Quase lá: Slam de resistência: vivências de mulheres negras são contadas em batalhas de poesia

Artigo veiculado em publicação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP analisa o uso da poesia em batalhas de rimas como maneira de trazer visibilidade às narrativas de mulheres negras

  Publicado: 22/03/2024 - Jornal da USP
slam batalha de poesia
O slam, competição de poesia falada, surgiu na década de 1980, em Chicago, nos EUA – Fotomontagem Jornal da USP – Fotos: Sergio Silva/Youtube


Com o microfone na mão e as palavras na ponta da língua, artistas declamam suas histórias em forma de poesia e aguardam a nota dos jurados nas periferias do País. Durante três minutos, as poetisas e poetas contam em rimas suas vivências pessoais e tecem críticas sobre seu papel na sociedade.  

Esse é o cenário do slam, competição de poesia falada que surgiu na década de 1980 em Chicago, nos Estados Unidos. O slam foi trazido ao Brasil em 2008 por Roberta Estrela D’Alva, atriz e MC, e continuou ganhando vida na periferia. Segundo o Slam Br, campeonato brasileiro, o Brasil atualmente conta com 210 grupos de slams espalhados pelo território. A competição busca amplificar vozes de poetas de diferentes origens, que apresentam seus textos sem auxílio de música ou figurino, somente voz e interpretação.

Tudo isso está descrito no artigo Revolta da caneta: as escrevivências de mulheres afro-brasileiras através da poesia do slam no Campeonato Paulista de Poesia Falada de 2022, de Laura Ferreira de Abreu, pesquisadora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da USP, e Vinicius Romanini, docente do Departamento de Comunicações e Artes também da ECA.  O artigo, que integra a mais recente edição da revista Anagrama, buscou analisar o conteúdo dos textos declamados na final do campeonato paulista de slam em 2022.

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“Slam” é voz de identidade e resistência dos poetas contemporâneos

Apesar de os slams serem de tema livre, os textos geralmente se voltam para experiências pessoais dos competidores e críticas sociais. “O slam pode ser entendido não apenas como uma expressão  artística, mas um espaço para descolonizar a fala e para manifestar narrativas que não possuem liberdade de circular em outros espaços culturais e hegemônicos”, afirmam os autores.

Na fase final do campeonato havia cinco mulheres negras do total de seis finalistas: Matriarcak, do Slam do Verso, que foi a campeã da competição; Apêagá, do Slam do Bronx; Tawane Theodoro, do Slam do 13zinho; Vickvi, do Slam Bzola; e Tairini, do Slam Independente. O artigo se preocupa em entender como as vivências dessas mulheres são contadas nas suas poesias. Para isso se utiliza do conceito de “escrevivências”, da autora Conceição Evaristo.

Por meio do neologismo, criado por Conceição a partir das palavras “escrever” e “vivências”, os autores do artigo analisam as letras declamadas por essas cinco mulheres negras durante a final estadual. “A premissa deste conceito é aquela já trazida anteriormente: as escritas dos indivíduos negros são carregadas pelas vivências impostas a eles por meio do cenário de discriminação e racismo estrutural”, informam os autores no artigo. 

O que dizem as mulheres negras do slam?

Dentre todos os aspectos analisados nos textos da competição, um dos mais importantes é que as escrevivências estão sempre presentes entre as linhas. As experiências das competidoras, transformadas em poesia, trazem consigo marcas muito particulares do que é ser uma mulher negra, mesmo quando o “ser mulher negra” não é a temática principal. 

Os autores chamam a atenção para o fato de que o corpo da mulher negra é um corpo político por si só, desencadeando uma das temáticas comuns nos textos: o estereótipo da mulher negra como forte e agressiva, “o que desumaniza e produz sequelas mentais nelas”, afirmam.


Tawane Theodoro – Foto: Reprodução/Slam Digital

Somos da nova geração
da luta
a salvação de todo o pessoal mas nunca individual me empurraram o estereótipo de forte
e eu não consegui recuar
hoje eu só tenho a certeza que eu não posso errar
é que eu sou pesada demais
e tá foda de me aguentar
o quanto a militância já te salvou
mas o quanto ela já te abalou
e isso cansa

Tawane Theodoro, poeta

De acordo com a análise, a imposição desses adjetivos à mulher negra é uma maneira de tentar impedi-la de ocupar outros espaços e resumi-la àquilo que a discriminação diz que seu corpo tem a oferecer: força e sexualidade. “Pressupor que a mulher negra é um indivíduo forte, é violento e uma forma de justificar todas as violências pelas quais elas passam”, comentam os pesquisadores.

Laura e Romanini observam também a interseccionalidade que aparece de forma latente nos relatos. Para eles, é impossível dissociar raça, gênero e classe quando o assunto é a mulher negra. Os textos das poesias analisadas confirmam essa hipótese ao carregarem marcas raciais, mesmo quando o assunto principal é a violência de gênero, por exemplo.

Matriarcak, poeta vencedora do SlamBr 2022 e bicampeã estadual – Foto: Reprodução/Slam Digital

Você diz que eu sou gostosa
mas não quer se envolver comigo
não, na verdade você até se envolve
mas nunca apresentou para os amigos

Matriarcak, poeta

A participação no slam e a tradução das experiências em versos e poesia são maneiras de colocar essas mulheres em pauta e mostrar uma narrativa diferente do que normalmente se vê nos espaços culturais. Os versos também servem para que elas possam expressar suas lutas, pensamentos sobre o mundo em que vivem e a autoidentificação — elementos presentes nas rimas.

Passei por quatro anos de transição
quatro anos de humilhação e zero aceitação
pra hoje em dia branco vir falar
que eu tô usando black porque tá na moda
há 10 anos atrás cê falou que era feio
há quatro anos mandou eu alisar meu cabelo […]

VickVi, poeta

O slam se mostra um lugar de diversidade e possibilidade de trazer ao microfone histórias que muitas vezes são impedidas de serem contadas. O público ouve as rimas e descobre por meio delas a luta de cada uma das artistas.

“O slam como um produto cultural, ou melhor, como expressão artística, se converte em um espaço de escuta, acolhimento e compartilhamento de vivências que precisam ser ouvidas pelo público. São escritas não só de desabafo social, mas também de denúncia sobre as opressões sistêmicas que estas mulheres sofrem”, afirmam Laura e Romanini.

Revista Anagrama

Revista Anagrama, chefiada pela professora titular do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE) da ECA Mayra Rodrigues Gomes, tem periodicidade semestral e é feita pelo Grupo de Estudos de Linguagem e Práticas Midiáticas (MidiAto), que realiza estudos de linguagem e práticas midiáticas. A revista tem foco em mídias e na comunicação social a partir de uma ótica interdisciplinar e recebe artigos de todo o País.

De acordo com o MidiAto, o principal objetivo da revista é a divulgação de produções acadêmicas e científicas de graduandos de todas as áreas que, mesmo com grande volume, muitas vezes acabam não sendo aproveitadas por revistas científicas convencionais. 

Além da Anagrama, o grupo também atua como editor da RuMoRes, outra revista científica da USP. Esta, porém, direcionada à divulgação de produções que contribuam para o debate sobre comunicação, cultura e mídia.

*Texto de Larissa Leal, do Laboratório Agência de Comunicação (LAC). Adaptado por Guilherme Ribeiro

fonte: https://jornal.usp.br/diversidade/slam-de-resistencia-vivencias-de-mulheres-negras-sao-contadas-em-batalhas-de-poesia/

 


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