A presidente eleita do México é uma cientista, uma intelectual, com importantes títulos universitários, que sabe falar com autoridade e ao mesmo tempo com calor humano.
O artigo é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 05-06-2024. Publicado no Instituto Humanitas Unisinos - IHU em 7/6/24
Eis o artigo.
Quase ao mesmo tempo que leio as notícias sobre a eleição da nova presidente do México, li aquela que dizia que os jovens estão a emigrar para os dogmas da extrema-direita, algo que é desconcertante se pensarmos que o mundo jovem tem quase sempre se colocado sob as bandeiras da esquerda, das ideias revolucionárias e modernas de liberdades.
Foram os jovens que transformaram personagens da extrema-esquerda revolucionária em ídolos. Basta lembrar o culto dos jovens a Che Guevara e no Brasil ao revolucionário Lula. Dificilmente no passado os jovens, mesmo das famílias mais tradicionais, pareciam conservadores.
O jovem carrega no sangue a vocação revolucionária, a quebra de tradições, a busca pelo novo. E por esta razão sempre teve tendência a identificar-se mais com as ideias e mitos da extrema-esquerda. Por que hoje este êxodo repentino para os dogmas mais degradados que combatem tudo o que cheira a esquerdismo? Segundo os analistas políticos mais sérios, este êxodo de jovens para a extrema-direita, mesmo fascista, deve-se ao fato de já não verem na esquerda tradicional e revolucionária o ideal que os inspirou.
E fazem graves acusações contra a esquerda de hoje, começando aqui no Brasil, de ter perdido o vigor revolucionário, de ter se tornado burguesa, de não ter os grandes ideais do passado em favor dos mais abandonados, de ser ativa na política para enriquecer e suas famílias, por terem caído nas redes pecaminosas da corrupção. Reclamam que os novos políticos de esquerda perderam a força da ilusão que os caracterizava e vivem, como o próprio Lula confessou num momento de sinceridade, para obter cargos para si e para enriquecer as suas famílias.
A isto devemos acrescentar que, para os jovens de hoje, a velha esquerda não sabia como capturar ou preparar os jovens para assumirem o poder. E assim os partidos de esquerda tornaram-se muitas vezes clubes de conservadores incapazes de dar lugar às novas gerações que são também as mais modernas porque nasceram na era digital, enquanto a esquerda continua agarrada à analógica.
A perda das caravanas de jovens tentados a ver na extrema-direita novos ideais de luta contra um sistema que consideram antigo, necessita urgentemente de líderes que saibam ligar-se a grandes ideais, capazes de respeitar a competência dos seus políticos, a força dos seus desafios e da sua honestidade pessoal.
Este prólogo foi inspirado em mim, como uma chuva de esperança, pela novidade mexicana de ter eleito não apenas uma mulher como presidente, algo incomum em um país atavicamente sexista, mas uma mulher que aparentemente teria todas as características para animar, atrair e admirar a nova geração de jovens sempre em busca de experiências de ruptura com o status quo, de sonhos revolucionários. Claudia Sheinbaum, a nova presidente mexicana, de família judia, nestes momentos tempestuosos de Israel e do massacre em Gaza, apresenta um rosário de qualidades que poderão atrair jovens desiludidos às tentações de uma direita radical que se apresenta como revolucionária. E isso porque boa parte da esquerda parece burguesa aos seus olhos.
Neste caso, Claudia Sheinbaum teria todas as qualidades que hoje, como ontem, procuram os jovens desiludidos com uma esquerda que parece ter renunciado às suas essências passadas que entusiasmavam jovens e velhos. Sheinbaum reúne aquela série de qualidades que os jovens sempre procuraram na esquerda, mesmo os mais revolucionários.
A sua eleição quase plebiscitária indica que tantos jovens, desiludidos com os políticos tradicionais, burgueses, corruptos e muitas vezes sem qualquer formação cultural, viram nela uma série de qualidades que lhes devolveram um pouco de esperança. E a nova presidente reúne uma série de qualidades que parecem coincidir com os sonhos dos jovens que começam a desconfiar dos políticos ou a sentir-se atraídos pelos mais radicais da direita que se apresentam como a nova solução para o nosso futuro incerto.
E Sheinbaum é uma cientista. É uma intelectual, com importantes títulos universitários, que sabe falar com autoridade e ao mesmo tempo com calor humano. É abertamente de esquerda, mas uma esquerda moderna que abraça todas as causas mais progressistas do mundo hoje, desde a ecologia até a defesa ardente dos direitos espezinhados das mulheres. Ele não flerta com as novas falácias da direita fascista. Não esconde a sua linha política aberta a todos os desafios do momento histórico que a humanidade vive e tem olhos e ouvidos atentos aos sonhos e desilusões dos jovens com uma democracia em frangalhos e um direito destrutivo.
Será a nova presidente mexicana uma mulher, uma cientista, culturalmente preparada e com pulso, mas que também sabe ouvir e sorrir, que não tem vergonha de confessar que é daquela esquerda que sempre atraiu os jovens pelas suas utopias? A figura política que não conhecia a corrupção. Será uma nova janela aberta na América Latina e uma esperança para aquele mundo hoje desnorteado por jovens que precisam de novos líderes, que são abalados pela tentação demoníaca de emigrar para extremismos que castram as ilusões?
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