Rosana Onocko, psicanalista e presidente da Abrasco, sustenta: primeiro passo é reverter o subfinanciamento e estímulo às “comunidades terapêuticas”. Mas crise só será resolvida com o fim do sufoco material e psíquico imposto à população
Publicado 31/03/2023 às 09:25 - Outras Palavras
https://youtu.be/jM8euvWupaQ
A solução para os problemas de saúde mental da população brasileira terá de vir não só do SUS, mas de uma série de políticas públicas e iniciativas para que a vida comunitária seja recriada. Essa, em resumo, foi a reflexão que Rosana Onocko, psicanalista, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp e presidente da Abrasco, fez em 28/3 ao PULSO, programa de entrevistas do Outra Saúde.
O Brasil, frisou Rosana, conquistou algo muito importante com a Reforma Psiquiátrica, aprovada em lei em 2001 – uma das primeiras da América Latina. A ideia de tratar pessoas com transtornos mentais em manicômios ou instituições que limitavam seus direitos foi derrubada. Em seu lugar, entrou a Rede de Atenção Psicossocial (Raps) com dispositivos como os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) e muitos outros.
“A Rede articula outros dispositivos como os Consultórios de Rua, que estão vinculados à Atenção Primária mas que buscam dar assistência às pessoas em situação de rua”, enumera Rosana, “como também os centros de cultura e comunidade, onde se pode propiciar de uma forma mais cuidadosa e mais amparada o convívio das pessoas que têm problemas de saúde mental com a própria comunidade. Também há algumas experiências muito bem-sucedidas de trabalho em cooperativas de produção que permitem a essas pessoas retornar a uma vida produtiva.”
Os principais problemas que havia nesses programas de atenção à saúde mental eram, segundo ela, de cobertura e de articulação das redes. Mas um grande entrave foi posto a partir de 2016: os dados relacionados à Raps pararam de ser divulgados pelo ministério da Saúde, deixando no escuro os pesquisadores como Rosana, que estava no Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Abrasco na época. “A gente passou a dirigir um carro de olhos vendados”, lamenta.
Também na época do pós-golpe de 2016 uma lei que regularizou o financiamento às chamadas Comunidades Terapêuticas, uma volta ao modelo de tratamento isolado e com desrespeito a liberdades individuais, geralmente ligadas a igrejas, sobretudo evangélicas. Os governos Temer e Bolsonaro dão “torneira aberta” para grupos fundamentalistas, comenta Rosana. E, para ela, com a correlação de forças que há no Brasil, hoje, não conseguiremos nos livrar delas de um dia para o outro.
Mas sua fala deixa claro que a solução não está mesmo aí. O país está adoecido, em especial após a pandemia e o pandemônio que se abateram nos últimos anos. O isolamento trouxe angústia a todos, mas em especial a idosos e jovens, reflete ela. “Esse panorama da louvação da violência, do armamento da sociedade, do discurso de ódio, da intolerância, do desrespeito à diversidade, tudo isso produz um clima social muito ruim para a saúde mental”.
O Brasil foi um dos únicos países onde mecanismos de proteção foram minados durante a pandemia. Há uma relação muito forte entre a falta de emprego e o sofrimento mental, explica Rosana: “até mesmo o suicídio está vinculado à condição de trabalho precário e estressado. Se você não tem com quem relacionar, se não tem seus pares, o sindicato, os colegas de trabalho e nem um patrão, acaba jogando tudo para si mesmo. E se não dá conta de se virar sozinho, vira um ‘perdedor’ – e aí as pessoas estão jogando esse sofrimento contra si mesmas”.
Por isso, não é um problema que cabe apenas ao ministério da Saúde resolver. “Nós temos um desafio da saúde mental brasileira que é o de fazer um exercício inédito de transversalidade – que sempre esteve no discurso, mas nunca chegou à prática. Não tem como pensar a promoção de saúde sem pensar cultura, esporte, sem criar políticas antirracistas, sem combater o poder patriarcal.”
Rosana relembra o episódio do ataque à escola por um aluno de 13 anos, que aconteceu na segunda-feira em São Paulo, para pensar no sofrimento dos jovens brasileiros. “Nossos jovens perderam a esperança”, lamenta. “Nós temos que pensar em como fazer os jovens voltarem a ter esperança para estudar, trabalhar, suportar o esforço que é se deslocar nas cidades brasileiras. Para isso ele precisa acessar arte, cultura, espaços de convivência, cinemas, lugares de convívio.”