Passados 48 anos da morte de Herzog e 38 do fim da ditadura militar, o Brasil ainda convive com as sombras do passado e com as ameaças ao regime democrático
Em 25 de outubro de 1975, há quase meio século, o jornalista Vladimir Herzog foi torturado e morto por agentes do Estado nas dependências do Departamento de Operações de Informação — Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), órgão subordinado ao II Exército de São Paulo. O assassinato de Herzog, então diretor de jornalismo da TV Cultura, desencadeou uma onda de indignação social. Dias depois do crime, milhares de pessoas desafiaram um enorme aparato policial para realizar um ato ecumênico na Praça da Sé em homenagem ao jornalista e às demais vítimas da repressão e da violência do Estado. A sociedade brasileira dizia não à ditadura e iniciava ali um novo capítulo de mobilização para a reconquista da democracia.
Passados 48 anos da morte de Herzog e 38 do fim da ditadura militar, o Brasil ainda convive com as sombras do passado e com as ameaças ao regime democrático. De todos os países da América Latina que viveram sob regimes ditatoriais militares na segunda metade do século passado, o Brasil é o único que jamais aplicou punições àqueles que, na condição de servidores do Estado, praticaram crimes de tortura e assassinato contra seus compatriotas.
A impunidade tem consequências. Uma delas é servir de incentivo, por exemplo, aos golpistas que planejaram, financiaram e executaram os ataques à Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro deste ano, em Brasília. O plano, longamente ensaiado, era subverter o resultado das urnas e provocar uma nova intervenção militar no País. A democracia esteve por um fio, mas seus inimigos, desta vez, foram contidos e, espera-se, responderão todos à Justiça por seus atos. A fragilidade da democracia brasileira não se evidencia apenas pela ousadia dos que buscam pela força jogar o País no abismo do passado. Ela se manifesta também na intolerância crescente ao que é diferente, nos discursos e atos marcados pelo ódio, na violência que permeia as relações cotidianas de uma sociedade que permanece uma das mais desiguais do planeta.
Exatamente por essa razão, o 25 de outubro, data da morte de Vladimir Herzog, projetou-se ano após ano como símbolo de resistência ao autoritarismo e se incorporou informalmente ao calendário brasileiro como data de celebração da democracia. Há cinco anos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por negligência na investigação do assassinato do jornalista Vladimir Herzog, classificado como crime de lesa humanidade, e estabeleceu uma série de medidas reparatórias, a maioria delas ainda ignoradas.
Fortalecer a democracia, a educação para a democracia e o compromisso de todos os brasileiros com a defesa da democracia é a reparação mais importante que podemos almejar. Por isso, o Instituto Vladimir Herzog e outras 104 entidades e movimentos reivindicam do Estado brasileiro que oficialize esta data de 25 de outubro como Dia Nacional da Democracia. A mesma demanda consta do Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigou os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro, de autoria da Senadora Eliziane Gama.
O 25 de outubro, "data do brutal assassinato do jornalista Vladimir Herzog, evento inaugural do ocaso da ditadura que recaía sobre o país desde 1964", como afirma o relatório da CPMI, é uma data para acertarmos contas com o passado, preservar nossa memória e homenagear todos os brasileiros que lutaram pela democracia. Principalmente, é um dia para reafirmar nossa convicção de que o regime democrático é o caminho essencial para a construção de um futuro de justiça para todos.
Uma petição de apoio ao Dia Nacional da Democracia reúne mais de 6 mil adesões, entre elas as de personalidades como o compositor e escritor Chico Buarque, a escritora Conceição Evaristo, o fotografo Sebastião Salgado e o apresentador Luciano Huck. Você também pode fazer parte desse movimento! Manifeste seu apoio ao Dia Nacional da Democracia pelo site https://www.diadademocracia.org.br/
*Rogério Sottili é diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog
fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/opiniao/2023/10/5136358-artigo-dia-nacional-da-democracia.html