Quase lá: Alzheimer: estudo compreende por que a doença incide mais mulheres

Estudo feito no Brasil e nos Estados Unidos ajuda a compreender por que a doença neurodegenerativa incide mais na população feminina e sugere que um exame de sangue poderá detectar a condição nessas pacientes

Paloma Oliveto 
postado em 30/01/2025 06:00 / CORREIO BRAZILIENSE
 

Mulheres têm um risco duas vezes maior de desenvolver a condição -  (crédito: CB/Press)

Mulheres têm um risco duas vezes maior de desenvolver a condição - (crédito: CB/Press)
 

Mulheres têm um risco duas vezes maior da doença de Alzheimer em comparação aos homens, e uma das explicações para a vulnerabilidade aumentada pode estar no metabolismo. Uma pesquisa de cientistas do Brasil e dos Estados Unidos publicada na revista Molecular Psychiatry identificou em pacientes do sexo feminino níveis reduzidos de uma molécula usada pelo organismo para obter energia. A descoberta pode levar à criação de um marcador biológico no sangue e, no futuro, ao desenvolvimento de novos fármacos para combater a neurodegeneração. 

Estima-se que 35 milhões de pessoas em todo o mundo sofram de Alzheimer, a principal causa de demência em idosos. No Brasil, são mais de 1,5 milhão de pacientes. O diagnóstico é clínico e baseado, também, em exames complexos de imagem. É possível identificar traços da doença com uma sequência de punções lombares, para avaliação do líquido cefalorraquidiano (LCR), fluido que circula no cérebro e na espinha dorsal. Porém, além de dolorosa, a prática, quando seriada, pode aumentar riscos de infecções. Por isso o interesse em um exame de sangue capaz de detectar a neurodegeneração com mais simplicidade. 

O estudo foi realizado com dois grupos de voluntários, incluindo homens e mulheres, em testes no Brasil e nos Estados Unidos. Os resultados de um exame de sangue feito em noventa e três pacientes com graus variados de comprometimento cognitivo foram comparados aos de 32 pessoas saudáveis. Os cientistas buscavam, na amostra, níveis de duas moléculas: acetil-L-carnitina e carnitina livre, essa última implicada nas reações químicas essenciais à função cerebral.

Mecanismos 

O biólogo Mychael Lourenço, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que recebeu apoio do Instituto Serrapilheira para esse trabalho, explica que há 15 anos o grupo de pesquisadores do qual participa estuda os mecanismos cerebrais que surgem anos antes dos sintomas clássicos de Alzheimer, como o esquecimento. Segundo o cientista, já se sabe que a carnitina desempenha um papel importante no cérebro, especialmente nos casos de depressão e alterações de humor. A partir desse conhecimento, as equipes brasileira e norte-americana decidiram investigar se a molécula também teria implicações com o Alzheimer. 

"A gente já sabe que existem alterações do metabolismo cerebral e corporal nos pacientes com doença de Alzheimer", explica Lourenço, um dos líderes do estudo, que, no Brasil, também teve participação de cientistas do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor). "A carnitina é uma molécula muito importante para o corpo usar a gordura como fonte de energia. Então, a gordura que a gente come, quando é armazenada, precisa da carnitina para ser quebrada, liberando a energia para fazermos nossas atividades, desde pensar a escrever, andar, respirar."

Nos Estados Unidos, o grupo da pesquisadora Carla Nasca, no NYU Langone Health (Nova York), demostrou que derivados da carnitina, como a acetil-L-carnitina, também são importantes no cérebro para fazer regulação epigenética. "No final das contas, ambas favorecem a função do cérebro, a comunicação entre os neurônios, as sinapses", elucida Lourenço. "Então, a carnitina deve ter esse papel duplo, não só ajudando no metabolismo, no uso da gordura, como também facilitando a comunicação entre os neurônios." 

Gravidade

Para testar a participação das moléculas na doença de Alzheimer, os pesquisadores fizeram exames de sangue nos pacientes e nos voluntários. Os resultados mostraram que os níveis da carnitina livre — principal subproduto da acetil-L-carnitina nas funções cerebrais — eram significativamente menores em mulheres com a neurodegeneração, sendo que a gravidade do quadro estava associada à quantidade da molécula. Nos homens, foram observados declínios apenas na acetil-L-carnitina. As análises foram feitas tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, possibilitando uma representatividade grande no estudo. 

Segundo Thaís Augusta Martins, médica neurologista e especialista em Alzheimer, há diversas hipóteses para o fato da doença acometer mais mulheres. "Há vários fatores que tentam explicar essa ocorrência maior no sexo feminino, mas não está absolutamente definido qual o fator mais importante ou decisivo", diz a coordenadora de Neurologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília. "Questões hormonais, genéticas, e expectativa de vida maior são algumas das teorias levantadas", diz. Para Martins, é preciso aguardar novos estudos com um número maior de pacientes para incluir os níveis mais baixos de carnitina entre fatores em potencial.

Mychael Lourenço (foto acima), da UFRJ, destaca a necessidade de ampliar o estudo do Azlheimer na população brasileira. "Hoje, temos grupos de pesquisa aqui no Brasil com muita capacidade de estudar as pessoas, nossa própria população, e, no entanto a gente precisa ainda de financiamento. O Brasil está numa situação que inspira cuidados, vamos dizer assim, porque o número de casos de Alzheimer está aumentando muito, consideravelmente, e isso está acontecendo em vários outros países em desenvolvimento", diz. 

Para o pesquisador, além de indicar um potencial biomarcador sanguíneo da doença, o estudo com a carnitina pode apontar a necessidade de abordagens diferentes no tratamento da neurodegeneração em homens e mulheres. "É algo para pensarmos no futuro", diz.

Embora reconheça que a molécula poderá, mais à frente, compor algum fármaco para aumentar o arsenal terapêutico de uma condição para a qual há poucas opções, Lourenço ressalta que a pesquisa não sugere fazer suplementação de carnitina. "As descobertas não significam que as pessoas, especialmente mulheres, nem com déficit cognitivo, tenham que se suplementar de carnitina, muito menos aumentar o consumo de carne, que é uma importante fonte", alerta. "Isso significa, na verdade, que esses podem ser alvos moleculares interessantes para serem estudados e testados."

Duas perguntas para:

Quais são as principais hipóteses para o fato de mulheres serem mais suscetíveis ao Alzheimer?

O Alzheimer é uma doença neurodegenerativa multifatorial, e a maior suscetibilidade das mulheres parece estar associadas a vários fatores biológicos e hormonais. Hoje a principal hipótese que nós temos envolve uma redução de estrogênio após a menopausa, uma vez que esse hormônio exerce um papel neuroprotetor, modulando processos inflamatórios, metabolismo energético e produção de novas sinapses (conversa entre neurônios). É importante lembrar que diferenças genéticas, como a maior prevalência do alelo APOE-4 em mulheres, e fatores epigenéticos, ou seja, ambientais, também são investigados. Outro ponto que podemos destacar são as diferenças na longevidade: mulheres vivem mais e, portanto, têm maior risco de desenvolver a doença, que também está associada ao envelhecimento.

A carnitina poderá ser um biomarcador da doença?

A carnitina é fundamental para o metabolismo energético mitocondrial (para a célula produzir energia), e seu deficit pode comprometer o equilíbrio celular, agravando processos neurodegenerativos. No entanto, estabelecer uma relação causal ainda não é possível — é preciso entender se a redução da carnitina é um fator primário da doença ou apenas uma consequência do metabolismo cerebral alterado no Alzheimer. Se confirmada, a carnitina poderia ser um biomarcador relevante para a detecção precoce da doença em mulheres, combinada a marcadores já estudados e bem estabelecidos, como presença das proteínas beta-amiloide e tau. Biomarcadores metabólicos são promissores porque podem ser avaliados por exames mais acessíveis, o que facilitaria estratégias de rastreamento e um manejo clínico precoce. 

 

fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/ciencia-e-saude/2025/01/7047294-alzheimer-estudo-compreende-por-que-a-doenca-incide-mais-mulheres.html

 


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