Giovanna Carneiro, em 10/04/2023, 18:21. Marco Zero
Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
Durante o ato do Dia da Mulher, realizado em 8 de março, no Centro do Recife, a governadora de Pernambuco desceu de seu gabinete no Palácio do Campo das Princesas para encontrar as integrantes dos movimentos feministas e fez uma promessa. Acompanhada da vice-governadora e das mulheres que integram o primeiro escalão do governo, Raquel Lyra ouviu o manifesto elaborado pelas organizações sociais e, em discurso que durou aproximadamente cinco minutos, se comprometeu em reunir algumas representantes dos movimentos para criar um Grupo de Trabalho para debater e elaborar políticas públicas voltadas para as mulheres.
Passado pouco mais de um mês do pronunciamento, a promessa não foi cumprida, lideranças feministas ainda aguardam a convocatória para a criação do Grupo de Trabalho e criticam a falta de diálogo da governadora com os movimentos sociais.
“A criação deste Grupo de Trabalho não foi idealizada por nós, ativistas e militantes dos movimentos feministas. Na verdade, nossa intenção seria compor uma comissão representativa com lideranças das instituições presentes ao final do ato do dia 8 de março para levar ao conhecimento da governadora nossas reivindicações”, declarou a representante da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE) e da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, Maria Daniela.
Maria Daniela relembrou que ao final do 8M estava prevista uma reunião entre as lideranças do movimento de mulheres e Raquel Lyra, que aconteceria em seu gabinete. Porém, enquanto as mulheres se organizavam para entrar no Palácio, a governadora apareceu de surpresa no meio da manifestação, discursou, e depois não recebeu mais as representantes. “Em uma estratégia de não nos atender e ainda se mostrar solícita – mesmo não sendo -, a governadora resolveu ir à rua, deu uma fala resumida e superficial, e ainda não conversou com a gente”, disse a ativista.
Procuramos o Governo do Estado para saber o porquê da criação do Grupo de Trabalho ainda não ter sido efetivada e se há alguma previsão para que isso aconteça. Perguntamos ainda quais ações com foco em garantir segurança, saúde, empregabilidade e melhora na qualidade de vida das mulheres – reivindicações apresentadas pelas manifestantes presentes no ato 8M – foram ou devem ser implementadas pela atual gestão estadual. Até a publicação desta matéria, não obtivemos respostas.
Hoje, porém, o Governo anunciou uma campanha publicitária para lançar a nova identidade visual e marcar as ações usando personagens femininas para defender suas “realizações”.
No dia 4 de março deste ano, o governo do estado implementou um novo regime de trabalho que determinou que as seis delegacias especializadas no atendimento a mulheres vítimas de violência, – presentes nos municípios de Olinda, Recife, Paulista, Jaboatão dos Guararapes, Petrolina e Caruaru – , funcionassem em regime de plantão 24 horas durante todos os dias da semana.
A medida tem como objetivo diminuir o índice de violência doméstica contra as mulheres em Pernambuco que, de acordo com dados da Secretaria de Defesa Social (SDS), teve um aumento de 5,7% em 2022, com o registro de 43.553 denúncias.
A violência contra mulheres – cis e trans – é uma das pautas mais importantes para os movimentos feministas e foi bastante enfatizada durante a manifestação do 8M, contudo as ativistas acreditam que o funcionamento 24 horas das delegacias ainda não é suficiente para sanar um problema social tão grave. Por isso, as lideranças dos movimentos de mulheres defendem o estabelecimento de um diálogo direto e constante com o governo estadual, a fim de criar políticas eficazes e pautadas na experiência cotidiana das mulheres, principalmente daquelas que vivem em situação de vulnerabilidade social.
Raquel roubou a cena ao final do ato de 8 de março ao descer do palácio para receber manifestantes. Crédito: Arnaldo Sete/MZ
Falta de diálogo causa frustração
Diretora de mulheres da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras de Pernambuco (Fetape), Adriana do Nascimento, também estava presente no 8M para reivindicar melhorias para as mulheres agricultoras do estado. Ela admitiu que gostaria de ver mais agilidade da governadora em priorizar o diálogo com os movimentos de mulheres.
“Acredito que, para a pauta das mulheres, ela [Raquel Lyra] poderia traçar outras estratégias, porque independente da linha política de ambas – governadora e vice – , mesmo a gente tendo a máxima que nem toda a mulher nos representa, a gente tem uma expectativa. Ela poderia, pelo menos, montar uma portaria para oficializar o Grupo de Trabalho, ou até fazer uma convocatória, uma mobilização virtual, um processo simples, pouco burocrático e que não depende de um grande investimento, mas não fez nada”, disse Nascimento.
A diretora da Fetape participou de um encontro recente com a governadora, uma reunião para debater a agricultura familiar em Pernambuco. Na ocasião, Adriana aproveitou para defender o compromisso de Raquel Lyra com as mulheres que integram a federação. “Ela disse que quer estar junto com as mulheres rurais e nós sinalizamos alguns compromissos que ela precisa ter para fortalecer a nossa luta, entre eles, está a garantia do aporte financeiro para que as mulheres de Pernambuco possam ir até a Marcha das Margaridas, que acontecerá em agosto, em Brasília”, contou a militante. De acordo com Adriana, Raquel Lyra se comprometeu a dar um retorno sobre a pauta da Marcha das Margaridas ainda nesta semana.
“Eu compreendo que é um governo de transição, por isso, querendo ou não, tem morosidade nesse processo, então, eu ainda sou otimista que ela vai fazer uma boa gestão”, afirmou Adriana do Nascimento.
Diferente da representante da Fetape, que ainda se diz otimista com o atual governo, Graciete Santos, diretora da Casa da Mulher do Nordeste e integrante do Fórum de Mulheres de Pernambuco, afirma não ter muitas expectativas de diálogo entre o governo e os movimentos feministas.
“O fato dela ser a primeira governadora de Pernambuco é muito simbólico para nós porque, enquanto feministas, lutamos para aumentar a representação política de mulheres e a ocupação delas em cargos de liderança e poder, porém, a gente sempre enfatiza que não basta ser mulher e a trajetória de Raquel durante a campanha mostra que não há a proposta de escuta, nem diálogo com as demandas do movimento feminista no estado. Considerando isso, nós não temos muitas expectativas que esse diálogo venha a acontecer, e isso demonstra a falta de reconhecimento do governo com a importância do movimento de mulheres”, declarou Santos.
Para Maria Daniela, essa falta de diálogo é “muito ruim para todas as mulheres de Pernambuco, tanto cisgêneras, como travestis, mulheres trans, e pessoas de útero. Mostra a que esse governo de direita veio”.
“O fato de ser uma governante mulher serve como fachada e forma de angariar votos e a simpatia do público feminino, favorável às pautas de todas as mulheres. Mas não podemos deixar esta imagem camuflar ‘o lobo em pele de cordeiro’. Apesar de termos uma governadora, o grupo político o qual ela representa e está inserida, é de direita, comprometido com os setores conservadores e neoliberais, nunca teve compromisso real com as lutas populares feministas ou de qualquer outro setor progressista’, criticou a representante da Amotrans e da Renfa.
Apesar do sentimento de frustração presente no relato das lideranças dos movimentos feministas, as representantes enfatizam que continuarão pressionando o governo estadual para implementar ações efetivas que supram as necessidades socioeconômicas das mulheres.
“O nosso papel é de controle social e nós vamos continuar exercendo ele. Para isso vamos nos manter vigilantes e cobrar as ações necessárias”, concluiu Graciete dos Santos.