Também entre eles, aprovação do presidente cresceu. Seguiram atendência geral? Ou há, após o 8 de janeiro, uma espécie de voto de silêncio coletivo – possível estratégia para recomposição da base eleitoral e a busca de um novo messias?
Publicado 29/06/2023 às 16:16 - Atualizado 29/06/2023 às 16:18
Por Rafael Rodrigues da Costa, no Le Monde Diplomatique Brasil
Os evangélicos parecem estar distensionando sua rejeição ao governo Lula. Segundo a última pesquisa Genial/Quaest, divulgada dia 21, em junho a desaprovação dos evangélicos ao governo caiu 4 pontos percentuais (de 55% para 51%), enquanto a aprovação teria subido 5 pontos, de 39% para 44%. A melhora na economia parece ser a principal justificativa, mas não é a única explicação. Há uma estratégia em curso.
O aumento da popularidade do governo entre os evangélicos parece seguir uma tendência geral. Em todos os estratos sociais, a aprovação do governo aumentou. De acordo com a mesma pesquisa, entre abril e junho a aprovação geral do governo subiu 5% (de 51% para 56%), ao mesmo tempo em que a rejeição recuou 2% (de 42% para 40%).
A melhora nos indicadores econômicos parece ter sido decisiva para esse resultado. Para quase um terço dos entrevistados a economia brasileira melhorou nos últimos doze meses, um aumento de quase 10% em comparação ao levantamento anterior.
O bom resultado da economia parece compensar até mesmo as críticas ao governo. Em junho, a principal notícia negativa lembrada pelos entrevistados foi o encontro com Maduro (10%), enquanto as notícias positivas foram a redução no preço dos combustíveis (8%), o aumento no piso dos professores (6%) e a queda na inflação (4%).
Pela lente dos grandes números, o aumento da popularidade do governo Lula entre os evangélicos pode não soar tão significativo, mas é surpreendente. Sobretudo quando temos em mente que nos últimos meses as principais redes bolsonaristas evangélicas voltaram à ativa após as polêmicas envolvendo o PL das Fake News, as CPIs do MST e do 8 de Janeiro, a cassação do ex-deputado evangélico Deltan Dallagnol (Podemos-PR) e a visita do presidente venezuelano Nicolás Maduro ao Brasil.
Todos esses episódios envolveram em alguma medida temas sensíveis ao público evangélico (e bolsonarista) nos últimos anos. Liberdade de expressão, censura, invasão de propriedade, ditadura bolivariana no Brasil e a cassação de um político evangélico de grande prestígio – além das polêmicas sazonais associadas à Parada Gay e à Marcha para Jesus – tinham tudo para compor o cenário e o momento ideal para a retomada da ofensiva evangélica bolsonarista, o que não aconteceu.
A grande surpresa é que diante desse cenário o apoio dos evangélicos ao governo subiu enquanto a rejeição caiu. O que explica isso? A melhora econômica é certamente o fator determinante, mas há algo mais. Isso porque após o 8 de Janeiro parece haver entre os evangélicos uma espécie de voto de silêncio coletivo em relação à política. Talvez por medo ou por exaustão, nos últimos meses as lideranças evangélicas deixaram os temas políticos de lado para enfatizar pautas mais domésticas do cristianismo, como oração, santidade, evangelização etc.
Isso significa uma tendência de rompimento dos evangélicos ao bolsonarismo? É pouco provável. Até porque esse silêncio coletivo após a derrocada bolsonarista parece indicar, na verdade, um recuo estratégico das lideranças evangélicas a fim de recompor a sua base social ao mesmo tempo em que recupera o capital político para as próximas eleições.
Explico. Nos últimos anos as igrejas locais sofreram danos severos com a adesão enfática ao bolsonarismo, provocando debandadas, escândalos públicos e rachas internos em decorrência da radicalização política. Perder membros em massa é sempre traumático para as igrejas, sobretudo para as pequenas e médias, porque costuma provocar, além do esvaziamento dos cultos, efeitos colaterais como a perda de legitimidade das lideranças, crises de reputação e, claro, queda na arrecadação financeira. Adotar o silêncio coletivo, nesse sentido, torna-se uma estratégia útil para recuperar o prestígio junto à base sem precisar assumir autocrítica. É uma saída razoavelmente esperta para evitar polêmicas desgastantes (que poderiam exigir algum tipo de retratação pública ou responsabilização) ao mesmo tempo em que se preparam silenciosamente para a próxima ofensiva junto à extrema-direita.
Então embora os bons resultados da economia estejam de fato colaborando para distensionar o relacionamento difícil entre Lula e os evangélicos, o momento é menos de festa e mais de atenção. A aparente desidratação do apoio bolsonarista entre evangélicos é um efeito positivo da economia, mas também um recuo estratégico de um grupo influente e organizado que aos poucos se prepara para a chegada de “um novo Messias” na política, de preferência mais “terrivelmente evangélico” e conservador que o anterior.
Rafael Rodrigues da Costa é sociólogo, mestre em Ciências Sociais pela Unifesp e pesquisador visitante da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor convidado da pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP).