Abra T. Afraa Lionço
UnB - 

Darcy Ribeiro, ao idealizar a Universidade de Brasília, convocou a "passos concretos através dos quais se transitará da universidade atual à universidade necessária"1. 60 anos após a fundação da UnB, como imaginamos a universidade necessária?

As práticas e as regulações, às quais aderimos e/ou resistimos, nos posiciona como coniventes ou em oposição à universidade que temos. Acaso nos interesse a utopia, a UnB sempre necessitará ser outra, vindo a ser a universidade necessária.

Rendida às exigências neoliberais, a UnB confunde mudanças com a adesão incondicional ao produtivismo e à meritocracia. Future-se a UnB? Incentiva-se a usura, acumula-se capital moral. Individual e personalista é o favorecimento; coletivo e solidário é o repartimento em reconhecimento. Celebram-se nomes próprios em adoração, e agradecimento público. Servirmos ou não a ídolos? A servidão nos favorece? Saibam que notamos ao gozarem privilégio. Amam o poder em obsessão, abuso, ou mero cálculo viciado em acumular e ostentar.

Adequada às hegemonias econômicas e morais, a UnB de hoje carece de isonomia e de impessoalidade no trato e no destrato. A propriedade particular dos benefícios é indevida. No serviço público, ânsia se justifica se beneficiar o coletivo, sem usura de mérito e gozo.

É o modo de proceder na academia que determina a posição de cada qual neste processo.  Manter ou contestar as condições por meio de nosso agir é a medida de nossa implicação ética nos rumos que a UnB toma. Lembro hoje a insurgência um dia ocorrida em ato político de evasão, mas não em desistência. Há cerca de 56 anos, 80% do quadro original da UnB pediu demissão em massa, recusando o vilipêndio da utopia fundante. Não se bane e silencia a oposição e o dissenso na universidade necessária. Celebrem-se desajustes aos desmandos das elites econômico-morais de agora e sempre, seria eu sintoma do fracasso da universidade necessária? Eu já vivi perseguição política e abandono institucional dentro e fora da UnB, confiando que aqui se agiria em defesa da utopia necessária.

Celebro hoje proponho a ideia e o ato da batida em retirada como posição ética em defesa da universidade necessária. Ao desacreditar na universidade à qual dediquei a minha vida em formação e produção, meu sonho ganhou o contorno vago do desejo de ir-me embora, sem ainda precisão. Eu ainda aqui estou e não garanto se, como e quando irei embora. É necessário dizer que a experiência (já ocorrida) de minha remoção interna e, sobretudo, o acontecimento de minha licença-saúde por esgotamento, são reveladores de minha já evasão, em ideação. O burnout (sofrer a queima) foi efeito da minha dedicação à UnB. O licenciamento do exercício de cargo público por adoecimento no trabalho é sintomático de que a UnB hoje contrasta com a universidade necessária. Repito: como eu ainda estou por aqui, me reservo o direito e o dever de dedicar palavras em ato público de defesa da universidade necessária.

Convido para o compartilhamento sensível das experiências de sofrimento no trabalho na UnB. Quando e onde pensaremos sobre o que determina nosso adoecimento, em prejuízo da fé na utopia UnB? Quem sabe, coletivamente, possamos bater em retirada – real ou metaforicamente. Me interessa cada vez mais disputar aqui, ou onde quer que esteja, lugar como aprendiz de sonhos na direção de uma universidade necessária, mesmo que isso signifique não ser mais aqui professora.

Eu já solicitei à ADUnB, em sua responsabilidade sindical, a ampliação do chamado que aqui proponho junto a associadas e associados. Como podemos, ainda, acreditar na universidade necessária? Individualmente se pode silenciar, perseguir e abandonar na universidade que por ora temos, mas não se destrói ou faz sumir a potência do ato em palavras da recusa ao que aqui se estabeleceu e permanece. Desde o golpe aqui instalado por força militar, já se resistiu com a batida em retirada, embora outras gerações reagiram aqui ocupando vaga. Se a utopia necessária cabe, em parte, a nós que aqui estamos, façamos retornar em insurgência (sempre inadequada, descabida, descompassada e desajustada) a paixão por uma universidade que não é mas que virá, necessariamente.


1. Ribeiro, Darcy. (1969). Universidade Necessária. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, pág. 168.

 


Abra T. Afraa Lionço é acadêmica de ação direta. Atualmente docente do Departamento de Comunicação Organizacional da Faculdade de Comunicação. Solicitou e obteve o direito ao uso do nome social na UnB, tendo colaborado diretamente para a validação normativa deste direito para a comunidade universitária.

 

fonte: https://noticias.unb.br/artigos-main/6007-o-sintoma-do-fracasso-da-universidade-necessaria