Arissana Pataxó, Francy Baniwa e Sandra Benites irão liderar o programa Caminho da Cutia: territórios e saberes das mulheres indígenas no Instituto de Estudos Avançados da USP

 

Jornal da USP Publicado: 01/02/2024

Texto: Tabita Said, com colaboração de Mauro Bellesa e Erika Yamamoto

Arte: Joyce Tenório*

As três novas líderes da Cátedra Olavo Setubal: Sandra Benites, Arissana Pataxó e Francy Baniwa - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Pela primeira vez, a USP terá uma “trinca” de mulheres indígenas liderando a Cátedra Olavo Setubal de Arte, Cultura e Ciências, do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP. Vindas de realidades culturais e de territórios diferentes, Arissana Pataxó, Francy Baniwa e Sandra Benites foram escolhidas pelo comitê de governança da cátedra por serem mulheres que se destacam nas artes, educação, ecoagricultura, pesquisa antropológica e defesa da cultura e direitos dos povos indígenas. O trio já começou a se reunir para planejar as atividades, mas a cerimônia de posse deve ocorrer no dia 1º de março.

As três mulheres irão liderar o programa Caminho da cutia: territórios e saberes das mulheres indígenas, substituindo a escritora e professora Conceição Evaristo, titular em 2022 e 2023. A nomeação também é motivo de celebração, já que a cátedra irá completar dez anos de existência no mesmo mês em que se comemora o Abril Indígena. 

“Acredito na ideia do diálogo. Trago em minha atuação esse fazer, onde outras culturas e outras percepções se encontram”, conta Sandra Benites, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no Museu Nacional. Além de curadora de arte e antropóloga, a indígena guarani nhandeva ressalta a dimensão educacional da cátedra. “Vamos contribuir para fazer uma mediação entre indígenas, universidade e a sociedade. Quem desconhece os modos de vida indígenas, vai continuar ignorante. Às vezes, por falta de entendimento e, muitas vezes, levando ao desrespeito”, explica.

Também envolvida com o mundo das artes e da educação, Arissana Pataxó realiza sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal da Bahia (UFBA) em História da Arte, “que há décadas está baseada na cultura europeia”, diz. Ela lembra que há, no entanto, um movimento contemporâneo de olhar para a diversidade das culturas negra e indígena, que depende do desejo de construir uma nova história. “Pensar que as artes dos povos indígenas não estão atreladas a um espaço quadrado branco, mas se relacionam com a vida, com a memória, a saúde, as ciências. Um contexto artístico que ainda não é reconhecido pela academia”. Para Arissana, a arte e a educação têm o dever de fazer uma reparação histórica, porque elas mesmas construíram uma visão preconceituosa, racista e difamatória dos povos originais. “Esse currículo pode mudar, mas não com um viés do passado, do ‘Descobrimento’ ou da Guerra do Paraguai. E sim como parte da sociedade atual”, afirma.  

Ao Jornal da USP, a cineasta e também pesquisadora do Museu Nacional, Francy Baniwa, lembra da versatilidade da mulher indígena, “que exerce vários papéis sociais e em sua comunidade, mas que sai da teoria e parte para o campo real, que é o ponto-chave de sua existência”. Ela destaca que a vivência na roça e na academia permitiu fazer projetos diretamente com mulheres indígenas, que serão o foco do programa liderado por ela e as colegas de cátedra. “Vejo um potencial muito grande de termos três concepções diferentes e essa riqueza vinda de três territórios diferentes do Brasil, unidos na USP. A gente vai trazer mulheres para ocuparem esse lugar, descolonizar o pensamento e tirar da invisibilidade etnias indígenas do Brasil”, acrescenta.

Sandra Benites - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Arissana Pataxó - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Francy Baniwa - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Interações culturais

As três titulares se reuniram com o reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior na tarde desta quarta-feira, 31 de janeiro, para discutir as atividades propostas para a cátedra neste ano. “Muitas vezes, o que fazemos aqui na USP pode ser considerado um modelo para outras instituições brasileiras. Nós não conhecemos a realidade indígena, a cultura indígena, mas com a ajuda de vocês, espero que possamos construir um projeto que possa ser implementado, com iniciativas voltadas para a população indígena brasileira”, afirmou o reitor.

Para o diretor do IEA, Guilherme Ary Plonski, e o coordenador acadêmico da cátedra, Martin Grossmann, a titularidade das três precisará investir em diálogos, interações e ações que “contribuam para um frutífero diálogo e intercâmbio entre a Universidade e os saberes e cosmovisões de povos originários do Brasil, sempre em consonância com as políticas universitárias e dinâmicas socioculturais locais”.

“Certamente trará à USP novos desafios e a possibilidade de qualificar ainda mais, interna e externamente, sua interação com a diversidade multicultural do Brasil”, destacaram.

Confira a seguir o perfil das titulares.

Arissana Pataxó

Pertencente à etnia pataxó, Arissana nasceu em Porto Seguro (BA) e é artista visual, professora e pesquisadora. É doutoranda em artes visuais na Universidade Federal da Bahia (UFBA), onde obteve o título de mestre em estudos étnicos e africanos e graduou-se em artes visuais.

Sua produção artística está relacionada à sua convivência familiar, com seu povo e com outros povos indígenas. Ela utiliza várias técnicas e suportes para tratar da realidade indígena e de sua interação com outras realidades contemporâneas.

Arissana costuma dizer que suas primeiras referências artísticas surgiram a partir de memórias da infância “às margens do rio”. Aos 16 anos, mudou-se para a aldeia urbana de Coroa Vermelha.

Ela realizou sua primeira exposição individual (Sob Olhar Pataxó) em 2007, no Museu de Arqueologia e Etnologia da UFBA. Desde então, participou de diversas exposições no Brasil, Portugal, Noruega, Reino Unido e Estados Unidos.

Arissana atua na educação escolar indígena desde 2002, colaborando também com a formação de professores e a produção de materiais didáticos. Ao longo de seus estudos, desenvolveu atividades de extensão de arte-educação com seu povo e outros povos indígenas da Bahia.

Francy Baniwa (Francineia Bitencourt Fontes)

Integrante da comunidade Wanaliana, na Terra Indígena Alto Rio Negro, em São Gabriel da Cachoeira (AM), Francy é antropóloga, escritora, fotógrafa e cineasta. Atua há mais de uma década no movimento indígena do rio Negro.

É doutoranda em antropologia social na UFRJ, onde obteve o título de mestre na mesma área. Graduou-se e licenciou-se em sociologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Em suas pesquisas, busca relacionar os saberes ancestrais de seu povo com as teorias acadêmicas. Dedica-se às áreas de etnologia indígena, mitologia, conhecimentos tradicionais, fotografia e audiovisual.

Francy dirigiu o documentário Kupixá Asui Peé Itá — A Roça e seus Caminhos, de 2020, e escreveu, em parceria com seu pai, Francisco Baniwa, o livro Umbigo do Mundo (2023), ilustrado por seu irmão, Frank Baniwa.

Ela coordenou o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro e o projeto Vida e Arte das Mulheres Baniwa: Um Olhar de Dentro para Fora, no âmbito de acordo de cooperação técnica entre a Funai e a Unesco. O projeto foi retomado em 2023 com vista a qualificar as peças do primeiro acervo indígena da Funai, produzir uma exposição virtual e publicar um catálogo fotográfico e documentários sobre roça, cerâmica e tucum (artesanato com fibra de palmeira de mesmo nome nativa da Amazônia).

No momento, Francy coordena também o projeto ecológico pioneiro Amaronai Itá – Kunhaitá Kitiwara, para a produção de absorventes de pano, com a finalidade de possibilitar dignidade menstrual e empoderamento das mulheres do território indígena alto-rio-negrino.

Sandra Benites

Nascida na Terra Indígena Porto Lindo, em Japorã (MS), Sandra é antropóloga, curadora de arte, educadora e ativista do povo guarani nhandeva. Atualmente é diretora de Artes Visuais da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

Sandra obteve seu diploma no curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica da Universidade Federal de Santa Catarina. É mestra em Antropologia Social pelo programa de pós-graduação do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com trabalho em que confere protagonismo às histórias coletivas das mulheres indígenas, jogando luz sobre as narrativas e o modo de “caminhar no mundo” (guata) das mulheres Guarani Nhandewa. Desde 2019 vem desenvolvendo pesquisa de doutorado na UFRJ.

Foi professora de arte de ensino fundamental na comunidade guarani de Aracruz (ES), coordenadora pedagógica na Secretaria de Educação em Maricá (RJ) – assessorando escolas indígenas -, curadora adjunta de Arte Brasileira no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) – onde participou da exposição Histórias Brasileiras – e curadora do Museu de Culturas Indígenas de São Paulo.

Realizou a curadoria das exposições Dja Guata Porã: Rio de Janeiro Indígena, no Museu de Arte do Rio (MAR), e Sawé, organizada no Sesc Ipiranga, em São Paulo (SP). Também foi curadora, em parceria com a artista Salissa Rosa, da exposição Nhe’ẽ Se, na Caixa Cultural de Brasília (DF).

Suas propostas curatoriais enfatizam cosmovisões indígenas e estão centradas no protagonismo das mulheres indígenas. Nas áreas de educação e pesquisa, dedica-se às problemáticas do ensino bilíngue indígena e à dificuldade desse ensino em abarcar as particularidades e identidade das comunidades guaranis. Benites também se destaca na defesa dos direitos dos indígenas, especialmente no que se refere à educação dos guaranis e à demarcação de seus territórios.

Ela lecionou em várias instituições americanas, entre as quais as Universidades de Indiana, Tufts e Harvard, e teve trabalhos publicados nos sites do Hammer Museum da Universidade da Califórnia em Los Angeles, do Museu de Arte Moderna (MoMa) de Nova York e do Peabody Museum da Universidade Harvard.

No final de 2022 e início de 2023, ela e a artista Anita Ekman foram as curadoras da exposição Ka’a Body: Cosmovision of the Rainforest, organizada por parceria entre as galerias Paradise Row, de Londres, e Radicants, de Paris. Neste trabalho, elas examinaram como as mulheres na arte contemporânea indígena e brasileira estão transformando a imaginação global sobre as florestas e seus habitantes, humanos e não humanos.

 

 

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