Quase lá: Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça (por Céli Pinto)

O golpe de 1964 e o não julgamento de suas lideranças têm tudo a ver com a perigosa situação que a frágil democracia brasileira viveu no governo Bolsonaro

 

Celi Pinto rsCéli Pinto (*)

Apesar de sua política de extermínio, o golpe militar de 31 de março de 1964 não conseguiu impedir que novas forças democráticas surgissem no Brasil e se associassem às que estavam exiladas. A primeira luta foi pela anistia, na década de 1970, depois a campanha pelas eleições diretas, nos primeiros anos de 80. A Anistia veio à meia pataca, as eleições diretas foram derrotas. Os dois eventos são reveladores de um processo contraditório. De um lado, havia forças democráticas, progressistas, de esquerda, que lutavam pela redemocratização do país. De outro lado, políticos, crias da ditadura, muitos, inclusive, nomeados pelos generais para governarem estados, capitais e outras cidades consideradas de segurança nacional, que precisavam se manter no poder. O pacto para isto foi claro: ficamos todos como se nada tivesse acontecido. Entre os militares os golpistas, os torturadores, as figuras abjetas, foram para casa, gozar dos seus polpudos soldos. Os mais jovens voltaram para os quartéis, para ensinar aos novatos na corporação os meandros da vida política.

O golpe militar de 31 de março de 1964 ficou impune, enquanto outros países do Cone Sul julgaram e colocaram na prisão militares golpistas e torturadores. O Brasil silenciou e pagou muito caro por isso. Quando um patético deputado federal teve a desfaçatez de, aos gritos, homenagear o coronel Brilhante Ultra por ter torturado barbaramente a Presidenta Dilma, apareceu a ponta do iceberg do que não tínhamos feito como país para nos tornarmos uma democracia razoável.

O golpe de 1964 e o não julgamento de suas lideranças têm tudo a ver com a perigosa situação que a frágil democracia brasileira viveu no governo Bolsonaro, bem como com a tentativa de golpe que estava na cabeça de generais tipo Augusto Heleno antes das eleições de 2022, como comprova a reunião filmada pelo incansável Mauro Cid. Golpe de estado para assegurar a continuidade da barbárie bolsonarista sempre esteve no horizonte do governo de Bolsonaro. A cultura do golpe não foi enfrentada no Brasil graças a acordos espúrios, o que deu espaço para os militares receberem quase com honras, décadas depois, os golpistas na frente de seus quartéis e darem guarida ao que aconteceu no dia 8 de janeiro de 2024, impedindo até que os depredadores do patrimônio público fossem presos, ao mantê-los protegidos nos acampamentos.

No próximo dia 31 de março o golpe militar de 1964 faz 60 anos. Isso deve ser lembrado, porque a história não existe para ser esquecida, não faz parte do passado. A história é presente, ela não dá exemplos ou ensina, isso é uma visão ingênua. Ela explica, traz elementos, dados para entendermos por que vivemos o que estamos vivendo.

Caro Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não é dando as mãos à direita golpista, reacionária, aos militares fantasiados de legalistas, que o senhor vai impedir o avanço desta extrema-direita raivosa. O Senhor, queria ou não, tem a marca de um lutador das causas populares, o senhor será sempre o operário que ousou chegar à presidência. Não adianta acenar à direita e aos militares, eles o trairão sempre que tiverem oportunidade. Esteja certo disto. O Senhor, presidente Lula, só se fortalecerá apoiado nas forças populares, democráticas e antifascistas.

Qualquer país que quer ter orgulho de se olhar no espelho tem de realizar atos que mostrem o profundo desprezo ao golpe militar de 1964 que jogou o país nos porões podres da tortura, que escamoteou mortes, que é responsável por desaparecimentos, que enfim, massacrou todos e quaisquer direitos dos cidadãos com atos institucionais de feições ditatoriais . Nós como brasileiros e brasileiras temos o dever, de promover muitas manifestações populares e oficiais para reafirmar que nunca mais aconteça, que nunca se esqueça. Não é se voltar para o passado, mas exatamente o contrário, é mostrar que o presente não esqueceu o passado, que o presente quer ser diferente, que podemos ter esperanças no futuro, sem temer ameaças golpistas, ao bel prazer de fascistas de ocasião.

(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS

fonte: https://sul21.com.br/opiniao/2024/03/para-que-nunca-se-esqueca-para-que-nunca-mais-aconteca-por-celi-pinto/

 


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