Data nacional é comemorada nesta terça-feira. A data foi criada em 2008 como forma de dar visibilidade aos debates sobre pautas importantes desses povos.Extermínio continua

Yanomamis aguardam por familiares nos arredores do Hospital de Campanha que presta atendimento aos indígenas em situação de emergência em Boa Vista.

© Fernando Frazão/Agência Brasil 

 

Publicado em 07/02/2023 - 06:24 Por Agência Brasil* - Brasília

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A criação do Ministério dos Povos Originários e a condução da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) por uma mulher indígena marcam o Dia Nacional da Luta dos Povos Indígenas, comemorado nesta terça-feira (7). A data foi criada em 2008 como forma de dar visibilidade aos debates sobre pautas importantes desses povos.

Para a ministra dos Povos Originários, Sônia Guajajara, há uma crise humanitária no Brasil. Ela citou como causas as invasões de territórios, o desmatamento, o garimpo ilegal, a falta de assistência adequada em saúde e saneamento, entre outros.

"Não é mais possível convivermos com povos indígenas submetidos a toda sorte de males, como desnutrição infantil e de idosos, malária, violação de mulheres e meninas e altos índices de suicídio. Presidente Lula, arrisco dizer, sem exagero, que muitos povos indígenas vivem verdadeira crise humanitária em nosso país e agora estou aqui para trabalharmos juntos, para acabar com a normalização deste estado inconstitucional que se agravou nestes últimos anos", disse Guajajara, a primeira indígena a ocupar um cargo de ministra, no dia de sua posse.

Ela tem acompanhado as ações interministeriais que tentam conter a crise humanitária envolvendo o povo Yanomami. Afetados pela presença do garimpo ilegal em suas terras, os indígenas enfrentam casos de desnutrição e doenças como malária e pneumonia, situação histórica que piorou nos últimos quatro anos.

foto Fernando Frazão - Agencia Brasil
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
 
 
Entrevista coletiva da ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, com lideranças ao voltar da visita a Terra Indígena Yanomami, no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami. - Fernando Frazão/Agência Brasil

Segundo Guajajara, setores de inteligência do governo federal e o movimento indígena identificaram a fuga de garimpeiros da Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

"Temos essa informação de que muitos garimpeiros estão saindo. Mas é bom que saiam mesmo, porque assim a gente até diminui a operação que precisa ser feita para retirar 20 mil garimpeiros, [o que] demora um tempinho", disse a ministra, em entrevista. "Importante dizer que, para que a gente consiga sair dessa situação de emergência em saúde, é preciso combater a raiz, que é o garimpo ilegal. Não é possível que 30 mil yanomami sigam convivendo com 20 mil garimpeiros dentro do seu território", destacou.

Atualmente, a Casa de Saúde Indígena (Casai), em Boa Vista, tem 601 yanomami, entre pacientes e seus acompanhantes. Além disso, 50 indígenas estão internados no Hospital Geral de Roraima (HGR) e no Hospital da Criança Santo Antonio (HCSA), ambos em Boa Vista. Há duas equipes compostas por profissionais da Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), uma em Auaris e outra no Surucucu, onde são feitos, em média, de 60 a 70 atendimentos diários.

Reconstrução

Ao tomar posse na presidência da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana prometeu reconstruir o órgão e elogiou o fato de a Funai estar pela primeira vez sob o comando de indígenas. 

“Esse é o primeiro passo que a gente tem de dar. Reorganizar a Funai. Fortalecer, buscar orçamento”, afirmou. A presidenta também citou a falta de servidores públicos e o estoque de ações judiciais acumuladas nos últimos anos como desafios para o órgão.

“Todo esse caminho que percorremos até hoje para chegar aqui foi longo e muito sofrido. Muitas vidas se perderam no caminho e ainda estão se perdendo. Passamos anos de desmonte, de sucateamento, de desvalorização dos servidores públicos”, declarou Wapichana.

Ambivalência

Para o coordenador jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Maurício Terena, a data é “ambivalente” pois esses povos vivem momento significativo em relação às políticas  brasileiras para a área.

“Digo que ela carrega um sentimento de ambivalência porque, ao passo que estamos felizes com [as novas interlocuções para os povos indígenas], também temos assistido a situação dos yanomami, que sofrem uma crise humanitária desde 2020. Acho importantíssimo salientar a articulação dos povos indígenas, que já vinha denunciando a invasão garimpeira dentro do Território Yanomami”, afirmou.

Segundo Terena, a gestão de Jair Bolsonaro promoveu “uma desestruturação dos órgãos responsáveis pelos povos indígenas”. Entre os pontos destacados pelo coordenador, como sucateamento de políticas públicas, está o enfraquecimento da Funai e a queda no orçamento destinado à área.

Sepé Tiaraju

O Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é celebrado desde 2008. A data escolhida é uma homenagem ao guarani Sepé Tiaraju, guerreiro morto em 7 de fevereiro de 1756 durante a histórica Batalha de Caiboaté, em São Gabriel (RS).

O motivo do conflito foi o Tratado de Madrid, que estabelecia novas fronteiras entre as colônias da Espanha e de Portugal e, consequentemente, determinou a evacuação da população que vivia na República Guarani, na região das Missões, abrangendo o que é hoje o oeste do Rio Grande do Sul, o Norte da Argentina e o Paraguai. Assim como Sepé, cerca de 1.500 indígenas foram mortos na batalha. Contudo, o corpo dele não foi encontrado e, assim, nasceu o mito de que o herói teria subido aos céus, tornando-se um santo.

Em 2017, o Vaticano autorizou o início do processo de canonização do guarani para se tornar, oficialmente, santo. Atualmente, a canonização está na fase de beatificação e pode demorar alguns anos para ser concluída.

*Com informações da Agência Senado

Edição: Graça Adjuto

fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-02/reconstrucao-e-fortalecimento-marcam-dia-da-luta-dos-povos-indigenas

 

 
 

Garimpo ilegal em Terra Indígena Yanomami é destruidor, diz ministra

Sonia Guajajara visitou território e sobrevoou áreas de garimpo

 

Publicado em 06/02/2023 - 22:43 Por Pedro Rafael Vilela – Enviado especial - Boa Vista

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A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, descreveu como destruidora a presença do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Ela passou a noite de domingo (5) no polo base de Surucucu, que fica próximo à fronteira com a Venezuela, na parte oeste do território. Nesta segunda-feira (6), ela voltou a Boa Vista e concedeu uma entrevista coletiva para contar o que viu.  

"O que está sendo noticiado ainda está longe de mostrar a realidade ali, com essa presença tão forte de garimpeiros, com uma grande destruição no território. É muito garimpo, garimpo infinito, o território está todo tomado por garimpeiros, por destruição, por contaminação na água. Os yanomami não têm como beber água, não têm água limpa para beber", afirmou.

A ministra fez sobrevoos nas regiões de Homoxi e Xitei, que são duas das áreas com maior presença de garimpeiros, e disse que não conseguiu pousar em comunidades mais isoladas por falta de segurança. Segundo ela, os garimpeiros estão concentrados nas vilas maiores como forma de proteção.

"Tentamos pousar em dois lugares e não conseguimos, por conta de insegurança. Muitos garimpeiros, ali dentro, já estão sabendo que está tendo essa determinação para retirada deles. E eles estão fugindo de garimpo menores e se concentrando em garimpos maiores, estão ficando todos juntos", afirmou.

A ministra disse que, em alguns locais, já não é mais possível "discernir o que é a comunidade indígena do que é o garimpo". 

Comunidades isoladas

Segundo lideranças locais, como Júnior Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'Kuana (Codisi-YY), há cerca de 180 comunidades isoladas que até agora não conseguiram receber assistência médica nem social e não se sabe ainda o estado de saúde dessas pessoas. A estimativa é que essa população seja de aproximadamente 15 mil pessoas. São localidades que estendem até mesmo ao Amazonas, onde parte da Terra Indígena Yanomami está inserida. 

"São 180 comunidades [com] prioridade, que estamos precisando atender. Essas 180 comunidades estão sem atendimento, que fazem parte também do Amazonas, principalmente Barcelos". 

A ministra também falou sobre a morte de um bebê indígena, que não pôde ser removido para Boa Vista por causa do mau tempo, e do assassinato de três indígenas por garimpeiros. Pelo menos um corpo foi entregue à família e dois ainda precisam ser resgatados. Um deles foi morto na região do Homoxi e os outros dois na região de Parima. A Polícia Federal (PF) cumpre diligências no território para investigar os crimes.

Medidas

Sonia Guajajara disse que, em até três semanas, a reforma na pista do aeródromo de Surucucu deverá ficar pronta, o que permitirá o pouso de aeronaves maiores. A medida vai viabilizar a estruturação de um hospital de campanha para atender casos mais complexos sem necessidade de remoção de todos os pacientes para Boa Vista. Segundo o coordenador local do Centro de Operações de Emergência (COE), Ernani Santos, a demanda de atendimento deve aumentar nas próximas demandas e a construção de um novo hospital vai desafogar a rede da capital.  

"A gente está entendendo que a demanda vai aumentar. A intenção nossa é que esse hospital possa dar esse suporte, até porque, hoje, um terço das internações aqui no Hospital da Criança, no município [Boa Vista], são de yanomami. E a Casai [Casa de Saúde Indígena] está no seu limite".

No balanço desta segunda-feira, o COE informou que há 598 indígenas na Casai, entre pacientes e acompanhantes. No Hospital da Criança de Boa Vista, há 50 indígenas internados, sendo quatro deles na Unidade de Terapia Intensiva. A previsão do governo é que nos próximos dias mais nove equipes da Força Nacional do SUS desembarquem no território. O total de equipes deve chegar a 25 até o fim de semana. 

Alimentos

Lançamento aéreo de suprimentos de ajuda humanitária às aldeias indígenas Yanomami na região do Surucucu, na Terra Indígena Yanomami, Oeste de Roraima, a partir de paraquedas do cargueiro KC-390 da Força Aérea Brasileira.
Lançamento aéreo de suprimentos de ajuda humanitária às aldeias indígenas Yanomami na região do Surucucu, na Terra Indígena Yanomami - Fernando Frazão/Agência Brasil

O governo federal também está reavaliando a distribuição de cestas básicas de alimentos aos indígenas yanomami. Os alimentos enviados não são os que fazem parte da dieta tradicional dos indígenas e estão sendo buscados também por garimpeiros que, impedidos de sair por via aérea do território, estão ficando também sem mantimentos. De acordo com Lucia Alberta Andrade, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), os yanomami querem retomar sua produção urgente.

"Vamos começar um apoio para que algumas aldeias, que estão um pouco mais tranquilas, comecem a produzir suas roças. Eles não querem mais consumir as cestas que estamos enviando. Querem produzir, plantar sua mandioca, sua banana. E isso foi solicitado", explicou.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome também deve atuar na perfuração de poços artesianos e construção de cisternas na Terra Indígena Yanomami para garantir abastecimento de água potável, uma vez que a contaminação dos rios por mercúrio, usado no garimpo, tem inviabilizado o consumo de água pelos indígenas, além de ser fonte de doenças.

Edição: Fábio Massalli

fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-02/garimpo-ilegal-em-terra-indigena-yanomami-e-destruidor-diz-ministra

 

Crianças Yanomami foram as maiores vítimas

A cena parecia de cinema, mas aconteceu diante dos olhos da médica Gabriela Mafra. Ao tentar dar um remédio contra a malária, a doutora segurou o rostinho de uma criança e achou que ela estava se engasgando. A frágil Yanomami se contorcia. E aí Gabriela viu algo na boca dela. “Era um verme, um verme muito grande. As crianças estavam com vermes saindo pela boca”, relembra, num relato chocante.

A reportagem é de Leanderson Lima, publicada por Amazônia Real, 30-01-2023.

Há um ano, Gabriela atende ao povo Yanomami na região do Surucucu, depois de ter atuado por três anos na região de Auaris. É dentro do maior território indígena brasileiro que a médica acompanha a crise humanitária e sanitária que está devastando crianças e adultos. O caso da criança acima não foi o único desde então. “Eu atendi ao chamado de um pai que a filha não conseguia dormir porque toda vez que ela se deitava, os vermes começavam a sair pelo nariz dela. É uma situação absurda”, desabafa.

Os quatro anos de trabalho no Distrito Sanitário Especial Indígena (DseiYanomami, em Roraima, se tornaram um drama pessoal para Gabriela e seus colegas, que lutam para salvar os indígenas da forma que podem. Em sua rotina de trabalho, a médica passa 15 dias em Surucucu e os outros 15 em Boa Vista. No ano passado, quando estava na capital roraimense, o esforço era para conseguir doações de medicamentos básicos que estavam faltando no Dsei, problema que começou a se agravar a partir de junho de 2022.

“A quinzena mais difícil que eu tive foi quando nós estávamos com falta de medicação para febre, falta de antibiótico. A gente não tinha nada para trabalhar, e assim, além de todo o sofrimento que isso causa para um paciente – levando em consideração que estamos trabalhando em uma zona endêmica de malária e o principal sintoma da malária é a febre –, o mais básico é ter algum antitérmico, paracetamol, e nós não tínhamos, chegamos a um estado também de não ter um albendazol e mebendazol, que são antiparasitários”, revela.

Depois da ida do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Boa Vista, logo após surgirem imagens chocantes de crianças e adultos Yanomami esquálidos, com desnutrição severa, o governo federal e a população começaram a se mobilizar pelos indígenas, trazendo certo alívio para a médica Gabriela. “Estou lá dentro há um ano vendo tudo isso e pedindo socorro, tentando movimentar as pessoas, fazendo com que tomassem consciência de tudo que estava acontecendo lá e, finalmente, agora as coisas estão começando a mudar”.

Crianças Yanomami em situação mais grave estão sendo levadas para Boa Vista, onde podem receber melhor tratamento. Na última semana, a prefeitura de Boa Vista informou que o Hospital da Criança Santo Antônio (HCSA), teve 703 casos de internações de crianças Yanomami, em 2022. Até semana passada, 62 indígenas estavam internados. “Desses, 46 são crianças Yanomami e cinco estavam na UTI. No período de 16 de janeiro a 25 de janeiro, foram registradas 47 internações de indígenas, dessas, 30 de Yanomami”, explicou o hospital.

Foi no HCSA que o pediatra Ricardo Frota relatava, num misto de espanto e horror, o grave quadro de desnutrição de um bebê de um ano e quatro meses. Se fosse sadio, deveria pesar 12 quilos, mas Frota não podia acreditar no que via: “Ele pesa quatro (quilos) ponto 300 (gramas)”, em relato ouvido pela Amazônia Real na unidade hospitalar.

Desde domingo (29) e até quinta-feira (2), uma missão do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania está em Boa Vista para apurar se houve omissão do Estado brasileiro, no governo Bolsonaro, em relação à crise humanitária que atinge o povo Yanomami. No encontro, os integrantes da comitiva ouvirão lideranças locais que estejam ameaçadas com a possibilidade de incluí-las em uma rede de proteção.

O ministro da Justiça, Flávio Dino, já usou a palavra “genocídio” para se referir à atual crise humanitária dos Yanomami. Foi nesta TI o único caso de genocídio julgado até hoje no Brasil pelos assassinatos de 16 indígenas por garimpeiros, em 1993. Homologada com 9,4 milhões de hectares, em 1992, com limites entre Amazonas e Roraima com a Venezuela, a TIY viu o garimpo ser retomado a partir de 2016, causando graves violações aos direitos indígenas, como denunciado pela Amazônia Real na série Ouro do Sangue Yanomami, e de forma acelarada nos últimos quatro anos, já sob Bolsonaro.

Sem proteção

A médica Gabriela Mafra em atendimento na TI Yanomami. (Foto: Gabriela Mafra | Sesai)

Agora que os apelos de profissionais de saúde e entidades de defesa dos povos indígenas começam a ser ouvidos surgem informações de que os órgãos federais, na gestão de Jair Bolsonaro (PL), deixaram os indígenas sem a mínima proteção. O Ministério Público Federal (MPF) investiga, após denúncias de líderes indígenas e profissionais de saúde, que o Dsei Yanomami promoveu um desabastecimento generalizado no Território Indígena (TIY). O MPF já detectou um esquema corrupto de nomeações e compra de medicamentos. Em novembro, o órgão e a Polícia Federal realizaram a Operação Yoasi, afastando agentes públicos e responsabilizando empresários.

“Vivíamos pedindo socorro. Eu saía e passava um tempo aqui (Boa Vista) tentando contato com alguém para conseguir doação de remédio e os órgãos que eram responsáveis por fornecer a medicação não estavam se importando muito. Foi uma fase muito difícil que a gente enfrentou”, revela Gabriela Mafra. Mas o quadro devastador vai além da falta de comida e de medicamentos básicos.

Gabriela lembra que, há quatro meses, atendeu um indígena ferido com um tiro. “Nós tivemos que improvisar um tratamento no paciente. Ele teve um hemotórax [que é presença de sangue no tórax]. Eu tive que fazer uma drenagem de tórax lá, colocar um tubo no paciente. E a gente não tinha também este material, então foi improvisado, a gente encontrou uma mangueira aleatória lá, fizemos tudo improvisado, para poder salvar a vida desse paciente”, conta a médica, revelando que neste caso, a vítima, indígena, foi alvejada por um outro indígena. “Eles conseguem munições com os garimpeiros.”

Impacto cultural

Indígenas Yanomami aguardando atendimento médico. (Foto: Gabriela Mafra | Sesai)

A invasão de garimpeiros no TIY trouxe uma série de modificações no próprio modo de vida dos indígenas. “É muito triste ver, às vezes, um indígena consumindo pornografia, ver um indígena com IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), ver um indígena ser usuário de droga. Você vai numa comunidade fazer uma visita e você encontra garrafa de cachaça. Eu acredito que a presença do garimpo já impactou de forma negativa, em todos os aspectos, tanto na saúde quanto na cultura”, explica a médica Gabriela. Ela revela ainda que há casos de exploração sexual das indígenas por garimpeiros, além da própria inserção do indígena na dinâmica do garimpo. “Eles [garimpeiros] colocam o indígena para trabalhar para eles, o indígena vai receber, e o indígena vai gastar ali dentro do próprio garimpo. Eles têm uma vendinha lá, tem as moças que trabalham lá.”

drama humanitário dos indígenas de Roraima, principalmente das crianças Yanomami, foi amplamente documentado na “Pesquisa sobre os determinantes sociais da desnutrição de crianças indígenas de até 5 anos de idade em oito aldeias inseridas no Dsei Yanomami”.

O estudo foi feito a pedido da Hutukara Associação Yanomami, que queria obter um diagnóstico da situação de saúde, nutrição e de contaminação ambiental dos Yanomami. Os pesquisadores responsáveis pelo estudo são Paulo Cesar Basta e Jesem Orellana, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O estudo foi financiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

“Encontramos uma proporção de crianças menores de cinco anos com desnutrição crônica num nível extremamente absurdo, incomparável com o que se vê no restante do Brasil, inclusive do Brasil rural, do Brasil interiorano, do Brasil ribeirinho, do Brasil que remete à década de 60, 70, de 40 a 50 anos atrás”, revela o pesquisador Jesem Orellana.

A coleta de dados foi feita entre dezembro de 2018 e fevereiro de 2019, nas regiões de Auaris e Maturacá, no Dsei Yanomami, o que mostra que o governo brasileiro tinha conhecimento da grave situação dos indígenas. No trabalho de campo feito por Paulo Cesar Basta e Jesem Orellana, um total de 304 crianças menores de cinco foram examinadas, sendo 80 delas provenientes do território de Auaris; 118 de Maturacá; e 106 de Ariabú.

Um dos dados alarmantes mostra que o drama da fome já começa antes mesmo do nascimento das crianças, com suas mães, passando por restrições alimentares. É o caso que acontece no território de Auaris, onde 90% das gestantes passaram por restrições alimentares.

Enquanto em Ariabú e Maturacá, pelo menos 80% dos indígenas conseguem comer arroz e feijão, em Auaris, os indígenas praticamente não têm acesso a esse tipo de alimento. Nesta localidade, metade das crianças tiveram pneumonia, e 30% delas haviam tido problemas com diarreia nas últimas 48 horas da época em que a pesquisa foi a campo. Já no que diz respeito à desnutrição, a pesquisa mostrou que 81,2% das crianças menores de 5 anos apresentaram baixa estatura para a idade, 48,5% baixo peso, e 67,8% anemia.

Ainda de acordo com a pesquisa, as maiores prevalências de baixa estatura e baixo peso para a idade foram registradas na região de Auaris, onde 88,3% e 70,9% das crianças apresentaram esse diagnóstico. Jesem Orellana já havia denunciado uma possível transmissão da desnutrição crônica intergeracional entre os Yanomami, conforme divulgado pela Amazônia Real.

Garimpo e genocídio

Garimpo na região do Homoxi, na Terra Indigena Yanomami, Roraima. (Foto: Bruno Kelly | Amazônia Real)

Orellana não tem dúvida de que “o garimpo é um dos aspectos da degradação ambiental que tornam esse cenário trágico, esse cenário cinematográfico de terror dos Yanomami possível, porque você acaba vendo uma situação de destruição do ecossistema que esses indivíduos vivem e sobrevivem”.

O pesquisador ressalta que o problema com a contaminações dos rios, das nascentes de rios, o desmatamento ilegal [além do próprio garimpo] colaboram para formar um cenário que, em pleno século 21, nos remete aos piores tempos dos campos de concentração nazistas, na Segunda Guerra Mundial.

“Você imaginar uma cena dessa lá na Idade Média, talvez antes do Egito antigo, ou algo assim, é uma situação que você pode até interpretá-la à luz da história, sem todo o acúmulo do conhecimento científico, tecnológico, médico que nós tivemos ao longo de pelo menos 10 mil anos de existência da humanidade na terra. Agora, você presenciar essa cena, em pleno século 21, em um País como o Brasil, que produz tantas riquezas mineiras, agrícolas, industriais, é algo realmente inadmissível, algo inaceitável, que caracteriza negligência, abandono, e em último grau, a pior das classificações jurídicas para este tipo de desassistência, que é o tipo do crime do genocídio”, dispara Jesem.

Para o pesquisador, o que vem acontecendo no Brasil com o povo Yanomami exige uma relação direta, com o que é preconizado no estatuto de Roma para classificar genocídio. “Eu não tenho nenhuma dúvida de que se trata de genocídio, então, para quem duvidava, quem não entendia o conceito de genocídio (…) o caso dos Yanomami é algo que você não pode ter dúvida a menos que você não conheça, que você não leia, não entenda o espírito do Estatuto de Roma”, opina.

Extermínio histórico

Mapa das áreas de garimpo na TI Yanomami. (Arte: Giovanny Vera | Amazônia Real)

Trabalhando há 41 anos com saúde indígena, o médico Douglas Rodrigues, de 67 anos, atuou na linha de frente na primeira grande invasão ao território Yanomami no final dos anos 1980 e início da década de 1990. Para ele, a invasão daquela época guarda semelhança com o que se vê hoje, porque naquele tempo também houve incentivo governamental.

Boa Vista chegou a ter o aeroporto com o maior tráfego aéreo do País. Então, a malária começou a se espalhar, outras doenças, aí talvez não tinha tido a proporção, àquela época, do que eu estou vendo hoje, mas foi uma coisa semelhante, e que só foi descoberta porque alguns profissionais que estavam na área acabaram denunciando”, recorda.

enfrentamento ao garimpo nesta época foi o que deu origem à criação do Dsei Yanomami, em de 11 de abril de 1991. Para Douglas, o problema do garimpo tem solução, mas necessita de “vontade política”. “O que está acontecendo agora já aconteceu. E quando a gente fala com alguns Yanomami, o Davi (Kopenawa) mesmo muitas vezes fala que o território nunca esteve totalmente livre de garimpo. De vez em quando tem esses surtos, esses aumentos. É possível resolver essa situação? Eu não tenho dúvida de que é, eu sei que não é fácil, que esse número imenso de pessoas, e a rede é muito grande, o preço do ouro tá alto, eu sei disso tudo, agora também sei que a proteção do território indígena é dever do Estado (…) agora precisa de vontade política”, analisa.

Para a médica Gabriela Mafra, é preciso acabar com a ideia de que garimpo é algo “cultural”. “Ouvi esse absurdo: garimpo é cultura. Meu pai era garimpeiro, inclusive o meu avô também era garimpeiro, e é realmente algo que é histórico, eu acredito que muitas coisas aconteceram devido a isso, mas não dá mais para usar como desculpa. O garimpo deve ser desvinculado de algo cultural, porque tem muita gente que não tem noção do potencial de destruição que o garimpo tem”, analisa a médica.

Sesai faz o resgate nas comunidades mais distantes. (Foto: Antônio Alvarado | Urihi)

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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/625972-criancas-yanomami-foram-as-maiores-vitimas


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