pontuaram a importância do movimento para a atual conjuntura do país. Para o deputado Paulo Pimenta, do Partido dos Trabalhadores (PT-RS), “as comunidades indígenas são, sim, neste momento, um alvo do interesse violento e perigoso que tem no Brasil como representante Jair Bolsonaro e este clã de milicianos bandidos que tomaram de assalto o Palácio do Planalto. Não há outro caminho que não seja o caminho da luta e da resistência. Da organização popular em defesa da soberania, em defesa da democracia, em defesa do nosso futuro”, enfatizou.
Por volta das 8h30 da manhã, as mulheres indígenas e as não indígenas, que se somaram ao ato, saíram em direção ao Congresso Nacional. Todas de vermelho em representação ao sangue dos povos indígenas vítimas de genocídio nesses 519 anos de história, entoaram cantos tradicionais, dançaram e gritaram em protesto contra o avanço das indústrias de mineração e de extrativismo, do agronegócio, mas gritaram também para dizer que estavam ali enquanto defensoras de seus territórios e que continuariam na resistência.
“Os corações das mulheres indígenas, as mãos e os pés das mulheres indígenas também guardam conhecimento e vai ser nós, mulheres indígenas, com os nossos corpos, que vamos descolonizar essa sociedade brasileira, que tem matado a nossa história, que tem matado a nossa memória, porque o nosso conhecimento indígena é uma forte patente do conhecimento de cura. Nós temos sido mortos não apenas pela arma do calibre 38, mas também pela arma do calibre 17, esse governo que tem assassinado com essa política genocida. Mas nós, mulheres indígenas, iremos fazer resistência. Porque defender o território é defender a educação. Porque nós queremos saber como é que esse governo vai fazer, como a ciência vai fazer, como o capitalismo vai fazer o dia que acabar todas as árvores do planeta. Porque o dia que acabar todas as árvores, nós quer saber onde é que vai escrever essa caneta. Nós, mulheres indígenas, continuamos aprendendo muito mais com uma árvore viva, do que com um papel morto”, falou do alto do carro de som, Célia Xakriabá, uma das coordenadoras da Marcha.
Para Telma, do povo Taurepang, do estado de Roraima, e atual coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (UMIAB), esses últimos quatro dias foram de luta, de autoconhecimento e de empoderamento da participação e incidência política das mulheres indígenas no atual contexto político. “Temos aqui mulheres de diferentes etnias, línguas e culturas nas ruas que sofrem o mesmo descaso de um governo que é racista, capitalista e genocida e que é o que acontece também com povos irmãos em outros países na América Latina. Eu vejo como positivo todo o saldo que o Fórum Nacional e Marcha das Mulheres Indígenas vai trazer para os nossos povos”, ressaltou Telma.
Em defesa dos territórios, da saúde, da educação
Antes de chegar à Esplanada dos Ministérios, na altura da Biblioteca Nacional, a Marcha das Mulheres Indígenas aderiu ao ato em defesa da educação pública, e liderou a sequência dos dois atos até o pátio do Congresso, onde um forte esquema da Força Nacional aguardava. Contudo, mesmo com o receio do governo, a Marcha foi pacífica o tempo todo pacífica. Ao chegar ao Congresso, cem mulheres de diferentes povos se somaram às cerca de 600 mulheres, trabalhadoras do campo, das águas e das florestas que participavam da Sessão Solene em Homenagem à Marcha das Margaridas, que estava acontecendo no plenário da Câmara dos Deputados
A força da organização do movimento de mulheres indígenas pôde ser sentida também ontem, 12, quando mais de mil mulheres ocuparam o prédio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde, em protesto ao Programa Médicos pelo Brasil, instituído pelo governo federal em substituição ao Programa Mais Médicos. A rejeição do movimento ao programa se dá pelo fato de a Medida Provisória 890/2019 abrir brechas para a municipalização da saúde indígena, bem como ao sucateamento do Sistema Único de Saúde (SUS) numa nítida estratégia de privatização da saúde. Depois de quase nove horas de ocupação do prédio, um grupo de dez mulheres representando o movimento foi recebido pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que não deu respostas concretas às reivindicações apresentadas pelas indígenas.
A falta de diálogo e de respeito aos povos originários é marca da política e dos posicionamentos do atual presidente, Jair Bolsonaro. Sua total ignorância e descaso com os povos indígenas são parte de uma ideologia fascista que não pensa o desenvolvimento da sociedade a partir da preservação da diversidade, das políticas públicas, do bem-estar social da população, que está às margens de qualquer seguridade, em especial, as mulheres. Em resposta, muitas das lideranças que fizeram falas durante a Marcha das Mulheres Indígenas repudiaram esse que, desde a eleição, é um governo ilegítimo para o conjunto dos movimentos sociais brasileiros.
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* Fran Ribeiro integra SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia. Este texto faz parte da cobertura colaborativa realizada pela Coletiva de Comunicação da Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB), em parceria com Universidade Livre Feminista (ULF) e Blogueiras Feministas, organizada especialmente para cobrir a Marcha das Mulheres Indígenas e Marcha das Margaridas.
Expediente: Coordenação Geral: Cris Cavalcanti (PE); Texto: Fran Ribeiro (PE), Gabriela Falcão (PE), Carmen Silva (PE); Laura Molinari (RJ), Carolina Coelho (RJ), Raquel Ribeiro (RJ), Angela Freitas (RJ), Rosa Maria Mattos (RJ), Milena Argenta (DF) e Priscila Britto (DF); Fotos: Carolina Coelho, Fran Ribeiro; Vídeo: Débora Guaraná (PE), Milena Argenta (DF) e Cris Cavalcanti (PE); Edição: Coletivo Motim; Diagramação: Débora Guaraná (PE), Bibi Serpa, Cris Cavalcanti (PE); Sites e Redes Sociais: Cristina Lima (PB), Thayz Athayde (CE), Cris Cavalcanti (PE), Analba Brazão (PE), Emanuela Marinho (PE) e Luna Costa de Oliveira (RJ); Produção: Mayra Medeiros (PE) e Masra Abreu (DF).