Tese, aprovada por 283 votos a favor e 155 contra, define como passíveis de titulação apenas as terras indígenas ocupadas quando da promulgação da Constituição.
IHU
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 30-05-2023.
Em uma sessão conturbada, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (30), por 283 votos a favor e 155 contra, o PL 490/07. O projeto libera Terras Indígenas para exploração de recursos naturais e fixa a tese do marco temporal, que define como passíveis de titulação apenas as terras indígenas ocupadas quando da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, entre outras mudanças.
A aprovação da proposta aconteceu em meio a intensos protestos pelo Brasil inteiro durante toda terça-feira. Indígenas de diversos povos se manifestaram em 20 diferentes estados do Brasil.
“Nós não queremos esse marco temporal, não aceitamos. Sabemos decidir o que estamos querendo. Querem impor como devemos viver. […] antigamente vocês fizeram da forma que vocês queriam, mas hoje a gente não aceita. Vocês querem acabar com a vida dos povos indígenas. Estamos pela vida, não ao marco temporal”, disse a liderança indígena da região do Alto Rio Negro, Belmira, do povo Baré, em fala nheengatu.
Ao longo do dia, diferentes organizações da sociedade civil publicaram suas opiniões contrárias ao projeto.
Cinco delas – Conectas, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Comissão Arns e Instituto Socioambiental (ISA) – enviaram, também nesta terça-feira, um apelo às Nações Unidas contra o projeto. Elas pedem que a ONU solicite ao Estado brasileiro o reconhecimento da inconstitucionalidade do projeto.
Personalidades e políticos também se manifestaram contra o PL 490.
Em sua conta no Twitter, a atriz Dira Paes pediu compromisso com o país e o futuro. “Esse futuro está sendo atacado no Congresso Nacional. Resistir só é possível se respeitarmos os povos indígenas, o meio ambiente e buscarmos outras formas de desenvolvimento. Sou contra esse projeto de lei!”
A chef Paola Carosella também disse ‘não’ à proposta. “O PL 490 não pode passar. É preciso sensibilizar toda a sociedade e parlamentares em defesa da Terra, da vida e dos povos indígenas. É uma questão humanitária”
No início da tarde, a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, reforçou o pedido para que o projeto fosse retirado de pauta. Ela lembrou que ele traz consigo outros 14 projetos apensados, que trazem outros retrocessos aos povos indígenas.
“É muito importante que a sociedade conheça e saiba os riscos, os perigos que esse PL 490, se aprovado, representa, não só para nós povos indígenas, mas para toda a população. O PL inviabiliza todo e qualquer processo de demarcação de terras indígenas e ainda resgata a PEC 215, que transfere a atribuição da demarcação das terras indígenas do poder Executivo para o Legislativo. O PL flexibiliza o licenciamento ambiental e autoriza a entrada ou o acesso de terceiros em territórios de povos isolados”, disse ela.
Para a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) o projeto é “genocida”. “Nesse momento fazemos um apelo. Quem insistir em votar o PL 490, serão compreendidos como os Cabrais do século XXI, nesse genocídio legislado”, disse em Plenário.
Um seminário sobre o assunto, organizado pela Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (CPOVOS) e pela Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial (CDHMIR), previsto para a manhã desta terça-feira, foi cancelado por “motivos de segurança”. Cerca de 300 pessoas já estavam no local para participar do evento.
Na parte da tarde, já durante a votação em Plenário, o Partido dos Trabalhadores tentou adiar a votação, mas o requerimento foi rejeitado, por 257 votos a 123.
Ao longo da votação, parlamentares contrários à proposta tentaram diversas manobras para retirar o projeto de pauta, alegando inconstitucionalidades, mas os pedidos não foram aceitos.
Após a aprovação, parlamentares de esquerda tentaram minimizar os efeitos da medida com a apresentação de dois destaques, que retiravam trechos polêmicos do texto, mas ambos também foram recusados pela maioria dos parlamentares. O texto vai agora para análise do Senado.
A tese do marco temporal também está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF). O julgamento será retomado no início de junho e, caso o Supremo decida pela inconstitucionalidade da tese, o trecho do PL 490 que trata do assunto também será invalidado.
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Ministério dos Povos Indígenas diz que marco temporal é "genocídio"
Deputados federais aprovaram nova regra de demarcação de terras
Publicado em 30/05/2023 - 21:58 Por Agência Brasil - Brasília
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O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) divulgou nota nesta terça-feira (30) em que classificou a aprovação do marco temporal pelos deputados federais como um “genocídio legislado”. A Câmara dos Deputados aprovou na noite de hoje o projeto de lei que estabelece o marco temporal para demarcação de terras indígenas. O projeto segue agora para o Senado.
Pelo projeto aprovado, serão consideradas terras tradicionais, passíveis de demarcação, as que foram ocupadas pelos povos indígenas até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Após essa data, as áreas não poderão ser demarcadas.
“O PL 490 representa um genocídio legislado porque afeta diretamente povos indígenas isolados, autorizando o acesso deliberado em territórios onde vivem povos que ainda não tiveram nenhum contato com a sociedade, nem mesmo com outros povos indígenas, cabendo ao Estado brasileiro atuar também pela proteção dos territórios onde vivem estes povos”, diz a nota.
Nas redes sociais, a ministra Sonia Guajajara afirmou que o PL é “um ataque grave aos povos indígenas e ao meio ambiente. Seguimos lutando pela vida. Ainda no Senado, dialogaremos para evitar a negociação de nossas vidas em troca de lucro e destruição. Não desistiremos!”.
O dia foi marcado por protestos de indígenas e manifestações de diversas entidades contra o projeto.
Pela manhã, indígenas guarani, que vivem no Pico do Jaraguá, em São Paulo, bloquearam a Rodovia dos Bandeirantes, na altura do km 20, no sentido São Paulo, para protestar.
“Recuar, para nós, não é uma opção. Vamos resistir, vamos nos posicionar e, se tentarem fazer reintegração de posse a qualquer terra indígena, é necessário entender que vão precisar tirar nossa vida. O território é o que nós somos. Se tiver que resistir, se tiver que lutar, se tiver que tombar para que outros continuem erguidos na luta, vamos fazê-lo. Recuar, para nós, não é opção. Independentemente de qualquer ameaça que se coloque à nossa vida, são mais de 500 anos sob essa violência, são mais de 500 anos dessa ignorância e não vai ser nessa geração, na minha geração, que vamos nos curvar”, disse Thiago Karai Djekupe, lideranças da terra indígena Jaraguá, à Agência Brasil.
A Polícia Militar (PM) usou bombas de gás e jatos de água contra os manifestantes.
O escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos na América do Sul divulgou alerta cobrando das autoridades brasileiras “medidas urgentes em prol dessas populações, conforme as normas internacionais de direitos humanos”. Segundo o órgão, iniciativas como essa, do Congresso Nacional, “arriscam a proteção dos povos indígenas no país”..
A organização internacional Human Rights Watch também manifestou grande preocupação com a votação do marco temporal. Em comunicado, a organização disse que “o Congresso brasileiro deveria rejeitar um projeto de lei que adota marco temporal arbitrário para o reconhecimento de terras indígenas”.
Servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) realizaram, no início da tarde, uma vigília, em protesto.
Edição: Carolina Pimentel
31 Mai 2023
A Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (30) por maioria (283 a 155 votos e uma abstenção) o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que estabelece o marco temporal para restringir as demarcações de Terras Indígenas no Brasil. Numa tentativa de atropelar a análise do tema no Supremo Tribunal Federal, a urgência foi aprovada na última quinta-feira (25), concorrendo com diversas matérias que enfraquecem o já fragilizado cenário de proteção socioambiental brasileiro.
A reportagem é publicada por Justiça Global, 30-05-2023.
Ao limitar o direito dos povos originários à terra e ao território à data de promulgação da recente Constituição de 1988, a Câmara dos Deputados corrobora com a violência reiterada ao longo da história brasileira que persiste e tem impacto até hoje, num ato muito conveniente aos interesses dos setores ruralistas, mineradores, grileiros e outros – que parecem ter cidadania mais valorosa perante Congresso -, já que apenas a partir do texto de 1988 os direitos territoriais indígenas passaram a ser reconhecidos pelo Estado brasileiro. Assim, fazer com que os indígenas comprovem a presença física na terra reivindicada em outubro de 1988, é apagar sua história, além de desconsiderar toda a violência que esses povos sofreram e sofrem.
A tese jurídica do marco temporal surgiu em 2009 em parecer da Advocacia-Geral da União, sobre a demarcação da Terra Raposa-Serra-do-Sol (Roraima), favorecendo produtores de arroz que chegaram à região no início da década de 1970 e antigos fazendeiros. O marco temporal se baseia na esdrúxula tese jurídica de que, pelo fato do texto constitucional usar o verbo no presente ao falar “terras tradicionalmente ocupadas”, estaria limitando o reconhecimento às terras ocupadas na data de sua promulgação. O caso Raposa Serra do Sol é discutido até hoje na esfera internacional, em razão de uma denúncia em análise pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
A Constituição de 88 utiliza, inclusive, a expressão “direitos originários” para se referir aos direitos indígenas sobre o território, o que remete ao caráter imemorial deste direito, que precede qualquer reivindicação privada sobre determinada terra. Por conta disso, o processo de demarcação, que é o instrumento pelo qual o Estado reconhece uma Terra Indígena, identificando e sinalizando seus limites, é ato declaratório que deve realizar esse direito imemorial.
Mas outro caso também é ilustrativo da gravidade desta situação: uma parte da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, onde vivem indígenas Xokleng, criada oficialmente apenas em 2003, é disputada por ruralistas e está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no STF. O argumento usado é justamente que, em 5 de outubro de 1988, ela não estava ocupada, ignorando o fato de que o povo Xokleng foi expulso e impedido por anos de retornar à terra. Em 2007, a Justiça Global entrou com um pedido de amicus curiae (amigo da corte) no caso.
Ao menos, 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes podem ser afetados pela medida. Se aprovado, o já flagrante conflito nas florestas brasileiras será intensificado. A medida ainda tem vários trechos que flexibilizam a exploração de recursos naturais e a realização de obras de infraestrutura dentro dos territórios indígenas. Na prática, legaliza atividades hoje ilegais, como o garimpo em terras indígenas, e facilita a instalação de grandes empreendimentos nesses territórios sem nem mesmo consultar os povos afetados. Não é coincidência que a medida tenha ganhado espaço justamente meses depois da repercussão mundial do grave impacto da mineração para a garantia de vida dos Yanonami e também dos Munduruku, ambos povos amazônidas.
Ainda por cima, o projeto tira a responsabilidade de qualquer consulta às comunidades atingidas e à Fundação Nacional do Índio (Funai), facilita as atividades de exploração econômica por não-indígenas nos territórios e a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal nessas terras. O efeito geral é a destruição de parte considerável da proteção jurídica conferida aos povos indígenas no Brasil – proteção essa que já era considerada insuficiente do ponto de vista dos parâmetros internacionais.
Ao lado de povos e comunidades atingidas, a Justiça Global e muitas organizações têm denunciado as violações aos direitos indígenas, estabelecidos pelos parâmetros internacionais de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário, como a Declaração Americana dos Povos Indígenas e a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas. Ambas as declarações reconhecem a livre determinação dos povos indígenas como princípio fundamental, incluindo seu direito de manter suas formas de vida própria em seus territórios tradicionais e sobre os recursos naturais das terras que tradicionalmente ocupam ou tenham utilizado.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhece uma dimensão ampla na qual o território indígena está inserido e que merece proteção jurídica, de acordo com os usos e tradições:
La cultura de los miembros de las comunidades indígenas corresponde a una forma de vida particular de ser, ver y actuar en el mundo, constituido a partir de su estrecha relación con sus tierras tradicionales y recursos naturales, no sólo por ser estos su principal medio de subsistencia, sino además porque constituyen un elemento integrante de su cosmovisión, religiosidad y, por ende, de su identidad cultural, por lo que la protección y garantía del derecho al uso y goce de su territorio, es necesaria para garantizar no sólo la supervivencia sino el desarrollo y evolución como pueblo de estas comunidades.
(Corte IDH. Caso Povos Kaliña e Lokono Vs. Suriname. Sentença de 17 de junho de 2005).
Democracia exige Memória, Verdade, Justiça e Reparação. O marco temporal é exatamente o avesso disso. É o símbolo do apagamento da história indígena e do aprofundamento do processo de extermínio dos povos originários. O marco temporal é uma manobra que busca dar forma jurídica a uma estratégia de ruralistas e mineradores para acelerar a expulsão e ampliar a violência contra os povos indígenas.
Não ao Marco Temporal! Demarcação Já! Pelos direitos dos povos originários!
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Quando a esquadra de Pedro Álvares Cabral atracou em 1500 no litoral do Monte Pascoal, atual sul da Bahia, Pero Vaz de Caminha descreveu os indígenas em uma carta ao rei de Portugal: "eram pardos, todos nus". Reivindicada até hoje pelos Pataxó, essa é uma das mais de 800 áreas tradicionalmente ocupadas por indígenas no Brasil que correm o risco de cair de vez nas mãos do agronegócio. Basta os deputados transformarem em lei o marco temporal das terras indígenas, um dos inúmeros ataques aos povos originários contidos no Projeto de Lei (PL) 490, que deve ser votado nesta terça-feira (30) pela Câmara dos Deputados.
O marco temporal estabelece uma data fixa para definir quais terras são indígenas. O critério, porém, não é a chegada dos portugueses, mas sim a data em que a Constituição Federal entrou em vigor. As comunidades que não estivessem em seus territórios em 8 de outubro de 1988 teriam, portanto, seus direitos territoriais cassados. É o que aconteceria com os Pataxó do Monte Pascoal, que só retomaram a área histórica em 1999. Antes disso, eles não tinham como estar lá: haviam sido expulsos por uma gigante da extração de madeira.
"Ruralistas têm urgência em apagar nossa história, destruir nossos biomas, seguir com o genocídio que enfrentamos há 523 anos, para passar a boiada", disse em nota a Articulação dos Povos Indígenas Indígenas do Brasil (Apib).
Talvez o mais emblemático, o caso dos indígenas que recepcionaram Cabral está longe de ser o único. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) diz que 60% das 1,4 mil terras indígenas brasileiras não são regularizadas. Quase 600 não tiveram sequer o processo de demarcação iniciado. Se virar lei, o marco temporal será o principal argumento de fazendeiros e grandes empresas para questionar as demarcações ainda não concluídas.
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"Caso a tese seja referendada, teremos a paralisação das demarcações e teremos certamente pedidos de revisões de terras já demarcadas", afirmou em entrevista prévia ao Brasil de Fato a assessora jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Paloma Gomes.
"Essa tese jurídica perversa desconsidera o histórico de violência a que foram submetidas as populações indígenas antes de 1988, bem como as ameaças e assassinatos que resultaram na expulsão das comunidades de suas terras", complementou Antônio Eduardo Oliveira, secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
É por isso - mas não só - que as organizações indígenas e indigenistas, de direitos humanos, além do Ministério Público Federal (MPF), consideram o PL 490 inconstitucional. O Instituto Socioambiental (ISA) encaminhou nesta segunda-feira (29) aos deputados federais uma nota técnico-jurídica enumerando inconstitucionalidades e ilegalidades do projeto, assinada pela advogada Juliana Batista e pelo Assessor do Programa de Política e Direito, Márcio Santilli.
Inconstitucionalidades: garimpo e grandes empreendimentos
Além de travar demarcações, o PL 490 abre terras indígenas regularizadas ao garimpo e a grandes empreendimentos, como estradas e hidrelétricas. O artigo 20 prevê que o direito dos indígenas sobre as terras não abrange "a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira". O mesmo artigo determina que os indígenas não podem usufruir de "áreas cuja ocupação atenda a relevante interesse público da União". Os trechos são claramente inconstitucionais, de acordo com o ISA.
O PL 490 subverte até mesmo um dos pilares da política indigenista brasileira: a política de não contato com povos que vivem em isolamento voluntário. O ISA aponta que no artigo 29 o projeto estabelece um política de contatos forçados com indígenas isolados "para intermediar ação estatal de utilidade pública". Uma "hipótese inédita e demasiadamente ampla", nas palavras da entidade, que ameaça os grupos que decidiram viver longe da sociedade dos colonizadores.
Mais uma violação da Constituição está na previsão de indenizar donos de áreas sobrepostas a terras indígenas que não tenham título de propriedade. O texto também tenta proteger invasores de terras indígenas ao só permitir a expulsão após a conclusão do processo de demarcação. O trecho cria, conforme o ISA, uma situação jurídica insólita: dá aos invasores o direito de permanência.
Sem consultar indígenas
O PL 490 lista ainda atividades que poderão ser realizadas em terras indígenas sem a Consulta Livre, Prévia e Informada, contrariando os protocolos internacionais transformados em lei pelo Brasil. Segundo o ISA, os tratados celebrados pelo Brasil com outros países são superiores às leis aprovadas pelo Parlamento.
O substitutivo do PL 490 prevê também que os interessados poderão contestar a demarcação das terras indígenas em qualquer fase do processo administrativo de demarcação. Para o ISA, o objetivo é tumultuar o procedimento e inviabilizar sua finalização. "A possibilidade é inédita, visto que em todo e qualquer processo administrativo há regras, momentos e prazos para a contestação dos interessados", diz a nota do ISA.
O projeto ainda autoriza o cultivo de organismos geneticamente modificados (trangênicos) em terras indígenas, o que é proibido. Segundo o ISA, a hipótese contraria os usos tradicionais do solo e pode gerar a contaminação de espécies nativas, pondo em risco a segurança alimentar das comunidades.
Indígenas sem terra caso percam "traços culturais"
Outro problema grave está na redação propositalmente vaga do trecho que permite a celebração de "contratos que visem à cooperação entre índios e não-índios para a realização de atividades econômicas, inclusive agrossilvipastoris, em terras indígenas".
A realização de atividades pelos próprios indígenas de forma autônoma não é vedada pela Constituição, desde que os próprios indígenas sejam beneficiados. O PL 490, contudo, prevê que "contratos de cooperação para a realização de atividades econômicas". Um conceito "vago e genérico, que não estabelece ato negocial definido e que poderá autorizar atividades incompatíveis com a posse permanente dos indígenas", analisa o ISA.
O texto em análise pela Câmara estabelece a possibilidade de retomada de terras indígenas reservadas em favor da União, caso ocorra a "alteração dos traços culturais da comunidade".
O ISA contesta o dispositivo: "A disposição parte de uma premissa equivocada e não recepcionada pela Constituição de assimilação e integração dos indígenas à sociedade nacional, o que acarretaria a extinção de seus direitos territoriais e a remoção forçada de seus territórios, hipótese vedada pelo artigo 231 [da Constituição]", aponta a organização.
Edição: Nicolau Soares