A jurista Soraia Mendes faz uma análise sobre o cenário de ataques à democracia e expectativas de como o próximo governo deve prosseguir nos julgamentos e punições

 

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Por Soraia Mendes

 
 

Nos termos da Constituição, como dispõe o art. 4º, VIII e o art., 5º, XLIII, o Brasil, despreza veementemente o terrorismo. E outro sentimento que não o de desprezo, entendo eu, deve ser o de todos, todas e todes diante das cenas vistas da noite da última segunda-feira (12), na Capital Federal. Ao menos assim deve sentir quem defende a democracia, imagino…

Terrorismo, por outro lado, não é um termo unívoco. De maneira que, embora até possamos entendê-lo e usá-lo em seu sentido político, juridicamente, de acordo com a jurisprudência do STF, ele não é tomado como crime político.

Por sinal, como consta em voto do então Ministro Celso de Mello, na Extradição 855, “o Estado brasileiro assumiu, perante a Nação, expressivo compromisso de frontal hostilidade às práticas terroristas, tanto que, ao proclamar os princípios fundamentais que regem as relações internacionais do Brasil, enfatizou, de modo inequívoco, o seu repúdio ao terrorismo”.

Como segue o Ministro em seu voto é justamente o “total desprezo constitucionalmente manifestado pelo Estado brasileiro aos delitos de índole terrorista impede que se aplique, a estes, a norma de proteção constante do art. 5º, LII, da Constituição, que veda a extradição de estrangeiro por crime político.”

Nesse mesmo julgado também se lê que o rechaço ao terror engloba, inclusive, a determinação para que a legisladora e o legislador comuns dispensassem às pessoas autoras deste tipo de crime, nas palavras do Ministro “tratamento penal mais severo, compatível com aquele já previsto para os delitos hediondos”.

Acontece que a lei 13.260/2016, ao dispor sobre as questões investigatórias e processuais necessárias para a punição do terrorismo, acabou definindo-o como “a prática por um ou mais indivíduos de atos tais como sabotar o funcionamento de meio de comunicação ou de transporte ou apoderar-se de locais onde funcionem serviços públicos essenciais ou de instalações militares”. Mas, observem, desde que as ações sejam realizadas “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.

Ao condicionar dos atos à finalidade e à motivação acima descritas acabou-se por restringir o alcance do tipo penal. O que, aliás, teve muita razão de ser, pois a elaboração da lei foi marcada por intensos debates.

De um lado estavam parlamentares defensores e defensoras dos direitos e liberdades que, lograram deixar claro no parágrafo 2º., do artigo 2º. da lei que ela “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais”.

E de outro lado, estavam próceres da direita e da extrema direita que desejavam o “rigor da lei” em defesa (sempre…) do “cidadão de bem”. Sim, este mesmo “cidadão patriota” que desde 30 de outubro obstrui vias públicas, acampa em frente quartéis e, agora, queima transporte coletivo, invade instalações da Polícia Federal e por aí vai…

Irônico? Nunca! Para essa gente terroristas serão sempre os outros, isto é, feministas, estudantes, sem-terra, sindicalistas, ambientalistas etc..

Enfim, a súmula dessa breve análise é a de que considerando o tipo penal, penso que as ações bolsonaristas não se enquadram criminalmente como terrorismo. Embora possamos assim rotulá-las, dado sentido político das violações que representam.

Com isso não quero dizer que sejam condutas menos graves. Pelo contrário, tudo o que vimos nesta semana em Brasília demonstra que não se trata de uma mera insatisfação com o resultado eleitoral de grupos tresloucados que se agarram a para-choques de caminhão ou fazem sinais a extraterrestres com celulares. Tampouco o que os camisas verde-amarela têm promovido não é mero vandalismo.

O que essa horda objetiva é rasgar a Constituição e instaurar um modelo de Estado ditatorial. Desejam, enfim, abolir o Estado de Direito e a democracia.

E tudo isso, que já é muito grave, será ainda mais, em sendo comprovado que o GSI está envolvido ou capitaneando essa orquestração terrorista (em sentido político amplo), como recentemente noticiado pela Revista Fórum.

Em meu entender, comprovado que o comando dos atentados à democracia esteja assentado dentro da “Inteligência” brasileira, não haverá dúvidas de que estejamos diante de crime contra as instituições democráticas consistente, de acordo com o Código Penal, em “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”.

Um crime apenado com reclusão de apenas entre 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da sanção correspondente à violência. É pouco, muito pouco, digo eu, com todo o risco de ser “etiquetada” como “punitivista” por algum/a incauto/a.

Os direitos e as liberdades civis, políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais que devem ser garantidos sob o mando do Estado Democrático compõem bem jurídico de valor imensurável, de maneira que o ataque a ele exigiria, a meu ver, a maior de todas as respostas possíveis em nosso ordenamento.

Frente a tudo isso, penso que do futuro governo Lula, o que se espera não pode ser nada mais, nada menos do que o cumprimento da lei, dentro do devido processo legal. Ou seja, que ele se oriente e aja no oposto aos sigilos e às perseguições, às mudanças de comando da polícia federal e outras façanhas autoritárias que vimos ao longo desses (longos!) quatro anos de fascismo.

Contudo, de outro lado, como já escrevi em outros artigos e falei em entrevistas, espero muito que o novo governo não seja o da mesa de negociação com violadores e violadoras dos Direitos Humanos.

Desejo também (e quero muito que meu desejo se realize) que o novo chefe de Estado, nos limites de sua competência, se digne a usar o prestígio de ser a “maior liderança da esquerda na América Latina” também dentro de seu próprio país para promover um chamamento nacional para a justiça, a verdade, a memória e a reparação.

Precisamos de Justiça de Transição, Presidente Lula!

Anistia nunca mais!

 

Soraia Mendes é jurista, doutora em Direito, Estado e Constituição com pós-doutorado em Teorias Jurídicas Contemporâneas, mestra em Ciência Política, com atuação e obras reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

 

fonte: https://catarinas.info/colunas/entre-terrorismo-e-crime-contra-a-democracia-a-resposta-e-anistia-nunca-mais/

 

 

O dia em que Brasília viveu seu Capitólio

Violência bolsonarista na diplomação de Lula aponta: a reconstrução nacional exige punir ataques à democracia. Governo “sainte” cala-se – e vazio político é ocupado pela chapa vencedora, que promete: não haverá anistia ao caos planejado

 

 

Por Rodolfo Lago, no Congresso em Foco

Neste momento, a única coisa que Flávio Dino é oficialmente é senador eleito pelo PSB do estado do Maranhão. O fato de ter sido anunciado pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva como futuro ministro da Justiça não lhe confere nenhuma autoridade.

No entanto, por volta da meia-noite desta segunda-feira (12), era Flávio Dino quem aparecia ao lado do secretário de Segurança do Distrito Federal, Júlio Cesar Danilo Souza Ferreira, para, em uma entrevista coletiva, afirmar que os responsáveis pelos atos terroristas do dia seriam responsabilizados. Ao lado dos dois, uma outra pessoa que oficialmente ainda é somente um delegado: o futuro diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues.

Enquanto Dino já falava como autoridade, Andrei já falava como chefe dos policiais federais e Júlio Cesar parecia ali reconhecer como real a autoridade de ambos, o atual ministro da Justiça, Anderson Torres, jantava em um restaurante de Brasília como se nada estivesse acontecendo.

São tempos estranhos. Já eram tempos estranhos. O Congresso Nacional discute no momento uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) cujo texto foi enviado pelo futuro governo, e não pelo governo atual. O mutismo de Jair Bolsonaro provoca um evidente vácuo de poder. E a física da política já ensina há tempos que nela não há vácuo, todo vazio acaba sendo ocupado.

A verdade, porém, é que nada disso acontece por acaso. O que se escreveu ontem em Brasília é o bizarro roteiro do Capitólio repetido como farsa. Lá, a confusão aconteceu quando o Congresso dos Estados Unidos faria oficialmente a confirmação da vitória eleitoral de Joe Biden contra Donald Trump. Assim é lá o processo. Aqui, a confusão aconteceu no dia em que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) diplomou Lula como presidente eleito, que é por aqui a confirmação oficial do resultado. Na invasão do Capitólio, morreram cinco pessoas. Aqui, felizmente ninguém morreu. Por pouco, porque tentaram jogar um ônibus de cima de um viaduto.

O vácuo que leva Flávio Dino a assumir o posto de Anderson Torres enquanto ele janta tranquilo é algo pensado. Por mais que esteja de fato deprimido, Bolsonaro enclausura-se em seu mutismo justamente para produzir sinais trocados. O pouco que ele fala não é dito claramente para produzir variadas interpretações. Os bolsonaristas não são claramente estimulados para radicalizar, mas também não são desestimulados a deixarem seus acampamentos em frente aos quarteis do Exército. Acampamentos que só continuam porque têm financiamento de alguém para isso.

Grupos de whatsapp bolsonaristas têm se especializado a tentar decifrar mensagens em cada fiapo de fala de Bolsonaro. Decifrar como for mais conveniente para cada um. Ou seja: Bolsonaro nada diz claramente para não se comprometer claramente com os atos terroristas. Mas também nada faz para contê-los.

O caos produzido na segunda-feira é algo estrategicamente pensado. E não é difícil chegar a essa conclusão. Os bolsonaristas contestam uma eleição legítima. Feita da mesma forma como as eleições vêm sendo feitas há anos. Sem qualquer fraude comprovada. Não há, portanto, nenhuma razão objetiva para contestar o seu resultado.

Mas os grupos bolsonaristas na frente dos quarteis pedem uma “intervenção militar”. Apegam-se a uma interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição, que define o papel das Forças Armadas. No caput do artigo, entre as atribuições definidas para as Forças Armadas está “a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer deles, da lei e da ordem”.

A interpretação distorcida que aí se faz é de que as Forças Armadas, caso haja uma grave situação de atentado à lei e à ordem, poderiam intervir para por fim ao caos. Então, produz-se o caos. Imaginando que, se o caos avançar em uma escalada incontrolável, se apele aos militares para que intervenham.

A primeira coisa que precisa ficar clara na leitura da Constituição é que qualquer ação de iniciativa das Forças Armadas nesse sentido é golpe. Como foi em 1964. Ações para garantir a lei e a ordem só podem acontecer “por iniciativa” de algum dos três poderes: Executivo, Legislativo ou Judiciário.

O decreto 3987 de 24 de agosto de 2001 dá somente ao presidente da República a prerrogativa de uso das Forças Armadas para ações de segurança no que ficou conhecido como Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Essa prerrogativa já foi usada algumas vezes. Michel Temer usou a GLO para acabar com a greve dos caminhoneiros.

O problema é que avançar a partir daí para o que parecem pretender os radicais bolsonaristas é avançar para bem longe das “quatro linhas da Constituição”. Bolsonaro poderia vir a aplicar a GLO para por fim a atos terroristas que ele, se não estimula claramente, claramente não desestimula? Se viesse a usá-la, teria que ser para pacificar o país e trazê-lo de volta à normalidade.

Nesse caso, a única normalidade possível é respeitar o resultado das eleições, que conferiram vitória a Lula. O uso das Forças Armadas neste momento já iria parecer um abuso. Mas qualquer uso para além da manutenção da democracia e dos seus processos seria desrespeitar a Constituição.

Mas os bolsonaristas tocam fogo na sua Roma, Brasília. No Palácio da Alvorada, Bolsonaro toca a sua lira. Como não sabe tocar nem campainha, produz, como diria Paulinho da Viola, “uma pausa de mil compassos”. Mas esse silêncio é deliberado. E ensurdecedor…

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fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/o-dia-em-que-brasilia-viveu-seu-capitolio/

 

 


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