Movimentos estimulam América Latina a unir-se a África e Bangladesh para intervir no Regulamento Sanitário Internacional, da OMS, sobre emergências de saúde. Norte busca saída que reforça desigualdades – e deve ser questionado

OUTRASAÚDE

Publicado 25/07/2023 às 07:00 - Atualizado 25/07/2023 às 12:39

Imagem: Transnational Institute
 

Durante os períodos mais intensos da pandemia, enquanto países ricos destruíam vacinas vencidas ou até mesmo já aplicavam o reforço a sua população, médicos de muitos países africanos nem sequer tinham recebido a primeira dose. O acesso desigual entre países desenvolvidos e em desenvolvimento a vacinas, medicamentos, testes e outros produtos de saúde durante a pandemia da covid-19 continua sendo uma das suas características mais repugnantes. E essa é justa a motivação das propostas de países do Sul, como África do Sul e Bangladesh, de inserir compromissos claros e concretos no Regulamento Sanitário Internacional (IHR em inglês), que consigam promover uma resposta equitativa numa próxima emergência de saúde pública de relevância internacional. As emendas serão discutidas na 4a reunião do Grupo de Trabalho sobre Emendas ao Regulamento Sanitário Internacional, que acontece entre os dias 24 e 28 de julho na OMS. O Grupo responsável por presidir a discussão é composto por embaixadores da Arábia Saudita, Nova Zelândia, Quênia, EUA, França e Indonésia.

Por Helô D’Angelo (@helodangeloarte) para a campanha Feminists for a People’s Vaccine (@dawnfeminist)

A campanha Feministas por uma vacina dos povos (Feminists for a People’s Vaccine em inglês), composta por 35 organizações da sociedade civil dos movimentos feminista e de acesso a medicamentos, está tentando chamar a América Latina para entrar no processo de forma mais incisiva. Com 200 signatários – por enquanto – entre sociedade civil organizada e indivíduos, uma carta conjunta quer pressionar os governos latinoamericanos a apoiar as emendas que estão sendo propostas por países africanos e Bangladesh. A América Latina foi uma das regiões mais afetadas pela pandemia, sendo responsável por 26% das mortes por covid-19 no mundo até dezembro de 2022. Hoje, também é a região onde medicamentos para a doença, como a pílula anticovid da Pfizer paxlovid, são menos acessíveis. Por ser considerada de renda média, a região é excluída de acordos voluntários de licenciamento de medicamentos. Especialistas rechaçam tais acordos argumentando que a categoria de renda não é a adequada para avaliar um país em termos de questões de saúde.

Apesar da grande relevância desse processo, ele está recebendo muito pouca atenção. Ativistas alertam que isso pode ser fruto de uma tática de distração. Especialistas da Rede do Terceiro Mundo (TWN, em inglês), organização da sociedade civil que segue o tema de perto e assina a carta, dizem que é proposital a pouca visibilidade dada a esse processo em comparação, por exemplo, ao Tratado sobre Pandemias. O Regulamento é a base do regime internacional de respostas a emergências de saúde pública. Trata-se de um instrumento com força vinculante, que conta com a participação de 195 Estados Membros da OMS. Em outras palavras, as emendas propostas entrarão em vigor assim que forem consensuadas. Ainda não se sabe se o Tratado sobre Pandemias será obrigatório para todos os Estados membros, pois isso dependerá em que artigo da Constituição da OMS ele será inscrito. Se for um tratado nos termos do artigo 19 da Constituição, será preciso o processo de ratificação do tratado, que vai exigir mais tempo. A mais recente rodada de discussões sobre o Tratado de Pandemia terminou na última quinta-feira, 21 de julho, sem nenhuma clareza entre os países sobre como avançar para desenvolver a primeira versão do texto base da negociação.

Uma diferença crucial entre os dois instrumentos é que um é voltado para pandemias e outro para emergências de saúde pública de relevância internacional. A maneira como as duas são categorizadas tem sido motivo de discussão durante as reuniões para discutir os instrumentos – olhando em retrospectiva, pandemias são menos comuns que emergências. No entanto, ativistas ressaltam que não é uma questão de um ou outro: uma linguagem que estabeleça medidas concretas, responsabilidades e deveres em relação à equidade deve estar presente nos dois, na ocasião de pandemias e de emergências de saúde pública. 

Outra estratégia nociva que está sendo utilizada é acusar os dois processos de duplicidade. Assim, países do Norte tentam restringir a linguagem baseada em compromissos com a equidade somente a um deles – no caso, o Tratado, por até então não ter caráter vinculante. Enquanto isso, tentam inserir nas emendas ao Regulamento provisões de extremo interesse para os países do Norte, mais especificamente obrigações de vigilância e compartilhamento de dados sobre surtos de infecções. A sociedade civil que assina a carta chama atenção a esse movimento, acusando-o de unilateral. Secundando as propostas da África e de Bangladesh, pedem que o compartilhamento de dados e material genético tão sensíveis e cruciais para o desenvolvimento de tecnologias de saúde seja atrelado ao compartilhamento de seus benefícios com os países do Sul. Esse é um dos principais ângulos das emendas sendo propostas, a tentativa da incorporação do princípio de responsabilidades comuns, porém diferenciadas e suas respectivas capacidades (CbDR, em sua sigla em inglês).
Ainda dá tempo: assine a carta como organização ou como indivíduo.

   

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