Fiscal do trabalho que resgatou doméstica em casa de juiz é alvo de ação da PF. Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho repudia ação contra auditor
Sônia Maria, que é surda, foi resgatada no ano passado e posteriormente voltou à casa do magistrado com aval do Poder Judiciário
O auditor fiscal do trabalho Humberto Camasmie foi alvo de uma ação da Polícia Federal na terça-feira (6/2). Ele teve o celular apreendido, em casa, na cidade de Uberaba (MG), em cumprimento a um mandado de busca e apreensão.
Humberto foi o coordenador da operação de fiscalização que resultou no resgate de uma empregada doméstica negra e surda da casa de um desembargador Jorge Luiz Borba, de Santa Catarina, em junho do ano passado. A mulher, Sônia Maria de Jesus, foi resgatada em situação análoga à escravidão, de acordo com dados do trabalho de fiscalização.
Ele se tornou alvo de uma investigação ao conceder entrevista a um programa de televisão. A apuração foi aberta por determinação do ministro Mauro Campbell, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Na ação, Humberto é acusado de violação de sigilo funcional.
Sônia Maria foi levada de volta para casa pelo desembargador com autorização do STJ e do Supremo Tribunal Federal (STF). A Procuradoria-Geral da República (PGR) pede que ela fique longe dos ex-patrões. Em nota, o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait) afirmou que a operação é "veementemente" um "ataque à atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho".
"Essa é mais uma demonstração de desrespeito ao trabalho do colega que se colocou sempre a serviço da sociedade e que, desde o início, colaborou e se prontificou para prestar esclarecimento dos fatos, que envolviam a fiscalização, coordenada por ele. O Sinait já acionou a sua assessoria jurídica e já estão sendo adotadas as medidas cabíveis para a defesa de Camasmie", destacou o sindicato.
Ainda de acordo com a entidade sindical, o auditor fiscal foi afastado da coordenação da operação que resgatou a doméstica. A ordem de busca e apreensão foi expedida pelo juiz Danilo Sanchotene, juiz da 1ª Vara Federal de Florianópolis.
Nota de Repúdio ao ataque contra a Auditoria-Fiscal do Trabalho
O SINAIT vem a público repudiar veementemente o ataque à atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho, que resgatou uma trabalhadora deficiente explorada e submetida a condições de trabalho análogo ao de escravo. Nesta terça-feira, 6 de fevereiro, o Auditor-Fiscal do Trabalho Humberto Monteiro Camasmie teve sua residência alvo de operação de busca e apreensão.
Essa é mais uma demonstração de desrespeito ao trabalho do colega que se colocou sempre a serviço da sociedade e que, desde o início, colaborou e se prontificou para prestar esclarecimento dos fatos, que envolviam a fiscalização, coordenada por ele.
O SINAIT já acionou a sua assessoria jurídica e já estão sendo adotadas as medidas cabíveis para a defesa de Camasmie.
Nunca é demais relembrar os casos de abusos e ameaças contra Auditores-Fiscais do Trabalho, nos últimos anos, em razão do exercício de suas competências. Os episódios dão conta de mortes, agressões físicas e verbais, ameaças, intimidação e humilhação. É inadmissível que em casos como este a justiça valide o opressor, em detrimento dos direitos humanos e trabalhistas da vítima, bem como do agente público que fez o resgate.
Portanto, vamos atuar em todas as instâncias necessárias para restabelecer os direitos do nosso colega Auditor-Fiscal.
Entenda o caso
O Auditor-Fiscal foi afastado da coordenação da operação que resgatou a doméstica Sônia Maria de Jesus de condições análogas à escravidão, em ação fiscal realizada no dia 6 de junho de 2023, em Santa Catarina.
Desde a operação, Camasmie é alvo de procedimentos investigativos pela Polícia Federal de Santa Catarina, também por determinação do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Campbell Marques, por violação de sigilo funcional, cuja pena é de seis meses a dois anos de detenção. O motivo foi a entrevista concedida por Camasmie ao programa Fantástico, da Rede Globo. Os fatos por ele noticiados durante sua entrevista encontravam-se sob segredo de Justiça, segundo o ministro.
Além da medida criminal, Campbell Marques determinou que o Auditor-Fiscal seja investigado pela Corregedoria do Ministério do Trabalho e Emprego pelo suposto vazamento de informações da investigação.
No dia 6 de setembro, o desembargador do Tribunal de Justiça de Santa Catarina Jorge Luiz de Borba, acusado de manter Sônia Maria de Jesus em condições análogas à escravidão por quase 40 anos, levou a trabalhadora, que se encontrava em um abrigo, de volta para a sua casa. A ação foi assegurada por uma decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Para isso, o ministro do STF, André Mendonça, rejeitou um recurso da Defensoria Pública que buscava impedir o reencontro, a fim de proteger a vítima.
De acordo com Campbell Marques, os depoimentos colhidos não apontam existência de crime no caso. “Pelos últimos 40 anos, a suposta vítima do delito viveu como se fosse membro da família”, afirmou o ministro do STJ.
O segredo de justiça determinado por Campbell Marques não permitiu e ainda não permite revelar elementos de convicção e provas produzidas que demonstrariam a dimensão da violência sofrida pela resgatada nestes 40 anos de escravidão em que conviveu com a família do desembargador. Mulher preta, Sônia tem 50 anos, é surda, não fala, e também não aprendeu a língua de sinais.