O fenômeno é observado em mulheres que não sabem que têm a doença e tentam dar à luz o primeiro bebê. Cientistas também detectam uma associação entre a enfermidade crônica e um número menor de filhos

 

Isabella Almeida
postado em 05/07/2023 06:00 - Correio Braziliense

 

O diagnóstico da doença demora cerca de sete anos. No estudo, as mulheres descobriram quando tinham, em média, 35 anos. 
 -  (crédito: ROBYN BECK)
O diagnóstico da doença demora cerca de sete anos. No estudo, as mulheres descobriram quando tinham, em média, 35 anos. - (crédito: ROBYN BECK)

Além de causar dores incapacitantes, a endometriose pode estar ligada a uma redução significativa da fertilidade antes mesmo de ser diagnosticada. É o que mostra uma pesquisa publicada, nesta terça-feira (04/07), na revista Human Reproduction. Ao acompanhar mulheres ao longo de décadas, cientistas liderados pelo Hospital Universitário de Helsinque, na Finlândia, identificaram que o número de primeiros nascidos vivos foi a metade entre aquelas que não sabiam que tinham a doença quando comparadas às sem endometriose. Além disso, as voluntárias do primeiro grupo tiveram, de forma geral, menos filhos que as do segundo.

Oskari Heikinheimo, líder do estudo, afirma que as descobertas sugerem que os médicos que acompanham mulheres que têm menstruação dolorosa, dor pélvica crônica e planejam engravidar precisam levar em consideração um possível diagnóstico de endometriose. "Devem discutir com elas os possíveis efeitos na fertilidade (...), e o comprometimento da fertilidade deve ser minimizado oferecendo tratamento relevante para a endometriose sem demora", sugere, em nota.

Os cientistas avaliaram 18.324 mulheres, de 15 e 49 anos, e com o diagnóstico da endometriose entre 1998 e 2012. A equipe comparou esse grupo com 35.793 pacientes de idade semelhante e sem a doença. As voluntárias foram acompanhadas até um dos seguintes acontecimentos: ter um bebê nascido vivo, passar por esterilização, retirada dos ovários ou do útero, ou receber o diagnóstico cirúrgico de endometriose. O tempo médio de acompanhamento antes do diagnóstico cirúrgico foi de 15,2 anos, e a idade média no momento da descoberta da doença, 35 anos.

Aproximadamente 40% das pacientes com endometriose e 66% das sem a condição deram à luz um bebê nascido vivo durante o período de acompanhamento. Ao analisar os dados, os pesquisadores perceberam uma taxa cada vez menor de primeiros nascidos vivos em mulheres com a doença. Além disso, a idade delas na gestação pareceu interferir no processo. Entre as nascidas na década de 1940, a diferença nas taxas de nascidos vivos entre os dois grupos foi de 28%, e essa discrepância aumentou para 87% no período de 1970 a 1979.

Para os cientistas, os resultados, provavelmente, estão associados à idade avançada das mulheres quando tiveram o primeiro bebê, ao diagnóstico cirúrgico precoce da patologia e ao acúmulo de sintomas da doença. O número total de filhos também variou, chegando a uma média de 1,93 entre quem tinha a doença e 2,16 no outro grupo. "O possível efeito da endometriose no número desejado de filhos destaca a importância do diagnóstico precoce e do tratamento da doença", enfatiza Heikinheimo.

Pelve inflamada

Segundo Mariana Mendes, ginecologista do Hospital Santa Helena, em Brasília, o primeiro diagnóstico da doença demora cerca de sete anos. "E o acesso a cirurgia para diagnóstico, quando necessário, ainda não é muito difundido", completa. A maior interferência na gestação, aponta Mendes, não é no nascimento, mas na taxa de nascidos vivos. "A pelve inflamada se torna um ambiente muito hostil para o embrião tão sensível inicialmente. A 'casa' dele se encontra toda inabitável, dificultando a aderência na parede do endométrio, além de poder induzir a malformações incompatíveis com a vida", explica a especialista em endometriose.

Marina Almeida, ginecologista, obstetra e coordenadora do serviço de laparoscopia ginecológica de urgência do Grupo Santa, lembra que os efeitos na gestação variam conforme a gravidade da doença. "Se a endometriose tiver componentes uterinos, como a adenomiose — que ocorre quando o tecido endometrial que normalmente reveste o interior do útero cresce na parede muscular dele —, as taxas de descolamento de saco gestacional, sangramento e aborto podem acabar aumentando", afirma.

A médica sublinha a necessidade de fazer consultas de rotina. "A endometriose está diretamente ligada à qualidade de vida da mulher e ao planejamento familiar. O adiamento das condutas adequadas pode ser prejudicial. Sentir dor na relação sexual não é normal, ter cólicas incapacitantes dentro e fora do período menstrual também não", diz.

Mais estudos

Os autores do estudo ponderam que, apesar de a pesquisa englobar um número grande de participantes, há algumas lacunas a serem preenchidas em futuros trabalhos. O ensaio focou apenas na endometriose confirmada cirurgicamente, por exemplo, o que pode ter deixado de fora mulheres com sintomas mais leves submetidas a tratamentos. Também não foi possível descartar o possível efeito dos tratamentos de fertilidade ou para a adenomiose.

O próximo passo do estudo será estudar as taxas de fertilidade após o diagnóstico e o tratamento da endometriose. "Esperamos que a fertilidade das mulheres com endometriose alcance a das mulheres sem a doença após o tratamento cirúrgico", aposta Heikinheimo.

Palavra de especialista: Dificuldade no diagnóstico

"A prevalência exata da endometriose é desconhecida, mas as estimativas variam de 2% a 10% na população feminina em geral e chegam a 50% das mulheres inférteis. Apesar disso, ainda existe uma grande lacuna entre o início dos sintomas e um diagnóstico confiável. Por isso, a enorme importância de continuar estudando essa doença. Embora nem todas as mulheres com endometriose sejam sintomáticas, os principais sintomas estão associados com cólica, dor durante as relações sexuais, na miccão e até mesmo na na evacuacão. Pacientes podem se confrontar com a infertilidade, sendo um dos principais problemas. Dessa forma, quando há sintomas semelhantes à endometriose ou quando o diagnóstico é fechado, deve-se avaliar a reserva ovariana e passar por uma consulta com ginecologista especialista em reprodução humana."

Gabriella Ferreira, ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana no Huntington Brasília e no Cuidar Mulher, do Hospital Santa Lúcia, em Brasília.

 


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