Apesar de pouco valorizado, o trabalho de cuidado é essencial para nossas sociedades – e também uma importante questão econômica
Você já pensou na importância do trabalho de cuidar de crianças, idosos e pessoas com doenças e deficiências físicas e mentais, além do trabalho doméstico diário que inclui cozinhar, limpar, lavar, consertar coisas e buscar água e lenha?
Se ninguém investisse tempo, esforços e recursos nesse trabalho de cuidado, comunidades, locais de trabalho e economias inteiras ficariam estagnadas.
Isso foi o que revelamos em nosso novo relatório Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. Mulheres e meninas ao redor do mundo dedicam 12,5 bilhões de horas, todos os dias, ao trabalho de cuidado não remunerado – uma contribuição de pelo menos US$ 10,8 trilhões por ano à economia global. Isso dá mais de três vezes o valor da indústria de tecnologia do mundo.
Além disso, as mulheres e meninas são responsáveis por mais de três quartos do cuidado não remunerado realizado no mundo, e representam dois terços da força de trabalho envolvida em atividades de cuidado remuneradas.
Com isso, o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago é praticamente invisível. Ele perpetua a desigualdade econômica e de gênero – e é perpetuado por ela. Por isso o trabalho de cuidado é uma importante questão econômica.
Discriminação de gênero, raça e etnia
Em todo o mundo, o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago é desproporcionalmente assumido por essas mulheres e meninas em situação de pobreza. E isso acontece especialmente com quem pertence a grupos que, além da discriminação de gênero, sofre preconceito em decorrência de sua raça, etnia, nacionalidade, sexualidade e classe social.
O trabalho de cuidado é extremamente subestimado e desvalorizado por governos e empresas, sendo muitas vezes considerado um “não trabalho”. Os gastos com esse tipo de trabalho são considerados custos e não investimentos. Assim, os cuidados prestados se tornam invisíveis em indicadores de progresso econômico e agendas de políticas.
A precarização do trabalho de cuidado remunerado
Além de todo esse trabalho de cuidado em casa, sem remuneração, muitas mulheres em situação de pobreza também cuidam de outras pessoas. É o caso das trabalhadoras domésticas, uma das categorias profissionais mais exploradas do mundo.
Somente 10% das trabalhadoras domésticas são protegidas por leis trabalhistas gerais como as demais categorias. E apenas cerca de metade dessas trabalhadoras desfrutam da mesma proteção em termos de salário mínimo.
Além disso, mais da metade de todas as trabalhadoras domésticas não têm limite para a jornada de trabalho previstos na legislação nacional. Nos casos mais extremos de trabalho forçado e tráfico de mão de obra, as trabalhadoras domésticas se veem presas nas residências de seus patrões, com todos os aspectos de suas vidas controlados, o que as torna invisíveis e desprotegidas.
Estima-se que US$ 8 bilhões sejam retirados todos os anos das 3,4 milhões de trabalhadoras domésticas que se encontram em situação de trabalho forçado no mundo, cifra equivalente a 60% dos seus salários devidos.
Trabalho de cuidado é também uma questão econômica
Sendo assim, a pesada e desigual responsabilidade pelo trabalho de cuidado perpetua as desigualdades de gênero e econômica. Ela prejudica a saúde e o bem-estar de trabalhadores de cuidado – em sua maioria mulheres – e limita sua prosperidade econômica ao ampliar diferenças de gênero no emprego e nos salários.
Essa desigualdade é evidente também na renda. Como mostramos no relatório País Estagnado – Um Retrato das Desigualdades Brasileiras, a equiparação de renda entre homens e mulheres no Brasil teve um recuo pela primeira vez em 23 anos.
Além disso, as mulheres e meninas que assumem o trabalho de cuidado têm pouco tempo para si mesmas e, portanto, não conseguem satisfazer suas necessidades básicas ou participar de atividades sociais e políticas.
Na Bolívia, por exemplo, 42% das mulheres afirmam que o trabalho de cuidado constitui o maior obstáculo à sua participação na política. No Brasil, as mulheres representaram apenas 32% das candidaturas em 2018 e foram só 15% das parlamentares eleitas.
Vivendo na pele
Conheça Arlene e Ruth, duas mulheres filipinas que vivenciam as desigualdades do trabalho de cuidado não remunerado:
Arlene Cinco é autônoma e mãe de 4 filhos. Ela gosta de passar tempo com seus filhos assistindo TV juntos. No entanto, ela raramente tem tempo para fazer isso, pois passa o dia todo trabalhando para ganhar dinheiro e fazendo todo o trabalho de cuidado para sua família.
O marido de Arlene, Eduardo, sofreu um derrame em 2016 e ficou com paralisia. Agora, ela é a única pessoa que trabalha na casa para pagar comida, eletricidade, impostos, além dos remédios do marido. Ela vende comida e chá de gengibre para professores e estudantes, oferece serviços de manicure e, às vezes, lava a roupa para fora para conseguir um dinheiro extra.
Além de todo esse trabalho, ela também passa horas com o trabalho de cuidado em casa, como indo buscar água e comprar mantimentos e remédios, dar banho no marido e fazer as tarefas domésticas.
Ruth é mãe de 7 filhos. A maternidade é um trabalho de período integral, mas ela o faz com muito orgulho. Ruth é a primeira a acordar na casa, para dar comida para as crianças e arrumá-las para a escola. É também a última a dormir, mas só depois de limpar a casa e lavar as roupas de todos.
O marido, motorista, ajuda quando pode. Especialmente após o nascimento do último bebê, ele lava a roupa e sai para pegar água. Se Ruth tivesse mais tempo livre, ela gostaria de ter seu próprio negócio.
fonte: https://www.oxfam.org.br/blog/trabalho-de-cuidado-uma-questao-tambem-economica/