Nesta sétima reportagem da série “Economia do Mar”, o Diário do Nordeste aborda a pescaria artesanal como importante fonte de sustento e de autonomia financeira de mulheres cearenses

Escrito por Bruna Damasceno Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Pescadora com rede
Legenda: Silvia é marisqueira na Praia do Batoque, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza
Foto: Thiago Gadelha / SVM

Nascidas e criadas em águas doces e salgadas. É como se definem as marisqueiras Silvia Nunes, 48, e Ila Maria, 57, da Praia do Batoque, em Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza. Elas, que “herdaram” o mar e o rio de pais e avós, perpetuam relações sociais e econômicas indissociáveis do ecossistema marítimo, assim como outras 31 mulheres dessa comunidade cearense de 190 pescadores artesanais. 

Os peixes e mariscos capturados por elas vão parar no prato das barracas de praia. Contudo, quando a pesca é escassa para a comercialização, permanece na mesa das marisqueiras ou vira item de troca por farinha, manga, jambo e outros alimentos entre os moradores da região. 

Além da renda familiar, elas trabalham pela proteção da praia e dos manguezais. Também é em torno das águas que as mulheres do mar do Batoque se reúnem para festejar e fortalecer o senso comunitário.

Nesta sétima reportagem da série “Economia do Mar”, abordamos a pescaria artesanal como importante fonte de sustento e de autonomia financeira dessas cearenses, mas também como elas desenvolvem importante papel de preservação do meio ambiente. O especial integra o projeto Praia é Vida, promovido pelo Sistema Verdes Mares (SVM), com foco na valorização e na sustentabilidade desse meio indispensável para múltiplas formas de vida.

OS FRUTOS DO MAR VÃO ALÉM DO SUSTENTO 

 

Família reuniada
Legenda: O ofício da pesca e o amor pelo território foram passados de pai e mãe para filha. Na foto, os pais de Silvia, José Emílio de Aquino, de 71 anos, o “Rouxinol", e Maria Nunes dos Santos, de 74 anos, a dona Ieda
Foto: Thiago Gadelha / SVM

 

A marisqueira Silvia Nunes, de 48 anos, cresceu vendo o pai José Emílio de Aquino, de 71 anos, o “Rouxinol", e a mãe, Maria Nunes dos Santos, de 74 anos, a dona Ieda, ganhando a vida no mangue e no mar. Decidiu que também tiraria de lá o seu sustento. 

Há um tempo, todavia, veio para a Capital tentar trabalhar como cuidadora de idosos, mas logo voltou. Sentiu falta da liberdade e do mar. “Eu me criei dentro d’água. Meus pais me levavam, e eu ficava no rasinho com um balde", lembra. "Essa minha relação com o mar e com o rio é muito profunda”, frisa.

 

 

Diferentemente da época dos pais, lembra, não é mais possível obter renda apenas da pesca. Silvia também trabalha como diarista, planta alguns alimentos e cria galinhas para complementar o ganha-pão. "Vivo do mar e do mangue, mas também da terra", pondera.

Atualmente, a pescaria faz parte da rotina da marisqueira apenas cerca de duas vezes por semana. Não é um trabalho fácil. São pelo menos oito quilômetros de caminhada sob um sol escaldante até encontrar as águas. Mas o ofício tem recompensas que vão além do sustento, como o valor afetivo e a vontade de manter a tradição e o território vivos.

“Como cresci no meio disso tudo, também vejo pelo lado da preservação. Quando eu era criança, era tudo tão limpo. Hoje, o homem vai jogando resíduos e degradando”, lamenta. 

 
“Tentamos conscientizar as pessoas para reciclar o seu lixo, levar uma sacolinha para a praia, mas sempre tem aqueles que deixam… Se continuarem poluindo, muitas tartarugas, como já vimos histórias, morrem engasgadas com plástico... Isso acontece porque alguma coisa foi deixada pelo homem, que está destruindo. A natureza é honesta, estamos vendo ela se revoltando”, exemplifica, destacando sobre a crise climática. 

 

UMA COMUNIDADE DE ECONOMIA SOLIDÁRIA AO REDOR DO MAR 

 

Retrato da Ila
Legenda: A marisqueira Ila Maria Freitas Pereira, de 57 anos, compartilha como o senso comunitária se fortalece em torno do mar

 

A marisqueira Ila Maria Freitas Pereira, de 57 anos, também “nasceu e se criou” na Praia do Batoque. Quando menina, percorria entre as águas com destreza, enquanto via os pais e irmãos pescando. Hoje, ela também não consegue viver apenas dos frutos-do-mar. Planta alimentos e faz uns extras como costureira. 

Para Ila, o relacionamento com a pesca e com a natureza tem raízes mais profundas, capaz de garantir o seu bem-estar e de toda a comunidade. A marisqueira observa que a pescaria é uma atividade de todos e, embora a nova geração tenha seguido outros caminhos, todos vão para o mar para celebrar a fartura e a vida. 

“Quando dá fé, sai um monte de gente, vai todo mundo para a barra. Lá, colocamos uma panela no fogo, rimos, um pesca o camarão, outro pesca o peixe”, relata. 

 

 

“São dois dias de festa no Batoque quando tem a abertura da barra”, diz sobre o período que a faixa de areia se separa da lagoa costeira do mar. Na comunidade, além de fonte de sustento, as águas também viram recursos para uma economia solidária. 

 
“Todo mundo é amigo de todo mundo. Por exemplo, se você não é pescador, você vai, quem chega do mar te dá um peixe, outro ajuda a botar e a tirar o barco", diz. "Se por acaso alguém estiver passando por uma caso de doença ou alguma coisa, todo mundo ajuda com cesta básica, peixe", enumera.  

Ila acrescenta, no entanto, que “o progresso” trouxe prejuízos à comunidade. Pessoas de fora vão para utilizar o território sem consciência e cuidado com a preservação, pescando, inclusive, siri e peixes filhotes, prejudicando a natureza. Ela pondera ser necessária uma maior fiscalização sobre o período de defeso. 

PROTAGONISMO FEMININO, PRESERVAÇÃO E TRADIÇÃO

 

Retrato da líder
Legenda: Aldenia Lourenço Miranda, presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras da Reserva Extrativista do Batoque
Foto: Thiago Gadelha / SVM

 

Segundo a presidente da Associação dos Pescadores e Marisqueiras da Reserva Extrativista do Batoque, Aldenia Lourenço Miranda, de 48 anos, a localidade possui 190 pessoas cadastradas, sendo 33 mulheres. No entanto, há muito mais trabalhadores do mar nessa comunidade. 

Ela explica que elas também são pescadoras, apesar da nomenclatura popular insinuar capturarem apenas mariscos. “Fazemos uma mobilização com essas mulheres porque o trabalho delas é muito invisível”, frisa. 

Como a maioria da população feminina no Brasil, as marisqueiras possuem jornadas duplas e triplas, conciliando os cuidados da casa e dos filhos com o ofício. Em alguns casos, o papel delas é fornecer suporte ao companheiro, com a limpeza dos peixes, por exemplo. 

 

 

Em 2019, a Lei de nº 13.902/19 reconheceu o trabalho das mulheres do mar, incluindo a atividade na Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca (Lei 11.959/09). 

Pela regra, são consideradas marisqueiras aquelas que realizam artesanalmente essa atividade em manguezais de maneira contínua, de forma autônoma ou em regime de economia familiar, para sustento próprio ou comercialização de parte da produção.

Faz parte das diretrizes da política a criação de cooperativas ou associações de marisqueiras com vistas a estimular, por intermédio da participação coletiva, o desenvolvimento da atividade.

Aldenia conta que, assim como a Silvia e a Ila, as demais marisqueiras são preocupadas com a proteção do território. A associação faz ações regulares na praia, conversando com banhistas sobre os cuidados com o meio ambiente e fazendo a limpeza das águas e areias. 

Conforme ela, a comunidade também é muito ativa na preservação da tradição e na busca por melhorias, dialogando constantemente com o governo sobre as demandas por políticas públicas, sociais e econômicas. 

Recentemente, foram beneficiadas com fogões sustentáveis do Governo do Estado. O modelo tem mais eficiência energética e reduz o impacto ao meio ambiente e na saúde das famílias. 

CEARÁ TEM 6,5 MIL PESCADORAS

 

Silvia mostrando os peixes e siri
Legenda: Silvia mostra os frutos da última pescaria
Foto: Thiago Gadelha SVM

 

Segundo a secretária executiva de Pesca e Aquicultura do Ceará (SPA), Rosana Figueiredo, o Ceará tem aproximadamente 6,5 mil pescadoras, conforme dados de 2022 do Sistema Informatizado do Registro Geral da Atividade Pesqueira (SisRGP). Há colônias pesqueiras nos 21 municípios costeiros cearenses e cerca de 110 pontos de desembarque, distribuídos ao longo dos 573 km de litoral. Na Praia do Batoque, há aproximadamente 262 famílias no segmento.

“A comunidade é formada essencialmente por grupos de famílias que dependem exclusivamente do meio ambiente para reproduzir suas atividades produtivas: pescadores artesanais e agricultores familiares”, explica a secretária. 

“Na reserva extrativista do Batoque, é possível ver a jangada, o paquete e o bote a remo (cerca de 30 embarcações). São os três tipos de embarcações mais utilizadas na reserva para pescarias marítimas”, completa, dizendo que a pesca no manguezal e na lagoa são realizadas basicamente como forma de subsistência, assim como a agricultura e criação de animais realizada pelos pescadores. 

A linha de mão e a rede de espera são as artes de pesca mais comuns. "As principais espécies de peixes capturadas pela frota pesqueira na reserva extrativista da Praia do Batoque são: o ariacó, as arraias, o sirigado, a biquara, a cavala, o camurim, a cioba, a guaiuba, a garajuba, a serra, a sardinha, dentre outras. No rio, as principais espécies são o carapicu, camarão, sauninha, siri etc”, lista. 

Conforme a secretária, a pasta está visitando todas as entidades relacionadas à pesca artesanal e mulheres que atuam na área para ouvir as sugestões de novos projetos que serão elaborados para 2024. Atualmente, há o programa Fortepesca, voltado para distribuição de equipamentos para as entidades e para os pescadores, incluindo material para o trabalho, chapéus e protetores solares.

fonte: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/negocios/alem-do-sustento-o-papel-das-marisqueiras-para-preservar-a-tradicao-e-o-meio-ambiente-no-ceara-1.3441002

 


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