Protagonizado pela atriz Cyda Moreno, monólogo segue com sessões na Caixa Cultural até 17 de março

Ana Beatriz Caldas, Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Diário do Nordeste - Fortaleza - CE

 

Peça é protagonizada pela atriz Cyda Moreno

cyda moreno teatro
Foto: Ismael Soares

Pela primeira vez em temporada no Nordeste, o espetáculo “Eu amarelo: Carolina Maria de Jesus”, segue emocionando o público cearense neste fim de semana. Em cartaz na Caixa Cultural Fortaleza desde o último dia 07, a peça é estrelada pela atriz Cyda Moreno e terá apresentações neste sábado (09) e domingo (10) e no próximo fim de semana, de sexta-feira (15) a domingo (17).

Com direção de Isaac Bernat e dramaturgia de Elissandro de Aquino, o monólogo costura, em pouco mais de uma hora, diferentes fases da vida e da obra da escritora mineira Carolina Maria de Jesus, considerada uma das mais importantes vozes negras da cultura brasileira.

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Nascida em Sacramento (MG) apenas 26 anos após a abolição da escravatura, Carolina viveu boa parte da vida na Favela do Canindé, em São Paulo, em um dos 180 barracos que foram instalados em meio à lama e ao lixo. Desde cedo, encantou-se pela literatura e começou a escrever sobre seu cotidiano como mulher negra, mãe, catadora de papéis e favelada. 

Seu primeiro livro, "Quarto de despejo: diário de uma favelada" (1960), um retrato sensível e doloroso sobre a vida em Canindé, a tornou mundialmente conhecida e, especialmente nas últimas duas décadas, vem inspirando diversos livros, montagens teatrais e pesquisas acadêmicas.

É ele o ponto de partida para “Eu amarelo”, que também remonta a fragmentos de obras como Casa de alvenaria: diário de uma ex-favelada (1961) e Diário de Bitita (1982). 

Carolina autografa exemplares de
Legenda: Carolina autografa exemplares de "Quarto de Despejo" em agosto de 1960
Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã
 
 

Indicado ao Prêmio Shell de Dramaturgia em 2023 pela adaptação, o produtor e dramaturgo Elissandro de Aquino conta que, apesar de ser especialista em literatura brasileira, africana e portuguesa, nunca estudou ou leu Carolina durante sua formação acadêmica. Por isso, ficou impressionado quando, há cerca de uma década, uma amiga indicou a escritora em uma lista de artistas negras brasileiras.

“A partir daí, comecei a ir atrás da obra dela. Quando li ‘Quarto de Despejo’, foi um desbunde”, lembra. A obra de base da mineira o inspirou a pensar em um texto que  mostrasse as diversas faces de Carolina – da luta contra a fome e o racismo à Carolina ‘namoradeira, caliente’ e bem-humorada que cantava ópera, ouvia música clássica e escrevia incansavelmente no minúsculo barraco onde morava com os filhos. 

No monólogo, cenas da obra de Carolina ganham voz e corpo
Legenda: No monólogo, cenas da obra de Carolina ganham voz e corpo
Foto: Ismael Soares
 
 

“Há uma crítica que falam sobre Carolina, que toda a obra dela é muito baseada na questão da fome. Eu não concordo. Eu acho que ela vai falar da forma como uma experiência dela, mas isso também pode abrir pra gente outras camadas, de outras fomes, inclusive”, pontua. 

Aquino explica que o nome da peça surgiu de uma passagem de Despejo em que Carolina, já sem comer há muito tempo, começa a ver tudo amarelado. Ao colocar comida na boca, aos poucos, as cores ao seu redor vão voltando. “Acho que que o amarelo se configura nesse lugar de falta, de ausência”, explica.

"TODAS AS NOSSAS MATRIARCAS VÊM DESSE LUGAR"

Monólogo mostra a percepção de Carolina sobre o Brasil
Legenda: Monólogo mostra a percepção de Carolina sobre o Brasil
Foto: Ismael Soares

Há cerca de seis anos, já com o projeto de “Eu amarelo” pronto, Elissandro começou a procurar uma atriz que tivesse agenda compatível para dar vida à Carolina. Algumas tentativas foram feitas, mas sempre havia algum empecilho. Preocupado, por fim, pediu auxílio a um amigo.

“Disse, por favor, me indica várias atrizes, não tá dando certo”, lembra, rindo. “Aí ele disse: vou te indicar apenas uma". Pouco tempo depois, ao ouvir a voz de Cyda Moreno entrando na sala de ensaios pela primeira vez, o dramaturgo soube que a indicação única era mesmo suficiente.

Recentemente no ar na novela global Amor Perfeito (2023), a professora e atriz com mais de 40 anos de experiência mergulhou na obra de Carolina Maria de Jesus para dar vida à escritora no palco, mas não só. A preparação envolveu também um olhar sobre desejos e memórias de sua própria história. 

Assim como Carolina, que desde cedo sonhava em ser escritora – sonho que a manteve sã e viva –, Moreno se apoiou no sonho de poder se expressar para enfrentar suas próprias dores ainda na infância. Em entrevista ao Verso, ela lembra com emoção algumas das experiências que a conectam tão fortemente à obra de Carolina, que considera uma mulher que deu voz à vivência de outras tantas.

Bailarina, cantora, pianista, atriz. Todas as profissões que passavam pela cabeça da pequena menina envolviam arte e a possibilidade de projetar o que estava guardado ali dentro. “Desde pequena, eu queria ser artista. Queria que me vissem, queria que me ouvissem, sabe? Talvez para apagar aqui toda aquela marca de racismo, eu queria ser o centro”, relata.

Assim como Carolina, Cyda também enfrentou a escassez de comida, marca que, junto ao racismo que sofreu em diversas instâncias desde pequena, considera algo “que não se apaga”. 

Tudo que a mãe da atriz ganhava ou comprava com o trabalho em casas de família e em um hospital era dividido entre ela e os três irmãos, mesmo que fosse uma maçã. “E quando chegava uma maçã lá em casa era uma festa, era uma coisa de outro mundo”, conta. 

A atriz destaca acreditar que o espetáculo comove a todos, porque a fome é um tema universal; mas que, quando a plateia é de mulheres negras, existe uma troca única que apenas as Carolinas que ainda existem conseguem dimensionar.

“Elas se veem na Carolina. Eu costumo dizer que todas nós, mulheres negras, trazemos uma Carolina na nossa história. Porque de onde Carolina vem, é de onde vem todas as nossas matriarcas: do subemprego, da miséria, da pobreza, da exclusão, do trabalho doméstico, do trabalho na lavoura, das ex-escravizadas, das cozinheiras. Todas as nossas matriarcas vêm desse lugar”, destaca.

Durante todo o espetáculo, na voz potente e emocionada de Cyda – que ocupa o palco durante 75 minutos, trazendo alegria àquela criança que era afastada dos holofotes na infância –, o texto de Carolina Maria de Jesus ganha cadência e é recitado, muitas vezes, em sua integridade, ainda que fragmentos externos aos livros da autora sejam incluídos em alguns momentos da montagem. 

Ainda assim, o que talvez seja a obra definitiva sobre o Brasil se ressignifica e mantém-se cada vez mais atual, à medida em que as Carolinas continuam a existir em todo o País. “Ela traz verdades que ainda não se apagaram”, ressalta Cyda. “É uma obra muito atual, que infelizmente ainda vai permanecer atual por muito tempo”.

 
Nos últimos anos, Cyda Moreno tem se dedicado a um "teatro negro", em que rememora a história de grandes mulheres negras. Além de viver Carolina, ela também interpretou a revolucionária Luísa Mahin, mãe de Luís Gama e liderança durante a Revolta dos Malês, e a cantora Nina Simone, cantora, pianista e ativista pelos direitos civis. "São mulheres diferentes, mas todas vão fazer a mesma denúncia", destaca.

UM CONVITE AO PÚBLICO

Além das dores de Carolina, peça também traz à tona suas alegrias e paixões, como a música
Legenda: Além das dores de Carolina, peça também traz à tona suas alegrias e paixões, como a música
Foto: Ismael Soares
 
 

Após uma estreia com casa cheia em Fortaleza, Cyda Moreno comemorou o fato de poder rodar o Nordeste com a obra de Carolina. Ela conta que, apesar de o espetáculo ter estreado há seis anos, somente agora houve incentivo para a equipe de “Eu amarelo” ir além do circuito sudestino de teatro. Depois das dez apresentações na capital cearense, o monólogo segue para uma temporada de três semanas em Salvador (BA).

Em Fortaleza, além de um público “muito caloroso”, Cyda encontrou uma surpresa. “No Sudeste você tem um público negro mais presente, e aqui não. Eu senti falta desse público negro. Causa, assim, um estranhamento, porque você está falando de uma escritora negra, né?”, pontua. 

Para ela, a própria consolidação de um público de teatro negro encontra eco na obra de Carolina e de outras escritoras e intelectuais, como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, que, por meio de suas palavras, incentivaram um debate sobre a desmistificação da democracia racial do Brasil. 

Esse movimento político-cultural, junto à chegada da Constituição de 1988, provocou uma revolução em termos de acesso de pessoas negras à educação e à cultura.

“Hoje você já encontra um terreno mais palpável. As cotas nas universidades também foram de extrema relevância, porque permitem o acesso do povo negro às universidades – e uma vez que você tem acesso ao conhecimento, você vai ao resgate dos seus heróis”, pontua.

Esse acesso ao Ensino Superior, afirma Cyda Moreno, é o principal motivador de uma sensação de pertencimento de pessoas negras em espaços de produção e divulgação de arte.

“A gente tem um público negro, que é esse público que veio das universidades e que não recua, que sabe que aquele lugar também é para ele. Até pouco tempo atrás, você não tinha plateia negra, o teatro era um lugar restrito”, explica. “Hoje você tem uma geração da juventude negra que vai para o teatro, porque se vê representada”.

A atriz complementa que sabe que o teatro que faz “tem um papel social e não é por simples entretenimento”. Deste modo, entende que há também a necessidade de mostrar pautas como as de Carolina, Luísa Mahin e Nina Simone para uma plateia branca – que, a partir da arte, pode criar consciência sobre sua própria branquitude. 

“Era isso que eu buscava quando eu sonhava em ser atriz: ter o teatro como ferramenta para dizer coisas que a sociedade precisa ouvir e refletir”.

Já o produtor e dramaturgo Elissandro de Aquino, além de reforçar a importância de levar a história de Carolina a outras tantas Carolinas, comentou sobre a expectativa de receber alunos e professores cearenses nas próximas sessões.

Emocionado, o artista conta que, uma vez, ao fazer uma sessão que contaria com a presença de uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA), recebeu uma mensagem de uma professora da classe perguntando se o grupo poderia ir sem uniforme, pois todos estavam empolgados, se maquiando e fazendo penteados, já que nenhum deles havia ido ao teatro antes.

"Então, o espetáculo é para eles. Eles é que devem ter essa experiência de estar no teatro, em contato com essa linguagem tão potente, tão poderosa”.

SERVIÇO
ESPETÁCULO “EU AMARELO: CAROLINA MARIA DE JESUS”

Quando: 09/03, às 20h; 10/03, às 19h; 15 e 16/03, às 20h; 17/03, às 19h
Onde: Caixa Cultural Fortaleza (av. Pessoa Anta, 287 – Praia de Iracema)
Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada) | Vendas na bilheteria da Caixa Cultural Fortaleza
Classificação: Livre
Mais informações: @euamarelo.espetaculo e @caixaculturalfortaleza


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