Existe uma arte da dissidência sexual? Qual o lugar dela? E sua relação com a periferia? Começa em SP nova edição de evento que mobiliza coletivos e artistas das quebradas. No centro, a cultura ballroom, espaços de acolhimento e resistência

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Por Equipe Estéticas das Periferias

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12º edição do Encontro Estéticas das Periferias – Ballroom: orgulho e resistência. De 27/8 a 4/9. Acompanhe a programação completa aqui

Existe uma arte LGBTQIAP+? Qual o lugar dela? O que a cultura periférica tem haver com isso? A 12ª edição do Estéticas das Periferias – que acontece entre os dias 27de agosto a 04 de setembro – coloca a cultura ballroom no centro da sua programação, não para responder essas perguntas, mas para provocar esse debate e para brilhar junto com a cena insurgente que organiza a produção marginalizada da juventude negra, periférica, de mulheres e LGBTQIAP+

A cultura ballroom tem como berço o subúrbio de Nova Iorque, nos anos 70, a partir da organização de pessoas negras e latinas integrantes da comunidade LGBTQIAP+. Ao mesmo tempo que afirmavam sua identidade perante uma sociedade cis e heteronormativa, também marcavam a posição da identidade racial e étnica.

A difusão desta cultura alcançou o Brasil e adquiriu características próprias. O Estéticas das Periferias conversou com Sima, da Casa of Zion (Manaus-AM), Flip Couto, da Festa Amém (São Paulo-SP), e com o coletivo Vogue Jampa (João Pessoa – PB). Apesar da trajetória da ballroom nessas cidades não ser a mesma, a forma como o seu surgimento permitiu  que pessoas LGBTQIAP+ tivessem um espaço de acolhimento, de expressão e de resistência, revela a enorme importância delas.

“O movimento ballroom é importante porque celebra a existência de pessoas trans, periféricas pretas que fogem da norma, que buscam se reoganizar em estruturas que possam dar conta de suas necessidades, saúde mental, física, sexual e afetiva”, explica Flip.

Nas conversas com os entrevistados, o sentimento de “acolhimento” tangencia todas as respostas. Sendo o país que mais mata pessoas trans no mundo, não é muito difícil imaginar o que representa  os espaços voltados para exaltar a beleza de “corpos” e “corpas” que fogem do padrão.

Exemplo de como a afetividade é central, explica Flip, é o fato da cultura ballroom referir-se aos seus espaços como “houses” (coletivos que funcionam como famílias, estabelecendo sentimentos de afeto e acolhimento), as lideranças são conhecidas como mães, pais e paes, as pessoas iniciantes como filhas, filhos e filhes.

Conexões

O fato da cultura ballroom ter como marca a valorização das pessoas LGBTQIAP+, especialmente com um recorte racial, tornou-a uma manifestação com grande potencial de identificação no Brasil, explicam es entrevistades. 

Simas lembra que como um pesquisador e dançarino queer, especialista em vogue, ele começou a ter contato com a cultura ballroom, primeiramente a sua expressão nacional, com as características próprias brasileiras, e só depois a sua origem estadunidense.

“Quando pensei em trazer e fomentar a cultura ballroom em Manaus, foi por acreditar no seu potencial de acolhimento, de promover o diálogo dentro da comunidade, por ser uma expressão que valoriza, exalta nossos corpos, especialmente os corpos e corpas pretas”. 

Para a Vogue Jampa, a prática é uma ferramenta, criada pela e para a comunidade LGBTQIAP+ que dá sentido e orgulho para suas e seus integrantes,  é algo que “salva vidas”. Apesar de uma cena relativamente recente, a capital João Pessoa reúne 7 casas, com cerca de 70 integrantes.

A partir de um contato inicial pela internet, foi possível estabelecer um intercâmbio com referências da comunidade ballroom nacional como Yan Astra, PC Avalanx, Fanalis Valentino Oricci, Venus Valentino Oricci, Marchella 007 e Pioneira Yagaga Kengaral, o que foi decisivo para que a ballroom se firmasse como um movimento na cidade.

“Já havia um grupo majoritariamente composto por pessoas travestis que faziam festas e eventos sobre balls como o Coletivo Geranua. O intercâmbio com outras realidades, foi muito importante para o movimento ganhar forma”, lembram.

Apesar das dificuldades impostas pela pandemia, com a retomada de atividades presenciais, em julho de 2021, as casas voltaram a promover treinos abertos regulares e, mas recentemente, as balls voltaram a acontecer. “Tivemos um aumento de cerca de 400% no tamanho da comunidade nos últimos meses”, pontuam.

Um dos criadores da Festa AMEM, Flip Couto, também teve os seus primeiros passos, assim como Simas,  por meio da dança vogue, em 2009. Porém, o grande marco da sua inserção nessa cultura, deu-se a partir da apresentação do seu espetáculo “Sangue”, dentro de um evento ball. 

“Me sentiparte mesmo em 2016, durante a Residence Explode, quando tinha acabado de apresentar meu solo “Sangue”, que contextualiza o impacto do HIV nas pessoas negras. A ball que encerrou esse encontro, a forma como o debate da minha apresentação foi acolhida, me fez sentir parte daquilo”.

A “Festa Amem” nasce entre os anos de 2016/2017, com a realização de encontros para diálogos, escuta e acolhimento, ao mesmo tempo que também promovia  momentos de celebração, de festa e arte.

“A proposta de ter um espaço de encontro para pessoas negras LGBTs transformou nossas balls em uma plataforma artística, onde artistas do cenário independente apresentavam seus trabalhos, enquanto promoviam-se discussões relacionadas à raça, classe, gênero, sexualidade e saúde.”

Movimento político ou cultural?

Flip, Simas e o Coletivo Vogue Jampa entendem que a ballroom está além da discussão de ser ou uma ação política ou expressão artística, político-cultural, mas que existe  de forma simultânea.

“Ballroom é manifestação política da mesma forma que é manifestação cultural. Ela se dá com corpas da margem, corpas marginalizadas. Cada fala,cada grito, cada movimento é expressão artística, mas também é um ato político gigantesco”, afirma Simas.

Para o Vogue Jampa, o “simples ato de expressar sua identidade através da arte é por si só uma manifestação”, isso porque só a existência de pessoas LGBTQIAP+ já é uma ação política, que ganha ainda mais força e significado, quando elas se organizam e celebram a beleza de ser quem são.
Por fim, Flip entende que a ball extrapola uma lógica binária de quem ou se está fazendo política, ou se está fazendo a arte, as questões que marcam as pessoas LGBTQIAP+ e a própria existência delas, rompe com essas segmentações, afirma.

“A gente está falando sobre o cotidiano, que está atravessado por tudo, pelas violências sociais, pelas exclusões, sonhos, desejos e carência. A prática da performance de gênero, a aceitação das suas belezas, as descobertas das suas potências… obviamente, isso vai interferir política nas políticas culturais, políticas voltadas para a saúde”, declara.

Flip ainda deixa o convite para a apresentação de abertura do Estéticas das Periferias, no dia 31 de outubro, que irá apresentar a inserção da cultura Ballroom no Brasil promovendo a exaltação de corpos dissidentes, negros, indígenas e periféricos sendo uma potente expressão estética, política e cultural da comunidade LGBTQIAPN+.

Além do espetáculo de abertura, o Estéticas 2022 conta com dezenas de atrações que além da pauta LGBTQIAPN+, exibe toda a pujância, combatividade e beleza da arte periférica, a partir das suas múltiplas linguagens.

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fonte: https://outraspalavras.net/descolonizacoes/esteticas-das-periferias-a-cara-o-corpo-e-arte-lgbti/

 


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