Em 1971, uma Copa do Mundo de futebol feminino não oficial atraiu mais de 100 mil pessoas, mas foi rapidamente apagada da história. Agora, um novo filme conta a história do torneio e a decepção que se seguiu.

Jogadoras e treinadores ingleses participaram sem a permissão das autoridades de futebol -  (crédito: NEW BLACK FILMS/VICTOR CRAWSHAW/MARINA AMARAL)

Jogadoras e treinadores ingleses participaram sem a permissão das autoridades de futebol - (crédito: NEW BLACK FILMS/VICTOR CRAWSHAW/MARINA AMARAL)
 
BBC
Ian Youngs - Repórter de entretenimento e arte
postado em 07/03/2024 05:51
 
 

Em 1971, uma Copa do Mundo de futebol feminino não oficial atraiu mais de 100 mil pessoas, mas foi rapidamente apagada da história. Agora, um novo filme conta a história do torneio e a decepção que se seguiu.

Para as jogadoras inglesas, desembarcar no México foi como serem “lançadas em um universo paralelo”, lembra a capitã Carol Wilson.

Ela e outras jogadoras de futebol estavam acostumadas a serem limitadas, ignoradas e ridicularizadas em seu país. Jogavam em campos de futebol de parques para grupos pequenos de espectadores. A proibição do futebol feminino tinha acabado de ser levantada pela Associação de Futebol, após 50 anos.

E as jogadoras não estavam preparadas para a recepção que tiveram no país-sede do torneio.

Tratadas como celebridades

Centenas de fãs mexicanas esperavam, bem como fotógrafos. “Fomos do nada a luzes de flashes que cegavam ao descer do avião”, lembra Carol. "E durante as cinco semanas que estivemos lá, isso não parou."

Elas foram tratadas como celebridades, com multidões esperando por autógrafos, acampando do lado de fora do hotel e assediando o técnico do time.

“O público nos levou a sério”, continua Carol. "Eles simplesmente nos seguiam por toda parte. Fomos muito bem recebidas por todos. Eu não consigo colocar isso em palavras para fazer você entender como realmente foi."

A história das "Leoas Perdidas" ["Leoas" é o apelido da seleção feminina inglesa] foi contada em uma matéria da BBC em 2019 . Agora, o documentário Copa 71 lança luz sobre o torneio, com uma abertura narrada pela lenda do tênis Serena Williams, produtora executiva ao lado da irmã Venus.

Elas são “duas das maiores atletas femininas de todos os tempos e ambas estão fortemente envolvidas no ativismo e no desejo de promover histórias que aumentem a nossa compreensão da história do esporte feminino,” diz a co-diretora do filme, Rachel Ramsay.

Rachel concorda com a ideia de que o filme mostra um “universo paralelo” em que o futebol feminino não tinha sido reprimido.

“Quando começamos a pesquisar a história e a falar com as mulheres, você percebe que elas têm muito a dizer e que tiveram suas vozes caladas por 50 anos”.

Todas as mulheres de diferentes países contam histórias semelhantes, de terem ouvido que o futebol não era para meninas. Por isso, foi muito especial quando o torneio do México deu a elas um gostinho de igualdade e popularidade.

Embora não existam números oficiais de público, as estimativas sugerem que a final foi assistida por mais de 100 mil pessoas - o que faria desse o evento esportivo feminino com maior participação na história.

Ironicamente, o sucesso do torneio deveu-se ao fato de a Fifa, entidade que controla o futebol mundial, ter tentado bloqueá-lo.

O documentário conta que a proibição da Fifa forçou os organizadores a encontrar estádios que não fossem controlados pela federação mexicana de futebol. Assim, os jogos acabaram sendo disputados nos dois maiores espaços do país, controlados pelo grupo de comunicação dominante, que promoveu fortemente o evento para vender ingressos.

As partidas foram transmitidas ao vivo pela TV mexicana. Rachel e sua equipe conseguiram as imagens, que não eram vistas há mais de 50 anos, além de filmes caseiros feitos por fãs.

O resultado não é um típico documentário esportivo, diz ela. Espectadores não torcem por um time ou jogador específico. É sobre mulheres.

“Existem filmes, séries e livros inteiros escritos e feitos sobre torneios, partidas, gols e jogadores masculinos – e eles são feitos várias vezes”, diz Rachel.

“Esperamos que este filme seja o início de todo um gênero de filmes de esportes femininos. Porque quando começamos a fazer isso, foi muito difícil encontrar comparações, encontrar outros filmes que fossem semelhantes, especialmente filmes contados a partir da perspectiva de mulheres em seus 70 anos.

“Em alguns momentos foi difícil convencer as pessoas de que essas mulheres deveriam estar na tela e contar suas histórias”. Isso foi um um fator importante para Rachel, no entanto.

"A quantidade de vezes que me disseram: 'Você não pode fazer um filme de esportes sem ter um vencedor que você quer que ganhe. Eu disse: 'Bem, na verdade, acho que podemos, porque acho que o vencedor é o torneio em si, o fato de ter acontecido, e a experiência compartilhada entre aquelas mulheres é uma grande parte do filme”.

“Então, ser capaz de brincar com o gênero e contar histórias de uma maneira diferente, e não sentir que temos que escolher uma versão padronizada de como as pessoas acham que os filmes de esportes são, foi muito importante.”

No entanto, quando o torneio terminou, as participantes foram lançadas de volta à realidade.

O técnico da seleção inglesa, Harry Batt, foi colocado na lista negra da incipiente Associação de Futebol Feminino, que formava a primeira seleção oficial da Inglaterra. Algumas jogadoras também foram banidas.

O torneio México 1971 mostrou que o futebol feminino poderia ser popular e comercialmente viável, mas as autoridades do futebol masculino viram isso como uma ameaça, diz o documentário. A memória do evento e o potencial do futebol feminino ficaram enterrados durante décadas.

“As próprias mulheres envolvidas não falaram muito sobre, especialmente a seleção inglesa”, diz Rachel.

“Quando regressaram do torneio, acreditavam, com toda a razão, que o mundo tinha mudado e que o futebol feminino tinha vindo para ficar. Viram um novo amanhecer para o esporte feminino."

“E então isso foi tirado delas violentamente. Elas viveram com aquele trauma, decepção e aquela sensação de serem vítimas de um gaslight da sociedade."

“E a nível institucional, um torneio de futebol feminino de grande sucesso e recorde não funcionava com a narrativa das associações internacionais e nacionais de futebol em todo o mundo."

“Acho que houve um entendimento de que diluiria o poder do futebol masculino ter mulheres jogando o mesmo esporte. Apenas agora estamos nos recuperando disso."

"O crescimento do futebol feminino tem sido extraordinário nos últimos anos. Mas ainda estamos tentando recuperar o atraso."

Memórias afetivas

O documentário recebeu resenhas elogiosas após sua estreia no Festival de Cinema de Toronto do ano passado, sendo chamado por Fionnuala Hannigan, da Screen International, de "um prazer para o público, como aquelas partidas que batem recordes".

Daniel Fienberg, do Hollywood Reporter, disse que o filme "expõe um capítulo obscuro da história e coloca as heroínas sob um merecido holofote".

“Fiquei chorando em vários momentos porque a sensação de que essas são histórias que esperam para serem contadas há décadas é muito palpável”, escreveu.

Para Carol, assistir ao filme foi “muito emocionante”.

"Isso me levou de volta a 1971. Eu senti como se estivesse lá. Foi como se eu tivesse sido transportada."

Copas do Mundo e Eurocopas recentes começaram a concretizar o potencial do futebol feminino, mas "poderíamos ter ido muito mais longe, muito mais cedo", diz ela.

Outra jogadora inglesa, Chris Lockwood, concorda que foi “muito bom” ver o filme, embora as memórias que ele traz de volta contenham marcas de tristeza. “A tristeza de Harry ter sido banido para sempre e a tristeza de a história ter sido escondida."

"Mas não mais."

O Brasil não participou da Copa. O torneio teve apenas seis equipes: Dinamarca, Argentina, Itália, México, Inglaterra e França. A Dinamarca foi campeã, com uma vitória de 3 a 0 sobre as anfitriãs mexicanas no dia 5 de setembro de 1971.

 

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