Quase lá: Carta às mulheres negras no poder

"Escrevo a partir de Brasília. (...) Na semana em que a Marcha dos Prefeitos agita a cidade e escancara que a lógica do poder ainda é masculina, branca e abastada."

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Por Ilka Teodoro, Advogada especialista em Direitos Humanos e Ex-Administradora do Plano Piloto

 

Escrevo a partir de Brasília. Desse Plano Piloto que administrei por quatro anos. Nesse mês da mulher em que se reivindica uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal e da instituição das cotas de 30% de pessoas negras nos cargos comissionados federais. Na semana em que a Marcha dos Prefeitos agita a cidade e escancara que a lógica do poder ainda é masculina, branca e abastada. São apenas 658 mulheres a frente dos 5.568 municípios do país. Apenas 4% são negras. Também nos mostra que o poder que se concentra aqui, converge para a capital a partir de cada pedacinho desse Brasil.

Então escrevo para você, mulher negra, que chegou lindamente na Esplanada. E para você prefeita, governadora, vereadora, ocupante de cargos municipais, estaduais ou federais, em qualquer um dos três poderes, ou em espaços de poder na iniciativa privada e em espaços corporativos.

Veja, vão questionar sua negritude. Seu tom de pele e curvatura do cabelo, passarão pelo escrutínio da escala pantone da colonialidade. Mostremos que negação da nossa negritude por aspectos meramente fenotípicos é a reafirmação do racismo pela branquitude. Não nos define.

Todo início é difícil. É preciso conhecer a engrenagem e se apropriar dela. Competências, atribuições, legislação e normativos de regência, estrutura, orçamento, contratos, perfil da equipe, fluxos e processos. Será uma experiência única e um conhecimento específico que levaremos para a vida.

Registre todos seus passos. Vão tentar apagar seu trabalho e negar seu sucesso e desmontar o que você construiu. É importante que seu legado fique registrado. Outras virão depois de você. O caminhar da mulher negra é centopeico. São muitos pés pavimentando nossas trilhas. Ontem, hoje e amanhã. Onde fincarmos o pé, outros pés pisarão. Registre seu caminhar.

Vão questionar seus métodos e decisões, mas nossa ancestralidade nos mostra o caminho, reforçando nosso conhecimento e intuição. Confie e faça. Nossa forma de fazer política tem afeto e um tempero que nos é próprio. Além de seu currículo impecável. Respire fundo e prossiga. Os resultados mostrarão seu acerto e capacidade.

Conheça e imponha seus limites. São eles que vão definir seu tempo de permanência no cargo e sua forma de atuação.

Construa estratégias. A ancestralidade nos ensinou. Sobrevivemos e chegamos até aqui. Serão critérios de decisão dos sapos que serão engolidos e dos que serão cuspidos.

Escute sua intuição. Ela é sua melhor conselheira para lidar com decisões complexas que serão demandadas várias vezes por semana ou por dia.

Liderança é o lugar das decisões difíceis e vértice das intrigas. Essa agrava a dificuldade daquela. Desmobilize as intrigas para decidir bem. As posições de poder já exigem demais de nossa mente e corpo. Um ambiente de trabalho mais leve ameniza a pressão.

Em caso de erro, não se culpe. A culpa é um grilhão que nos aprisiona. Se puder consertar, recalcule a rota e corrija. Se não puder, vire a página e prossiga.

Monte uma equipe diversa. A riqueza da vivência e do olhar de pessoas negras, indígenas, com deficiência, trans, de gerações diferentes, de locais diferentes, é algo que se reflete no trabalho. O resultado é surpreendente. A administração pública é um sistema. Cada um tem uma função, mas só funciona junto. As habilidades são individuais, mas os indivíduos são interdependentes. É trabalho coletivo. A multiplicidade transforma trabalhos simples e burocráticos em algo rico e potente. Em ambiente de recursos escassos, a criatividade da coletividade é um ativo.

No gabinete e cargos de chefia, cerque-se de pessoas generosas e leais. Que possam dividir a carga de trabalho, a pressão e as angústias. Serão seu filtro e blindagem em momentos de fragilidade.

E por falar em fragilidade… não demonstre em público. Nos momentos ruins, recolha-se. Até ficar bem. Se estamos sempre no alvo, não temos por que facilitar.

Nossas crianças precisam ser bem-vindas nos espaços por onde circulamos.

Família, amigos e casa são nosso refúgio. O lugar do retorno, do colo, do abraço e do afago.

Cuide-se. Mantenha rotina de exercícios físicos, bem-estar e bem viver. Saúde integral (física, mental e sexual) tem que estar em dia. Coma bem, beba água e durma!

Não se curve às pressões e padrões estéticos. Seu corpo-território é político. Sua estética também. Você já é referência e inspiração para as próximas gerações.

Somos únicas e diversas. Do seu jeito, só você vai fazer. Deixe seu legado.

Lembre-se: nada mais identitário do que a branquitude questionando, criticando ou buscando evitar não brancos em espaços de poder, na defesa de seus próprios privilégios. Não aceite ser pautada. Sigamos buscando e ocupando o que é nosso por direito e nos foi usurpado. Axé!

 fonte: https://mundonegro.inf.br/carta-as-mulheres-negras-no-poder/


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