Quase lá: WikiFavelas: As periferias na fúria de 2013

apartheid urbano foi central nas Jornadas de Junho cariocas, mostra o Dicionário Marielle Franco. Megaeventos, remoções, violência policial e UPPs acossavam comunidades – e novas formas de ativismos surgiram. É preciso revê-los

Imagem: AFP/Telegraph

Pelas redes sociais, inúmeras pessoas estão publicando, durante este mês, suas lembranças, debates, contextualizações e análises sobre os dez anos da grande primeira manifestação intitulada como “Jornadas de Junho de 2013”, que foi realizada na avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro, com a presença de milhares de pessoas. Nestes debates efervescentes, alguns dizem que foi ali que a direita começou a tomar as ruas exigindo a retirada do governo PT, outros já trazem a memória para o que estava ocorrendo na cidade por causa da realização dos grandes eventos esportivos que estavam para chegar, assim como: Copa das Confederações, Copa do Mundo, Olimpíadas, Jornada Mundial da Juventude (JMJ), etc.

Trazendo essa memória histórica de anos antes das grandes manifestações de junho de 2013, é importante lembrar que assim que o Brasil passou a ser sede dos jogos esportivos e religiosos, inúmeras obras faraônicas começaram a ser prometidas e feitas pelas principais capitais do país. No Rio de Janeiro estas obras estavam concentradas principalmente em áreas que eram ocupadas próximas às favelas e periferias, o que fez mexer com estes territórios. Em 2009, anos antes destes megaeventos, jornais comerciais publicaram que a Prefeitura do Rio de Janeiro removeria 119 favelas do Rio de Janeiro.

Além disso, foi nesta mesma época que começaram a ser instaladas as Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, com a falsa promessa de que esta era uma cidade tranquila e pronta para receber os turistas e os megaeventos. As UPPs começaram a ser implementadas nas favelas cariocas em 2008 como um projeto do Governo do Estado, da época do governador Sérgio Cabral, junto à Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, secretariado na época por José Mariano Beltrame.

Na Rocinha, sumiu um ajudante de pedreiro, o Amarildo. Caso que percorreu o mundo. Em diversas outras favelas na época ocupadas pelas UPPs, o desaparecimento forçado aumentou. “Entre 2007 e 2012, foram registrados 553 casos de desaparecimento nas 18 primeiras comunidades ocupadas pelas UPPs. Os relatórios do ISP indicavam aumento progressivo anual até 2010, quando o indicador atingiu o seu ápice (119 ocorrências)”, dados esses do Instituto de Segurança Pública em matéria do Uol, publicada em agosto de 2013.

E o debate das remoções e da não militarização da vida passou a ser presentes dentro das manifestações de 2013. Exemplo disso, é que em junho de 2013, mês de realização da Copa das Confederações, dentro do Conjunto de Favelas da Maré, localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, a Força Nacional que ocupava este território, cometeu uma chacina que ficou conhecida como Chacina da Maré, em que 13 pessoas foram brutalmente assassinadas dentro de algumas casas. Neste dia da chacina, comunicadores comunitários, lideranças locais e moradores tomaram as ruas da favela para que a polícia não cometesse outra chacina.

Na ocasião, estes mesmos moradores conseguiram expulsar o caveirão, mesmo não tendo luz, nem internet e cercados por policiais. Foi a partir desse fato que o grito: Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar! ganhou as ruas do Rio. As faixas: A polícia que reprime na avenida não é a mesma que mata nas favelas, ganhou as ruas da Maré e do asfalto intensificando o debate racial e questionando a presença ostensiva das polícias nos atos e dentro das favelas e periferias do Rio.

Em 2014, esta mesma favela, por estar em um local estratégico da cidade, como a Linha Vermelha, Linha Amarela e Avenida Brasil, além do Aeroporto Internacional do Galeão, recebeu a presença do Exército Brasileiro por um ano de cinco meses, até terminar os jogos da Copa do Mundo. Toda a Maré ficou sob Garantia de Lei e Ordem, a GLO, sendo dirigida pelo Comando do Leste, no comando do general Braga Neto.

Com remoções a todo o vapor, com os despejos das históricas ocupações do centro do Rio, e com o aumento da censura, do desaparecimento forçado cometidos pelas UPPs, os favelados e faveladas se faziam presentes nessas manifestações de 2013 em diante, as pautas se misturavam e gritos, manifestos, atos e grandes debates eram feitos pelas praças públicas da cidade.

Remoções e gentrificação

Na época, a organização internacional Witness e um grupo de jornalistas e militantes de direitos humanos do Brasil, realizou uma pesquisa que durou mais de um ano com mais de 100 vídeos assistidos. A pesquisa apontou que das favelas que na época sofreram as remoções, 44% delas não tinham qualquer tipo de informação sobre as remoções. 31% sofreram antes das remoções com as propostas inadequadas de reassentamento.

Ou seja, não houve nem ao menos um aviso de que estas famílias seriam retiradas, sem qualquer chance destes moradores tentarem alguma forma de resistência ou de se organizarem previamente ou tentarem algum tipo de negociação para não remoção com a Prefeitura.

Para além destas favelas que apareceram na lista das remoções, mais de dez ocupações que se auto-organizaram durante décadas pelas ruas do centro do Rio, sofreram ameaças de despejos. Muitas delas, antes de sofrerem o despejo, sofreram com a forte criminalização da pobreza, algumas eram, inclusive, divulgadas nas mídias comerciais como ocupações do varejo de drogas, outras de pessoas invasoras de prédios etc.

Eram 119 favelas na lista das remoções e as dez ocupações do centro do Rio sofrendo com a criminalização e os despejos, junto a isso, as favelas que estavam sendo impactadas pelas UPPs, também estavam sofrendo com a gentrificação. Afinal, muitas delas, assim como a favela Santa Marta, localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, com o aumento no preço dos aluguéis, a legalização de direitos como energia, água, aumento no preço de gás e alimentos, os moradores que estavam nessa localidade por anos e anos, alguns tiveram que procurar favelas na Zona Norte mais distante da Zona Sul e do grande centro.

Para os movimentos de favelas do Rio, essa foi sem dúvida uma forma de remoção que na época passou a ser chamada de “remoção branca”. Houve a tentativa de embranquecer essas localidades, fazendo com que a classe média entrasse nos morros para também morar. Saíam os pobres por não conseguirem mais pagar aluguel, comida e tantas outras contas e entravam os brancos por ouvirem na mídia que este era um novo lugar a ser frequentado, experimentado e cabível de morar.

Militarização, censura e criminalização

Em 2014, um ano depois da Copa das Confederações, o Conjunto de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi invadido pelo Exército. A Maré é formada por 16 favelas e aproximadamente 132 mil habitam o local. O exército, sob comando do general Braga Neto, passou a dominar todas as 16 favelas da Maré. Tanques de guerra, helicópteros, revistas constantes, prisões e assassinatos passaram a ser comuns dentro de todo o território mareense.

Além disso, foi durante as grandes manifestações que estudantes, pesquisadores, defensores de direitos humanos e favelados passaram a questionar os altos gastos envolvidos na militarização da vida negra, pobre e de seus territórios. Esta, sem dúvida, virou uma grande pauta dos movimentos sociais que ocupavam as ruas do centro do Rio. Na Maré, os gastos com tanques de guerra foram exorbitantes. Dados do Diário Oficial da União, com a publicação de uma medida provisória (número 642), assinada pela presidente Dilma Rousseff, revelam que “a mobilização de cerca de 2.500 militares (incluindo 200 PMs) teve um custo: cerca de R$1,7 milhão por dia”. O que significa que o governo federal fez um alto investimento durante o período que o exército esteve na Maré, gasto este todo destinado para controle interno.

Além dos altos gastos, é preciso saber que a histórica prioridade de qualquer governo brasileiro quando se fala nos direitos aos povos negros, pobres e favelados mostra que eles entendem direitos como militarização e controle dos corpos e dos territórios habitados por estas populações. Para quem vive nas favelas e periferias do Brasil, o termo pacificação, polícia, Exército, tanques e caveirões significam controle, militarização e criminalização da pobreza. O que para Achille Mbembe, é mais uma forma de controle quando se trata de um país de terceiro mundo e que tem até hoje a marca da colonização:

“política neste caso, não o avanço de um movimento dialético da razão. A política só pode ser traçada como uma transgressão em espiral, como aquela diferença que desorienta a própria ideia do limite. Mais especificamente a política é a diferença colocada em jogo pela violação do tabu. (p. 16)”. (MBEMBE, Achille. Necropolítica, 2001)

Não, por acaso, durante esse período de um ano e cinco meses que o exército se instalou na Maré, os 132 mil moradores tiveram em sua história 1 soldado para cada 55 moradores. Mas, dez anos depois, em um momento de grave crise sanitária com a chegada da pandemia da covid-19, estes mesmos moradores não tiveram um médico ou um enfermeiro para cada 55 moradores mareenses.

Dois anos depois da Copa do Mundo, foi realizado no Brasil as Olimpíadas, em 2016. Obras faraônicas foram programadas em toda a cidade, e muitas destas obras depois da realização destes megaeventos esportivos, foram abandonadas. Até os dias de hoje, em 2023, as linhas de ônibus do BRT em toda a Avenida Brasil, prometidas ainda naquela época (2016), continuam sem previsão de término.

Foi nesse período, ano de 2016, época da realização dos Jogos Olímpicos, que as manifestações estavam um pouco mais enfraquecidas por conta das fortes criminalizações cometidas pelos governos e suas forças repressoras durante a Copa do Mundo, quando 23 ativistas do Rio já tinham sido presos.

Talvez, por conta da forte criminalização nas ruas, nos anos de 2015 e 2016 o debate saiu das grandes avenidas centrais das grandes cidades e ganhou as escolas municipais e estaduais e as universidades públicas de todo o Brasil. Surgiram inúmeras ocupações estudantis, já os sindicatos mobilizaram e realizaram os seus próprios atos em busca de melhores salários, direitos trabalhistas e as praças públicas em diferentes pontos das cidades, se encontram ocupadas com as mais diversas atividades culturais e comunitárias.

Para ajudar a contar essa história, o Dicionário de Favelas Marielle Franco (wikiFAVELAS) selecionou o verbete “Jornadas de Junho de 2013 no Rio de Janeiro”, escrito pelo jornalista Arthur William Santos, que pesquisou o tema em sua dissertação de mestrado defendida em 2015 na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O verbete traz uma linha do tempo dos principais protestos do período (90 só no RJ), além de listar as dezenas de grupos que atuaram durante as manifestações. A mobilização ocorrida a partir de junho de 2013 abriu espaço no Brasil para a emergência de novas formas de organização política e de produção midiática. O Rio de Janeiro reuniu milhões de pessoas em suas ruas, na luta pelo direito à cidade no contexto dos megaeventos. (Introdução: Gizele Martins)

Jornadas de Junho de 2013 no Rio de Janeiro

As Jornadas de Junho foram uma série de protestos organizados em todo o Brasil no contexto do direito à cidade. Nasceu como um movimento contrário ao aumento das tarifas dos ônibus urbanos, mas estendeu sua pauta a outros temas ligados aos megaeventos como gentrificação, opressão policial em favelas (UPP), corrupção e falta de participação social nas esferas de governo. No Rio de Janeiro, as mobilizações começaram em junho de 2013 e terminaram em julho de 2014, ocasião da final da Copa do Mundo realizada no estádio do Maracanã. Na véspera do último ato, a Polícia Civil tornou pública a Operação Firewall, que investigou os grupos atuantes nas Jornadas de Junho e ordenou a prisão de 26 ativistas. Entre 2007 e 2016, a cidade sediou um conjunto de eventos internacionais que impactaram sua dinâmica social[1][2][3]: Jogos Pan-Americanos (2007), Jogos Mundiais Militares (2011), Rio+20 (2012), Copa das Confederações (2013), Jornada Mundial da Juventude (2013), Copa do Mundo (2014), Olimpíadas (2016) e Paralimpíadas (2016). O movimento brasileiro também ocorreu em sintonia com outras ações similares pelo mundo, como Primavera Árabe (2010), Occupy Wall Street (2011), 15M/Indignados (2011)[4] e Praça Taksim (2013)[5].

Pautas

Mobilidade Urbana

Os protestos de Junho de 2013 tiveram início após o aumento de 20 centavos na tarifa dos ônibus urbanos do Rio de Janeiro. Após o recuo da Prefeitura, a pauta passou a ser a “Tarifa Zero”. Em paralelo, a Câmara dos Vereadores instalou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar os problemas no transporte público da capital carioca. Em julho de 2013, um protesto foi organizado na frente do hotel Copacabana Palace, onde ocorria o casamento da neta do maior empresário de ônibus do Rio, Jacob Barata. O ato ficou conhecido como o “Casamento da Dona Baratinha”. Já em 2014, as manifestações passaram a focar em outros meios de mobilidade urbana, como trens e barcas.

Megaeventos

Entre 2013 e 2014, o Rio vivenciou três megaeventos. Neste contexto, foram várias as manifestações contrárias aos problemas que esses eventos traziam para os moradores da cidade. Em junho de 2013, por exemplo, o segundo grande protesto aconteceu justamente durante partida da Copa das Confederações no Maracanã. Um mês depois, já ocorria a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), evento da Igreja Católica que reuniu milhões de pessoas de todo o mundo na praia de Copacabana, após cancelamento do local previsto em Guaratiba por conta de chuvas no bairro. A demolição do estádio de atletismo Célio de Barros, a privatização do Maracanã e o incipiente legado da Copa também foram pautas de atos.

Gentrificação

Como face da reorganização urbana por conta dos megaeventos, a gentrificação tornou patente a desigualdade social na cidade do Rio de Janeiro. Em dezembro de 2013, foi organizado um “Farofaço” na praia de Ipanema com o objetivo de protestar contra a discriminação na Zona Sul de banhistas de favelas e periferias. Já em janeiro de 2014, foi promovido um “Rolezinho” no Shopping Leblon, que fechou as portas na data marcada para impedir a entrada dos jovens da periferia.

Educação

Os profissionais da Educação tiveram grande protagonismo nas Jornadas de Junho de 2013. A greve da categoria mobilizou professores tanto da rede estadual, quanto do município do Rio. Os principais focos dos protestos foram a Câmara Municipal, na Cinelândia, e o Palácio Guanabara, em Laranjeiras. O período também contou com o fechamento da universidade Gama Filho e a tentativa de demolição da Escola Municipal Friedenreich, localizada nas proximidades do estádio do Maracanã.

Saúde

Apesar da demolição do hospital do IASERJ ter ocorrido em 2012, no ano posterior a mobilização ainda estava ativa. Em novembro de 2013, foi promovido o “Arrastão Cultural pela Saúde” na Praça da Cruz Vermelha cobrando a punição dos responsáveis pelo fechamento do hospital que funcionava no local.

Remoções

Uma das principais ações do poder público no contexto dos megaeventos foi a remoção de comunidades e ocupações com a justificativa do atendimento ao projeto de planejamento urbano. Aldeia Maracanã, Favela Metrô-Mangueira, Favela da Telerj e Vila Autódromo foram algumas das que sofreram com a violenta ação do Estado na tentativa de retirar seus moradores dos locais de moradia.

Violência Policial

A ocupação de favelas pela Polícia Militar através da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) foi a maior ação do Estado no quesito da Segurança Pública durante os megaeventos. Com a grande opressão policial e o reduzido investimento social, moradores de favelas organizaram manifestações e se incorporaram a outras. No período, houve a morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza na favela da Rocinha e do idoso José Joaquim de Santana em Manguinhos. Junho de 2013 também ficou marcado pela Chacina de Maré, que resultou na morte de 10 pessoas. Outros protestos ocorreram por conta de prisões arbitrárias de manifestantes, como o estudante Bruno Ferreira Teles e o catador Rafael Braga.

Corrupção

As denúncias de corrupção contra o então governador Sérgio Cabral Filho o tornaram um dos maiores focos dos protestos entre 2013 e 2014 com manifestações em frente a seu apartamento no Leblon e na sede do Governo do Estado no Palácio Guanabara, com destaque para as seguintes: Ocupe Delfim Moreira, Ocupa Cabral, Cabralhada, Fora Cabral e Ocupa Guanabara.

Liberdade de Expressão

Além da repressão policial, os manifestantes das Jornadas de Junho de 2013 foram criminalizados pela mídia tradicional, por isso houve a promoção de protestos na sede da TV Globo no Jardim Botânico. A proibição do uso de máscaras nos protestos também foi alvo de mobilizações, assim como o impedimento da realização de bailes Funk nas favelas pela UPP.

Grupos e ativistas

  • Projetação

Coletivo que promoveu a projeção de palavras de ordem e imagens de protesto em prédios públicos e locais de visibilidade. O grupo utilizava um projetor ligado a um gerador para ganhar curtidas e compartilhamentos nas redes sociais a partir da viralização de fotos com suas projeções, a exemplo da pergunta “Cadê o Amarildo?” na fachada do prédio do então governador Sérgio Cabral Filho.

  • DDH

Com presença no Rio de Janeiro, o Instituto dos Defensores de Direitos Humanos (DDH) reunia advogados remunerados e voluntários com o objetivo de prestar assistência jurídica aos manifestantes detidos. O instituto trabalhou na defesa do catador Rafael Braga Vieira, preso em 20 de junho de 2013 com uma garrafa de desinfetante, material interpretado pelos policiais como potencial explosivo. O DDH divulgou o relatório da Operação Firewall com a lista dos grupos acusados de organizarem as manifestações entre 2013 e 2014.

  • Rio na Rua

O Rio na Rua foi uma das iniciativas de midiativismo de maior destaque que procurou compartilhar o conhecimento e a operação de suas coberturas. Lançou em 23 de julho de 2013 um manual ensinando a transmitir pelo aplicativo Twitcasting. Foi o primeiro grupo a criar um site com o software livre WordPress, reunindo os conteúdos que publicava no Facebook e no YouTube, como também um dos primeiros a realizar parcerias com outros coletivos. No final de 2013, o Rio na Rua e outras sete iniciativas gravaram uma paródia do vídeo de final do ano da TV Globo, na Cinelândia, com a figuração de midiativistas.

  • Mídia NINJA

Idealizado pelo ex-editor da revista Trip, Bruno Torturra, e gestado pelo grupo Fora do Eixo, a Mídia NINJA (Narrativas Independentes, Jornalismo e Ação) apresentou-se com a principal referência de midiativismo entre junho de 2013 e julho de 2014. Sua ação começou em São Paulo durante a manifestação de 18 de junho. O objetivo primeiro de sua criação no final de 2012 era iniciar uma seção de jornalismo da Pós TV, canal de transmissão online do Fora do Eixo, que existia desde 2011. Por meio de streaming, a Pós TV exibia debates e programas culturais, além de shows do seu próprio festival, o Grito Rock. O modelo bem-sucedido na capital paulista ganhou força no Rio de Janeiro, tendo seu ápice durante a visita do Papa Francisco em 22 de julho de 2013, quando o repórter NINJA Filipe Peçanha (vulgo “Carioca”) foi detido enquanto transmitia ao vivo. Formou-se então uma mobilização em frente à delegacia do Catete para onde foi levado o midiativista. No mesmo dia, o Jornal Nacional, principal telejornal da maior emissora do país, veiculou a entrevista que o grupo fizera com o jovem Bruno Ferreira Telles, acusado injustamente de atacar a polícia. Alguns dias depois, em 5 de agosto, o programa Roda Viva da TV Cultura de São Paulo entrevistou o grupo dando a maior visibilidade a sua atuação. Atuou ainda na organização das manifestações, inclusive criando protestos próprios como o “Grito da Liberdade” (31 de outubro de 2013) e a ocupação República, esta última que ocorreria na Cinelândia durante da Copa do Mundo e que acabou acontecendo no campus Praia Vermelha da UFRJ (3 a 10 de agosto de 2014).

  • Rafucko

Entre 2013 e 2014, Rafael Puetter, conhecido como Rafuko, foi o principal símbolo do artivismo, uma mescla entre arte e ativismo. Teve destaque nas manifestações ao interpretar personagens, como o “Ditador Gay”, em diversos vídeos de ficção humorística. O “artivista” foi censurado pela Globo ao fazer uma montagem com o discurso do apresentador do Jornal Nacional, William Bonner. No carnaval de 2014, Rafael gravou paródias de famosas marchinhas, que fizeram parte do movimento “Ocupa Carnaval”, cujo objetivo era cantar músicas de protestos durante a maior festa brasileira. Outra ação de Rafucko foi a promoção de uma premiação simbólica das manifestações de 2013. Em 20 de novembro, realizou o “1° UPP – UH UH UH Prêmio de Protestos – Edição Rio de Janeiro”.

  • OcupaCarnaval

Movimento que surgiu no carnaval de 2014 com a reunião de blocos e coletivos artivistas, o OcupaCarnaval fez paródias de famosas marchinhas com letras relacionadas às pautas dos protestos de 2013. O movimento organizou um desfile próprio, a ‘Cabralhada’ na Praça XV, em 27 de fevereiro de 2014, mas sua principal ação foi a distribuição de cópias impressas com as letras das paródias em diversos blocos do Rio de Janeiro. O objetivo era amplificar a luta pelo direito à cidade no contexto dos megaeventos. Ao final do Carnaval, o Ocupa Carnaval se uniu aos blocos “Nada Deve Parecer Impossível de Mudar” e “Comuna Que Pariu” para organizar o “BlocAto”, um cortejo entre a praça Saens Peña e o estádio do Maracanã. Os organizadores pediram que os presentes fossem com camisas laranjas em homenagem aos garis que estavam em greve.

  • Rede Alternativa

A Rede Alternativa foi o primeiro coletivo midiativista criado pós junho de 2013 para cobrir os protestos. Reunião de jornais comunitários, movimento estudantil de comunicação e jornalistas de sindicatos e movimentos sociais, é a reconfiguração do grupo “Comunicadores Comunitários”, que identificou a necessidade de pensar e organizar uma cobertura das manifestações, principalmente depois da forte repressão policial à imprensa. A ideia de criar um novo nome veio à tona para preservar a organização anterior e ampliar a mobilização para novos parceiros.

  • A Nova Democracia

Entre os grupos de midiativismo, A Nova Democracia (AND) foi o mais citado por outros coletivos. Utilizava linguagem jornalística em seus vídeos, com off de repórter, passagem e sonoras: tradicionais técnicas que não foram usadas no período por outras iniciativas como Mídia NINJA, Rio na Rua e Rafucko. A sede do jornal, no bairro de São Cristóvão, abrigou reuniões de midiativistas. Nestas oportunidades, discutia-se estratégias de cobertura para denunciar a violência policial e garantir o anonimato dos ativistas.

  • NPC

O Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) é uma organização de formação de sindicalistas e comunicadores populares. Em funcionamento desde 1992, ajudou a formar ativistas que tiveram relevante papel nos protestos a partir de junho de 2013, principalmente os oriundos de favelas como Gizele Martins e Renata Souza, do jornal ‘O Cidadão’ da Maré, além de Jane Nascimento, liderança da Vila Autódromo. Entre seus colaboradores estava o cartunista Carlos Latuff. O NPC era coordenado pela jornalista sindical Claudia Santiago e pelo escritor italiano Vito Giannotti, autor de diversos livros sobre movimentos sociais. Apesar da formação dentro dos preceitos tradicionais do ativismo social, seus cursos proporcionaram encontros entre velhos e os novos coletivos, resultando num aprendizado conjunto dos dois grupos durante o contexto dos megaeventos.

  • Advogados Ativistas

Grupo de advogados que atuava durante as manifestações garantindo os direitos dos ativistas presentes. Em geral, evitavam detenções irregulares por parte da Polícia Militar, além de acompanhar os manifestantes detidos na delegacia, atuando para sua soltura. Entre 2013 e 2014, lançaram duas edições do “Manual Prático do Manifestante” com orientações jurídicas aos manifestantes. O grupo iniciou sua atuação em São Paulo.

  • Nada deve parecer impossível de mudar

Criado em 2012 com a frase do dramaturgo alemão Bertolt Brecht, o coletivo teve a ludicidade como uma de suas principais ações. Sua banda de percussão se apresentou em diversas manifestações entre 2013 e 2014.

Operação Firewall

Operação da Polícia Civil do Rio de Janeiro que investigou as manifestações entre 2013 e 2014. Seu relatório listou 73 grupos[8] e ordenou a prisão de 26 ativistas [9] na véspera da final da Copa do Mundo, quando estava programado um protesto saindo da Praça Sáenz Peña em direção ao estádio do Maracanã.


Referências

  1. SANTOS, Arthur William Cardoso. Rebaixada: hub da multidão inteligente durante os megaeventos. 2015. 108 f. Dissertação (Mestrado em Educação, Cultura e Comunicação) – Faculdade de Educação da Baixada Fluminense, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Duque de Caxias, 2015.
  2.  SOUTO, Luisa Santiago Vieira Souto. Dissertação apresentada no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Ciências Sociais. Rio de Janeiro, 2015.
  3.  TEIXEIRA, Antonio Claudio Engelke Menezes. INTERNET E DEMOCRACIA: COOPERAÇÃO, CONFLITO E O NOVO ATIVISMO POLÍTICO. Tese de doutorado apresentada como requisito parcial para obtenção de grau de doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2014.
  4.  https://revista.ibict.br/liinc/article/view/3764
  5.  https://raquelrolnik.wordpress.com/2013/06/04/praca-taksim-protestos-em-istambul-pelo-direito-a-cidade/
  6.  https://www.facebook.com/alalao.rio
  7.  https://www.facebook.com/coletivocalistopagina
  8.  https://arthurwilliam.com.br/blog/robo-foi-incluido-no-inquerito-policial-que-investigou-as-jornadas-de-junho-de-2013/
  9.  https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2014-07/Presos%20na%20Opera%C3%A7%C3%A3o%20Firewall%20s%C3%A3o%20transferidos%20para%20pres%C3%ADdio

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Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

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Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

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