Quase lá: Reflexões sobre as organizações feministas em Angola

Na história contemporânea pós-colonial de África, Angola é conhecida como o local de um dos conflitos mais traiçoeiros que assolaram o continente.

ONDJANGO FEMINISTA - Angola

Feminist Organising, de Kewinde Awofeso

Feminist Organising, de Kewinde Awofeso

POR ÂUREA MOUZINHO E SIZALTINA CUTAIA

Artigo original: Cutaia / Mouzinho, 2017. “Reflections on Feminist Organising in Angola”, revista Feminist Africa 22: 33-51.
Disponível em http://www.agi.ac.za/agi/feminist-africa/22/

(NOTA: O artigo foi escrito antes do Presidente José Eduardo dos Santos se ter reformado e ter sido substituído pelo antigo Ministro da Defesa João Lourenço, nas eleições de Setembro de 2017.)

Contexto

Na história contemporânea pós-colonial de África, Angola é conhecida como o local de um dos conflitos mais traiçoeiros que assolaram o continente. Depois da Independência de Portugal em 1975, os 27 anos de guerra civil entre os três principais movimentos de libertação – O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) – ceifou a vida de milhões e deixou outros milhares desabrigados. Além dos enormes custos para a vida humana, a guerra resultou numa destruição massiva de infraestruturas, erosão do tecido social, e o estabelecimento de um estado militarizado e totalitário.

Embora Angola tenha adaptado uma legislatura multipartidária em 1992, o sistema político permanece, em grande parte, orientado a um único partido. O MPLA governa o país desde a independência, e logo após a morte do primeiro Presidente, Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos tem estado no poder como Presidente da República desde 1979. Após a aprovação da nova Constituição em 2010, o sistema político passou a ser presidencial, tornando a presidência a entidade estatal mais poderosa do país. Como Schubert (2010: 68) argumenta, o fortalecimento do governo de Dos Santos por meio de eleições democráticas foi instrumental da consolidação da actual estrutura de poder que “resulta em distinções cada vez mais confusas entre o partido dominante, o Governo e o Estado.”

A confusão entre o Estado e o poder do MPLA é sentida em todos os níveis de organização política, das autoridades nacionais às autoridades locais, tornando impossível pensar no governo angolano fora do MPLA. Por este motivo, usamos os termos "Governo", "Estado" e “Governo do MPLA” indistintamente. Na verdade, a influência de decisão do MPLA permeia todos os aspectos da vida angolana.

Esta esfera de controlo e influência estende-se também à sociedade civil. Isto manifesta-se pelo estabelecimento e apoio das Organizações da Sociedade Civil pró-governo (OSCs), por um lado, e por outro, o controlo excessivo e a repressão das poucas instituições não partidárias e individuais, que buscam engajar-se de modo crítico em relação aos problemas de governança e políticas públicas. Um exemplo notável é o caso dos 17 jovens activistas, conhecido como “15+2” que foram condenados por “actos preparatórios de rebelião” e “conspiração criminosa” após serem presos durante um encontro, onde estavam a discutir passivamente métodos de protestos contra a presidência de Dos Santos. Os activistas faziam parte do grupo Movimento Revolucionário, que advoga por melhores serviços sociais, menos corrupção e o fim do nepotismo, entre outras coisas. Foram acusados e sentenciados a penas de prisão que variaram aproximadamente dos dois aos oito anos, mas foram libertados depois de quase um ano, depois da passagem de uma lei de amnistia que perdoa crimes de natureza não homicida cometidos até 11 de Novembro de 2015. O último relatório da Amnistia Internacional (2017) sobre Angola destaca outros casos em que o Estado fez uso da lei, dos meios de comunicação, e órgãos de aplicação da lei para processar activistas dissidentes e defensores dos direitos humanos. O que essa repressão estabeleceu efectivamente é uma cultura de medo que continua a privar a maioria dos angolanos de advogarem activamente pelos seus direitos através das iniciativas da sociedade civil.

É neste contexto que a nossa reflexão sobre organizações feministas em Angola se inclina. Começamos por apresentar uma breve história das organizações femininas em Angola, começando pela luta anticolonial. Notamos que a condição social da mulher em Angola está moldada por um sistema de dois poderes opressivos prevalentes: o regime político e o sexismo, que trabalha com outras estruturas de poder (classe, etnia, raça e sexualidade) para oprimir as mulheres.

Esta situação cria várias barreiras para que as mulheres se organizem colectivamente à volta de uma agenda feminista. Tratamos disso com base nas nossas experiências como membras co-fundadoras do Ondjango Feminista (Encontro Feminista) e concluímos com uma reflexão sobre o futuro da organização feminista em Angola.

Uma Nota em relação ao posicionamento e oTiming

Embora a nossa posição como membras do Ondjango Feminista possa suscitar preocupações quanto à parcialidade das informações na revista, também é verdade que a nossa posição interna nos torna únicas para fornecer informações dos inúmeros desafios das organizações feministas em Angola. A nossa reflexão é baseada nos dez meses em que o Ondjango Feminista operou. Este período de tempo tem sido marcado por rápidas e significativas mudanças nos aspectos chave do movimento, como o tamanho e a natureza do eleitorado, ideologia, estrutura organizacional e prática. Uma vez que estes aspectos da construção de movimento são frequentemente definidos e consolidados ao longo de vastos períodos de tempo, os desafios das organizações feministas apresentados nesta reflexão são limitados a observações que temos feito numa fase incipiente do processo de construção do movimento feminista angolano. Conforme o movimento amadurece, os desafios que enfrenta podem mudar de natureza e/ou prioridade.

Organização das mulheres e o Ondjango Feminista

ondjango feminista angolaA história oficial das organizações femininas em Angola confunde-se com a da Organização da Mulher Angolana (OMA), a ala feminina do MPLA. Criada a 2 de Março de 1962 com o objectivo de mobilizar mulheres para a luta de libertação nacional, a OMA foi fundamental na garantia de que todas as mulheres estivessem envolvidas em todos os níveis de organização política dentro do MPLA (Liberato, 2016). A OMA realizou actividades importantes que sustentaram a resistência do MPLA durante a luta de libertação. Trabalhando como educadoras, professoras, secretárias, correspondentes, activistas, camponesas e cuidadoras, as suas membras também fizeram programas de rádio com informações sobre a luta, distribuíram panfletos e angariaram fundos para o movimento de libertação (PAANE, 2004). No dia 2 de Março é celebrado o dia da Mulher Angolana.

As mulheres da OMA também estiveram activamente envolvidas na linha de frente a lutar lado a lado com  os  homens, enfrentando os mesmos desafios e a sofrerem as mesmas consequências (Carvalho, 2009). As mulheres do Esquadrão Kamy foram notáveis a este respeito, incluindo Deolinda Rodrigues que é uma figura de liderança importante para as feministas angolanas.

As mulheres dos outros dois movimentos de libertação, UNITA e FNLA, também tiveram um papel importante na luta anticolonial. Assim como a OMA, essas mulheres estavam organizadas nas alas femininas dos seus partidos políticos, nomeadamente, a Liga da Mulher Angolana (LIMA) e a Associação da Mulher Angolana (AMA), respectivamente.  A história da contribuição destes grupos para a libertação, entretanto, é obliterada pela narrativa dominante da OMA, indiscutivelmente como consequência do controlo do MPLA em relação a narrativa dominante sobre a luta pela Independência.

Durante o regime do Partido Único desde a Independência, em 1975, até 1992, a OMA foi a principal organização de advocacia em relação aos problemas da mulher angolana, realizando várias acções políticas, económicas, sociais e culturais. Isso incluiu campanhas para acabar com a violência contra mulheres e crianças e proporcionar assistência sociais e políticas aos sobreviventes (OMA, 2017). Como a única organização política feminina reconhecida, a OMA também representava o país em plataformas internacionais, incluindo a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todos Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW).

A década que se seguiu à transição para o sistema multipartidário, embora marcada por uma eclosão violenta de guerra entre o MPLA e a UNITA, foi caracterizada pelo crescimento significativo e dinâmico da sociedade civil. Isto foi facilitado por vários desenvolvimentos positivos, entre os quais Pacheco (2009: 3) destaca: o reconhecimento constitucional do pluralismo e a liberdade para se associar; o rápido aumento da ajuda humanitária para atender às necessidades criadas pela guerra; o movimento dos cidadãos em nome da paz e a necessidade de defender direitos humanos; a redução da capacidade do Estado de prestar serviços sociais e controlar as forças sociais; e o envolvimento e influência da comunidade internacional, que não só forneceu recursos, mas também alavancou o seu poder para exigir que o Estado ampliasse o espaço de engajamento da sociedade civil e respeitasse os direitos humanos.

Embora a OMA tenha continuado a liderar a articulação dos direitos das mulheres em Angola até aos finais dos anos 1990, esta década viu a emergência de muitas temáticas da Sociedade Civil focadas na questão das mulheres. Elas começaram a engajar-se com o Estado em questões ligadas ao direito das mulheres, principalmente na linha da agenda global para o direito das mulheres da altura (PAANE, 2014).

Este foi o caso da Rede Mulher, a primeira organização de mulheres da sociedade civil, fundada em 1994 (embora registada oficialmente em 1998) durante os preparativos para a participação de Angola na IV Conferência Mundial da Mulher da ONU.

A Rede Mulher liderou a discussão em volta da construção da capacitação das mulheres em relação a liderança, com foco na participação política, e produziu informações sobre as condições sociais das mulheres em Angola.

Nos anos a seguir muitas outras organizações de mulheres da sociedade civil surgiram, trabalhando em diferentes áreas temáticas como o HIV e SIDA (Rede Mwenho); direitos económicos (Federação de Mulheres Empreendedoras de Angola); liberdade de imprensa e representação da mulher nos médias (Fórum das Mulheres Jornalistas para a Igualdade de Género [FMJ]); e outros, incluindo a influente Plataforma para a Acção das Mulheres (PMA).

Fundada em 2005, a PMA ampliou o mandato da Rede Mulher visando questões de justiça social e económica para as mulheres por meio do orçamento de advocacia, além de abordar questões de participação política das mulheres.

Diferente da Rede Mulher, entretanto, que foi inspirada por mulheres dentro dos partidos políticos e foi direccionada para a promoção da liderança das mulheres dentro dos partidos políticos, a PMA procurou desde o início congregar as mulheres de todas as esferas (religião, partidos políticos e sociedade civil) à volta de uma agenda comum para defender um orçamento nacional mais sensível ao género.

Os esforços da Rede Mulher para garantir que as quotas parlamentares para mulheres fossem atendidas, juntamente com a defesa da PMA em torno de alocações orçamentárias justas com relação ao género e, mais recentemente, as organizações que defendem a lei de violência doméstica, são testemunho do papel crítico que as OSC das mulheres desempenham na manutenção das questões femininas como uma prioridade nos debates de política nacional.

As OSC também influenciaram na difusão de políticas e legislação que promovem a protecção dos direitos das mulheres. Ao mesmo tempo, no entanto, também é necessário reconhecer as formas pelas quais essas organizações são limitadas pela ideologia e agendas políticas do Governo (factores exógenos), ou pelas suas próprias visões e compreensão dos direitos das mulheres (factores endógenos).

A influência da ideologia política do Governo não é tão clara quanto no caso do Projecto de Lei sobre a Violência Doméstica. Uma de nós, Sizaltina Cutaia, esteve envolvida neste processo como activista independente pelos direitos das mulheres. O relato dos eventos relacionados ao projecto de lei é baseado na sua experiência e lembrança do tempo. Após a proposta inicial do Projecto de Lei no Parlamento em 2007, vários defensores dos direitos das mulheres e organizações de mulheres levantaram duas preocupações importantes. Em primeiro lugar: limitar o projecto de lei ao domínio doméstico deixou de abordar os numerosos casos de violência contra as mulheres que ocorreram fora do ambiente doméstico ou familiar. Em segundo lugar: em vez do projecto de lei definir a violência doméstica como crime público, que permitiria a qualquer testemunha denunciar e forçar o Estado a investigar e partir para acusação, foi definido como um crime semi-público, que só pode ser denunciado pela vítima. Esta definição ignorou a dependência geral das vítimas em relação ao perpetrador, o que tornou muito difícil para a vítima denunciar o crime. Activistas e mulheres da sociedade civil, portanto, defenderam mudanças no projecto de lei.

Ao longo dos cinco anos que o projecto de lei permaneceu em discussão no parlamento, os activistas e as OSC de mulheres organizaram marchas e protestos pacíficos para chamar a atenção do Governo para as questões que estavam a levantar. Em muitos casos, no entanto, os seus esforços foram recebidos com violenta repressão do Estado, em termos de uso desproporcional de força policial e prisão de activistas.

No que muitas activistas dos direitos das mulheres afirmam ter sido uma tentativa política motivada para garantir o voto feminino nas eleições presidenciais de 2012, o projecto de lei sobre violência doméstica foi aprovado em 2011. Algumas concessões foram feitas: casos específicos de violência doméstica foram declarados crimes públicos, e o escopo do “espaço doméstico” foi ampliado para incluir certos espaços fora do ambiente familiar - escolas, lares para idosos, creches, hospitais e asilos. O que este exemplo demonstra é que, embora as OSC das mulheres desempenhem um papel crítico em exercer pressão sobre o processo de promulgação de leis e políticas, o resultado final em termos de tempo e escopo é controlado pelas agendas e ideologias políticas do Governo do MPLA.

Factores endógenos que limitam o impacto das OSC das mulheres estão ligados à ideologia conservadora de género que muitas delas abraçam, muitas vezes sustentada por crenças religiosas. Isso é claramente visível no envolvimento das OSC com as questões dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, como o direito ao aborto livre e seguro, acesso a anticoncepcionais e o trabalho sexual. No caso do aborto - o que é particularmente relevante dada a recente aprovação (em Fevereiro de 2017) de um novo código penal que criminaliza a prática - as OSC de mulheres responderam com silêncio ou abordando a questão como um problema moral em oposição a uma questão de direitos das mulheres.

Também tem faltado o compromisso de politizar a luta pelos direitos das mulheres. Em relação à violência contra a mulher, por exemplo, a narrativa avançada pelas OSC de mulheres continua a concentrar-se em tratar os abusadores como perversos e instáveis, ao mesmo tempo, que coloca as mulheres sobre o ónus de se prevenirem de violações por “vestir-se bem” ou serem “boas esposas”. Ao fazer isso, as mulheres OSC não reconhecem que “a violência contra as mulheres é uma manifestação de relações de poder historicamente desiguais entre homens e mulheres” e que é “um dos mecanismos sociais cruciais pelos quais as mulheres são forçadas a uma posição subordinada em comparação com os homens” (Nações Unidas, 1993).

Alguém poderia argumentar que o fracasso das OSC das mulheres em abraçar um discurso politizado sobre os direitos das mulheres não deriva necessariamente da falta de compreensão da natureza estrutural e sistemática da opressão das mulheres e exploração, mas sim por medo de subverter as normas sociais existentes que sustentam a sua ideologia e prática. Um discurso politizado exigiria a elas questionar e desafiar as diferentes estruturas de poder na sociedade angolana, que incluem o Estado, bem como as autoridades religiosas, tradicionais e patriarcais que governam a vida pública e privada das mulheres.

Dado o histórico de repressão aos dissidentes por parte do governo angolano, não surpreende que muitas OSC de mulheres adoptem estrategicamente uma abordagem cooperativa para a defesa dos direitos das mulheres, posicionando-se exclusivamente como parceiras, e não como críticas do governo. Esta estratégia foi adoptada por muitas OSC de mulheres, e pode ser considerada pragmática porque permite que as OSC continuem a fazer o importante trabalho de defesa dos direitos das mulheres, sem muita oposição do Estado. No entanto, também resultou na cooptação de muitas mulheres pelo governo, tornando muitas delas incapazes de tomar uma posição sobre questões relacionadas à corrupção do Estado, má gestão de fundos públicos, abuso de poder e outras questões de governança política e vida social.

É essa falta de engajamento político e politizado com as questões de direitos das mulheres que motivaram a criação da Ondjango Feminista. Tomamos a decisão depois de uma reunião no Sexto Fórum Feminista Africano em Harare, em Abril de 2016. Ao escolher o nome Ondjango Feminista, conceituamos a criação de um espaço feminista que representasse os valores tradicionais de um ondjango - a palavra Umbundo para o lugar onde a família ou comunidade reúne-se para compartilhar histórias e resolver problemas.

Os valores tradicionais de um ondjango são entendidos como: respeito e liberdade (cada membra recebe uma vez para falar e a opinião de cada pessoa é ouvida e respeitada pelas outras); solidariedade (representada pelo interesse honesto do grupo no bem-estar mútuo e da comunidade); igualdade (desde os participantes do ondjango tradicionalmente sentam-se em torno de um círculo, que representa a ausência de uma hierarquia entre elas); acção (ou seja, resolução de problemas); e empoderamento (já que o ondjango é também um lugar onde o conhecimento é compartilhado). Além disso, ao nomear o espaço de “Ondjango Feminista”, estávamos a subverter a tradição de que um ondjango tinha que ser convocado por um homem mais velho e recuperar o espaço para agência das mulheres.

O Ondjango Feminista entende-se como “um movimento autónomo de feministas angolanas comprometidas com uma agenda feminista transformadora que advoga os direitos humanos de mulheres e meninas em Angola na perspectiva de justiça social, solidariedade e liberdade” (Ondjango Feminista, 2016). A auto-compreensão do Ondjango Feminista como um “movimento autónomo” refere-se à autonomia do Estado e de qualquer outro estabelecimento existente; pode ser entendido como um movimento cujas agendas são definidas por suas constituintes feministas, a partir do que elas percebem ser as prioridades de acção em seu contexto.

Abeysekera (2003, citado em Casimiro, 2011) argumenta que os movimentos feministas são caracterizados por um compromisso com a crítica ao privilégio masculino e a subordinação feminina, a eliminação da desigualdade de género, e a adopção de uma perspectiva transformadora sobre qualquer questão relacionada com as questões de género, desafiando assim a forma como as relações de género são socialmente construídas.

Da mesma forma, Gaidzanwa (2006, citado por Wilson, 2011: 5) argumenta que os movimentos feministas são "muitas vezes uma secção menor dentro de movimentos femininos mais amplos, que tendem a ter uma agenda transformadora: indo além da oposição ao patriarcado, para criticar a arquitetura de opressão e a política de luta necessária para transformar em vez de reformar as desigualdades estruturais a nível nacional, regional e internacional”.

Ao expressar um compromisso com uma "agenda feminista transformadora", o Ondjango Feminista adopta uma posição ideológica clara. Este posicionamento origina-se a partir de uma compreensão de que, como afirma a Carta de Princípios Feministas para as Feministas Africanas, “o trabalho de luta pelos direitos das mulheres é profundamente político” (Fórum Feminista Africano, 2017) e que, ao advogar para a justiça de género e justiça social de forma mais ampla, de uma perspectiva feminista africana, o Ondjango Feminista “coloca ao centro de [sua] análise as relações sociais patriarcais, as estruturas e os sistemas que estão embutidos em outras estruturas opressivas e exploradoras” (ibid).

Em seu questionamento mais amplo sobre opressão, exploração e compromisso com a justiça social, o Ondjango Feminista defende uma ideologia feminista africana, mantendo-se ao mesmo tempo fiel ao compromisso ideológico feminista do Terceiro Mundo de criticar e desafiar o capitalismo, o imperialismo, o colonialismo e neo-colonialismo, o racismo, a heteronormatividade, o capacitismo, a opressão de classe, bem como as normas religiosas e culturais que afectam a vida das mulheres angolanas (African Feminist Forum, 2017; Mohanty, 2003).

As acções-chave do Ondjango Feminista incluem a conscientização e consciencialização; mobilização e organização do eleitorado; suporte estratégico; advocacia; e arrecadação de fundos. Embora o Ondjango Feminista não seja uma entidade legalmente constituída, é regulamentada por normas - os princípios da Carta e o Manifesto do Ondjango Feminista -, e também por uma estrutura:  a equipa de coordenação com 15 membras, e a assembleia composta por todas as mulheres que concordam com a adopção da Carta e o Manifesto.

O primeiro encontro do Ondjango Feminista foi realizado em Junho de 2016. Desde então, reuniões regulares mensais têm sido realizadas em Luanda (totalizando oito quando este artigo foi escrito), e outras duas reuniões ad hoc foram organizadas no Lubango, a capital da província centro-sul: Huíla. As participações nessas reuniões mensais foram inicialmente baixas em ambas províncias, com apenas oito participantes na primeira reunião em Luanda e cinco no Lubango. No entanto, a frequência aumentou progressivamente a cada mês de reunião, variando de 11 a 21 participantes para as reuniões de 2016. Nas primeiras duas reuniões de 2017, em Luanda, a assistência média foi de 41 participantes, e no Lubango, a segunda reunião, realizada em fevereiro, teve mais três participantes.

As pautas das reuniões são definidas pela equipa da coordenação composta por 15 membras voluntárias, e as questões discutidas cobrem uma ampla gama de tópicos, que vão desde a compreensão dos fundamentos ideológicos do feminismo africano até à discussão dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, os direitos civis e a participação política, o feminismo e a cultura, entre outros. As reuniões muitas vezes incluem uma apresentação sobre o tópico feita por uma das participantes com experiência ou interesse relevante na área, seguida por sessões de separação onde as participantes trabalham juntas em questões específicas e identificam estratégias para abordá-las.

Essas discussões são sempre registadas e são usadas para informar os programas desenvolvidos pela equipa da coordenação. Um exemplo da eficácia dessas reuniões mensais é a criação de uma revista bi-anual que aborda temas sobre a violência contra a mulher em Angola. A revista procurará fornecer uma narrativa alternativa para a violência baseada no género a partir de uma abordagem feminista e multidisciplinar em oposição à abordagem moralista, conservadora e positivista dominante.

Além dessas reuniões mensais, foi organizado um fórum nacional sob o tema “Construindo Pontes de Solidariedade” em Novembro de 2016, com a assistência do Fundo de Desenvolvimento da Mulher Africana (AWDF). O Fórum reuniu 60 mulheres de quatro províncias diferentes e de diferentes OSC para partilhar as suas opiniões sobre as realidades vividas pelas mulheres em Angola, com base nas suas próprias experiências pessoais e do seu trabalho na sociedade civil.

A agenda abertamente subversiva do Ondjango Feminista tem acarretado alguns desafios no que concerne à organização das mulheres em torno de um movimento feminista colectivo. Destacamos três desses desafios: as orientações predominantes em relação feminismo, a dificuldade de acesso aos recursos feministas e a luta para criar espaços seguros para o engajamento feminista. A nossa discussão concentra-se nas formas específicas em que esses desafios se manifestam e, quando possível, as formas em que eles estão a ser tratados pelo colectivo.

Orientações em relação ao feminismo

Para além da polarização política que separou os angolanos de acordo com as linhas partidárias, um importante legado da guerra civil foi o isolamento do País -- político, cultural e, em certa medida, físico -- de outros países no Continente. Esse isolamento, agravado por barreiras linguísticas impostas pelo colonialismo, manifesta-se de várias formas, dentre elas a exclusão de certos processos económicos e sociais que foram desenvolvidos em outros países.

No que diz respeito ao feminismo, enquanto mulheres e organizações de mulheres de vários países por toda África têm-se organizado em volta de uma ideologia feminista africana desde o princípio dos anos 90 (Ahikire, 2014; Wilson, 2011), debates sobre feminismo em Angola foram introduzidos à esfera pública nos últimos dois ou três anos. Portanto, apesar de os termos “empoderamento feminino”, “igualdade de género", "género e desenvolvimento”, e “violência de género" serem usados desde a independência e serem bem integrados nos discursos do governo e da sociedade civil, a palavra “feminismo” ainda é uma novidade. Não surpreende que a ideia de uma vertente africana do feminismo, conceptualizada por mulheres africanas com o objectivo de falar sobre as experiências das mulheres do continente, ainda seja estranha e continua a levantar diversas questões e dúvidas.

O processo de discussão sobre feminismo na esfera pública em Angola tem sido auxiliado por muitos factores. Particularmente digna de atenção é a influência de muitas mulheres jovens angolanas que viveram ou estudaram fora de Angola - geralmente mas não exclusivamente em países europeus ou no Brasil -, onde os feminismos e ideologias feministas têm sido substancialmente exploradas há muitas décadas. Com o auxílio das redes sociais para a partilha de ideias e recursos, estas mulheres têm feito um trabalho importante e inovador para impulsionar o debate sobre o feminismo na esfera pública, que no contexto angolano é pioneiro, embora não revolucionário.

Como observado por uma participante do sexto encontro do Ondjango Feminista, Angola é um país que promove o individualismo, e o mesmo é ainda frequentemente importado para discussões sobre feminismo (Ondjango Feminista, 2016). Este individualismo é manifestado como um foco nas habilidades de cada mulher de alcançar e manter a sua igualdade a partir das suas ações e escolhas. Um exemplo gritante foi recentemente providenciado por uma apresentadora da principal estação de rádio do país, que afirmou durante um programa ao vivo que “Todos têm o seu tipo de feminismo''. Se uma mulher defender uma causa então, aquele é o seu feminismo (Rádio Luanda, 2017). Nenhuma das convidadas do programa - três mulheres e a apresentadora - distanciaram-se de serem chamadas de feministas, apesar de uma das participantes ter, continuamente, tentando mudar o foco da conversa para um nível político, foi dominada pelo foco que girava em torno da responsabilidade de cada mulher “trabalhar duro “e ser “esperta” na procura por igualdade. Mulheres eram chamadas de espertas quando alcançassem com sucesso os seus objectivos sem desafiar o seu estado “natural“ de submissão em relação aos homens (ibid).

Mais significante, entretanto, é a ideologia neoliberal desenvolvida pelo governo do MPLA. No seu discurso nacional de fim de ano de 2016, o presidente reforçou o discurso neoliberal, propondo que os angolanos deveriam trabalhar juntos para “promover a cultura da meritocracia, produzir melhores resultados e desta forma, aumentar a riqueza nacional e distribuí-la de forma mais justa” (Dos Santos, 2016). Nesta mesma ordem de ideias, uma frase popular de Isabel dos Santos - filha mais velha do presidente de Angola, mulher mais rica de África e recentemente nomeada por decreto presidencial a posição de gestora da companhia petrolífera estatal, Sonangol - afirma que “se é determinado e trabalhador vai conseguir, este é o ponto principal. Não acredito que haja uma forma fácil" (Forbes, 2013).

No contexto das amplas desigualdades sociais e económicas de Angola, citar o mérito como uma forma de alcançar bem-estar e justiça dentro de uma sociedade capitalista é, na melhor das hipóteses, falacioso, e na pior, perigoso. Isto porque o “mercado”, a base das políticas neoliberais, é particularmente eficiente a refletir e sustentar as divisões sociais existentes na sociedade em termos de classe, raça, género e outros” (Mate, 2011). Portanto, na economia neoliberal, pessoas que têm um maior rendimento e riqueza retêm o domínio económico e são os únicos que têm pleno poder de escolha (ibid). Neste contexto, habilidade e esforço tornam-se inúteis como marcadores de justiça.

Outra característica preocupante do neoliberalismo é que este absolve o Estado da responsabilidade de redistribuir riqueza (Mate,2011) e dar avanço à justiça social através da promoção de políticas progressistas e orientadas para o bem-estar. Adicionalmente, o neoliberalismo apresenta movimentos baseados na solidariedade, tal como Sindicatos, como “ineficiências de mercado”, prejudicando assim o papel dos mesmos na mudança de dinâmicas de poder e advocacia por relações sociais justas (ibid).

A narrativa dominante sobre o feminismo em Angola tende a depender de um "falso feminismo" neoliberal (hooks, 2013). De acordo com Casimiro (2014) isto foca-se no alcance de direitos iguais para mulheres e homens no âmbito de uma sociedade capitalista, sem questionar as noções liberais dominantes de cidadania ou políticas, ou ainda a forma como as operações da sociedade global capitalista contribuem para a opressão das mulheres (Mohanty, 2003). Essa marca liberal do feminismo não só ignora o impacto prejudicial que políticas sociais e de desenvolvimento viradas para o mercado têm tido em mulheres de baixa classe social e económica (tais como vendedoras de rua, profissionais do sexo e agricultoras), mas também deslegitima essas dificuldades, ao afirmar que estas mulheres podiam estar em melhores condições se “se esforçassem mais” ou se “trabalhassem de forma inteligente”.

Muitas acadêmicas feministas têm afirmado que a ideia de que alguém pode defender os direitos das mulheres e ao mesmo tempo negar a necessidade de desafiar estruturas de poder e privilégio constitui um desvio do feminismo (hooks, 2013; Mohanty, 2003).

Neste contexto, como é que alguém mobiliza mulheres em volta de uma agenda feminista transformativa? Para o Ondjango Feminista a resposta parece estar na criação de duas estratégias críticas de construção de movimento: elevar a conscientização e empoderamento político. Wilson (2011: 24) afirma que estas atividades permitem que as pessoas saiam de “uma consciência ingênua dos problemas que as afectam para uma consciência crítica dos problemas quando estas passam a questionar porquê, o quê e como.” A elevação da consciência política tornou-se um aspecto crítico dos activismos. Este processo tem sido facilitado através dos encontros mensais do Ondjango Feminista, onde de forma colectiva as mulheres reflectem e debatem sobre vários problemas que afectam as suas vidas e que moldam as suas experiências enquanto mulheres com uma perspectiva feminista crítica.

Depois de quase um ano, é possível notar algumas mudanças na conscientização feminista das participantes regulares aos encontros. Essa mudança é evidente nas intervenções feitas por participantes durante os encontros mensais, quer pelas questões levantadas após as apresentações de abertura, como nas conclusões e ações que estas identificam durante os workshops em cada encontro. Depois do fórum nacional com o tema “Criando pontes de solidariedade”, as contribuições das participantes durante as discussões em torno dos temas “Por que as mulheres lutam?”, “O patriarcado e os espaços públicos de opressão", “Mulheres e acesso à saúde”, “Sexualidade: liberdade atrasada”, indicaram uma consciência em aumento sobre a forma como estruturas patriarcais de opressão estão presentes em vários aspectos da vida das mulheres, desde os mais privados aos mais públicos. Com base nessas observações, parece plausível que se espere que, com o crescimento e amadurecimento do movimento feminista em Angola, e com o aprofundamento da compreensão do feminismo por parte das suas membras, essa noção continue a mudar em direcção a ideologias que politizem as dificuldades em relação aos direitos das mulheres e que localize essa dificuldade dentro de estruturas de justiça social e acção colectiva baseada em solidariedade.

Acesso a recursos feministas

A disponibilidade de fontes de informação credíveis sobre as condições sociais das mulheres é uma barreira importante na mobilização do feminismo em Angola. Apesar dos canais de notícias reportarem, quase diariamente, novos casos de violência física e sexual contra mulheres, continua a ser difícil o acesso a dados desagregados por género que apontam para os problemas que as mulheres angolanas enfrentam. Há também poucas análises críticas das diferenças estruturais nas experiências de mulheres comparadas a experiências de homens (Liberato, 2016).

Assim, quando feministas angolanas problematizam os impactos de certos eventos ou políticas em mulheres, a resposta avassaladora da sociedade e de oficiais do governo tende a ser que estes problemas não são problemas especificamente de mulheres, e consequentemente não precisam de ser adereçados com base no género, e muito menos de uma perspectiva feminista. Podemos dizer que essas afirmações são, geralmente, feitas como consequência da falta de entendimento/claridade em relação a problemas feministas, estes têm sido usados também como uma estratégia para silenciar discursos feministas.

O   caso   da   criminalização   do   comércio   ambulante   é   um   exemplo proeminente. Enquanto que há uma tendência de as feministas afirmarem que essas restrições apresentam mais desafios para vendedoras ambulantes, as zungueiras, críticos insistem que a venda ambulante não é uma actividade exclusivamente feminina. De facto, os homens também praticam de tal actividade. No entanto, este sector é dominado por mulheres, particularmente mulheres jovens (Human Rights Watch, 2013), e com base numa observação informal das dinâmicas do assédio policial feita em 1 dia, nas ruas de Luanda, mostra que os métodos e consequências são diferentes para mulheres em relação aos homens.

A indisponibilidade de estatísticas relevantes tem-se tornado problemática quando os problemas em questão são considerados tabu, tais como o aborto e o trabalho do sexo. Na ausência de informação local que documente o peso da criminalização do aborto - por exemplo, quantos abortos clandestinos são praticados em Angola, o perfil das mulheres que procuram por estes serviços, aonde e como esses serviços são procurados, os riscos e o número de mortes e outros impactos perversos dessa criminalização - actividades feministas normalmente confiam na informação internacional, maioritariamente do Brasil (por terem a língua em comum) e agregados da África subsariana. Apesar dessa informação ser útil para entender a extensão global do problema, não faz jus àquilo que é a realidade das mulheres em Angola. Isto enfraquece a legitimidade da discussão sobre a descriminalização. Há também o desafio de acesso a material sobre teoria feminista local. Estudos femininos e feministas continuam sem receber a relevância que merecem, isso é comprovado pela inexistência de material feminista em departamentos das universidades locais. Para muitas mulheres da academia angolana - até mesmo aquelas em departamentos de estudos sociais - estudos feministas são ainda um território desconhecido.

Um desenvolvimento encorajador é o crescente número de mulheres à procura de estudos femininos, estudos sobre género ou até mesmo estudos feministas em universidades fora do país. Muitas destas mulheres estão a envolver-se em análises feministas das condições das mulheres em Angola, e estão a usar meios tal como blogues e conferências para discutir e disseminar o seu trabalho. Esta é a realidade da Florita Telo, membra fundadora do Ondjango Feminista, que está de momento a prosseguir o seu doutoramento em estudos sobre mulheres, género, e estudos feministas no Brasil, e tem o seu blog em www.floritatelo.wordpress.com .

Apesar de a internet estar cheia de recursos feministas que podem ser adquiridos de graça, e apesar do crescimento destes recursos disponíveis em Português - pelos quais devemos agradecer as feministas brasileiras - , os custos de dados móveis continuam proibitivamente altos em Angola. Isto cria uma situação em que o acesso a teorias e análises feministas é diferenciado por classes sociais.

Há, no entanto, razões para se ter esperança. Apesar da indisponibilidade de conteúdo académico e formal sobre problemas feministas, muitas mulheres angolanas jovens têm levado a cabo as suas próprias análises das condições sociais de mulheres, e têm usado meios alternativos tais como redes sociais e a Internet para aumentar a consciência em torno da agenda. Muitos debates têm sido gerados nestas plataformas e, num contexto onde há poucas opções disponíveis ou acessíveis, este engajamento criou um espaço necessário para a transferência de conhecimentos feministas. Os encontros mensais organizados pelo Ondjango Feminista têm servido a transformar essas interacções de um contexto virtual para um contexto físico, e têm tido um retorno esmagadoramente positivo em termos de aderência e envolvimento.

Muito recentemente, houve o surgimento em traduções independentes de textos feministas importantes. Muito do que é traduzido - e que subsequentemente serve como referência para novas feministas -, no entanto, são textos de mulheres negras na América do Norte e no Brasil, e não necessariamente o trabalho de feministas africanas, cujas experiências são mais próximas às experiências das mulheres angolanas. Em parte, isto deve-se à falta de consciencialização sobre o rico arquivo de estudos feministas africanos, e até certo ponto é justificado pela barreira linguística, sendo que Angola é um país de língua oficial portuguesa e a maior parte dos trabalhos feministas africanos estão escritos na língua inglesa. Contudo, para além disso, na Angola pós-independência tem havido uma tendência problemática e generalizada em se conectar mais com países ocidentais do que com outros países africanos.

Adoptando a Carta de Princípios africanos para feministas africanas como guia de orientações para acção e ideologia feminista, o Ondjango Feminista afasta-se dessa tendência e explora novas possibilidades para engajamento feminista em Angola. Uma das suas primeiras acções foi a tradução da carta para Português e disponibilizá-la tanto em formato impresso como eletrónico. A tradução foi feita voluntariamente por membras da equipa de coordenação do Ondjango Feminista e foi subsequentemente publicada pela AWDF a tempo de ser distribuída no primeiro fórum do Ondjango Feminista. Com o lançamento do website em meados de março de 2017, o Ondjango Feminista tem planos de traduzir regularmente textos e análises de grande influência, escritos por feministas africanas, e vai disponibilizá-los online de graça, com a permissão das autoras.

Antes de o Ondjango Feminista ter sido criado, outras plataformas engajavam com feministas angolanas pela necessidade de tornar local as suas análises e práticas. Um exemplo em destaque é o programa “Mulheres, Direitos e Participação”. Criado por membras fundadoras do Ondjango Feminista - Florita Telo e Sizaltina  Cutaia - o show convida mulheres de diferentes campos para discutir vários problemas que afetam mulheres e meninas em Angola. Até agora, vários tópicos foram discutidos, desde a forma como as mulheres são representadas pelos média, como a cultura é normalmente usada para oprimir as mulheres, e a necessidade de uma abordagem feminista na elaboração das políticas públicas, particularmente no que diz respeito aos direitos e escolhas das mulheres.

Construir solidariedade e criar conexões com outras organizações e movimentos feministas africanos vai ser importante para que possamos endereçar desafios ao acesso de recursos feministas. A nossa participação no último fórum feminista no Zimbabwe em 2016, não só inspirou a criação do Ondjango Feminista, mas também permitiu criar um relacionamento com feministas e organizações feministas de outras regiões do continente. Este encontro anunciou uma nova era de relações transfronteiriças que as feministas angolanas estavam ansiosas para aproveitar.

Em Outubro do mesmo ano, Âurea Mouzinho representou o Ondjango Feminista na conferência de feminismo político em Maputo, resultado da colaboração do Fórum Mulher, uma associação moçambicana, de uniões, organizações de base, instituições governamentais e organizações internacionais, para desenvolver uma agenda colectiva para a promoção dos direitos das mulheres (Casimiro, 2011). Fórum Mulher, que começou em 1993, desenvolveu uma riqueza de recursos sobre os direitos das mulheres e feminismo em português, que é também a língua oficial de Moçambique. E por este motivo a participação do Ondjango Feminista nesta conferência foi particularmente valiosa, dada a possibilidade aberta para as feministas angolanas terem acesso a estes recursos e forjar colaborações com diferentes feministas moçambicanas.

Criando espaços seguros

O considerável esforço do governo angolano de controlar e reprimir a organização da sociedade civil e não partidária é dedicado à vigilância de vozes dissidentes. Esse acto toma várias formas, incluindo a contratação de espiões e informantes, bófias, para que se infiltrem no círculo dos activistas. A existência de bófias é de conhecimento público na sociedade angolana, particularmente entre organizações da sociedade civil, e representa um desafio significativo na mobilização em torno de qualquer questão. O medo que as pessoas têm de estarem a ser espiadas limita não só o interesse no envolvimento em acções colectivas ou movimentos sociais, mas também o nível de disponibilidade em envolver-se. Isso acontece porque as repercussões tendem a ser maiores para aqueles que são - ou são vistos como - mais expostos sobre a causa, e ocupam lugares de liderança importantes.

Essa dinâmica dificultou o trabalho de muitos grupos de activistas, incluindo o Ondjango Feminista, para criar espaços seguros e criar engajamento. Isso representa um desafio extra nos nossos esforços de mobilização e organização de agendas feministas. Apesar do progresso feito em termos de expansão de conversas fora do espaço virtual, continua difícil convencer mulheres a participarem e comprometerem-se com acções colectivas nestas circunstâncias. Espaços seguros são vitais para activistas feministas, não somente para discussões e partilha de histórias, ideias, sentimentos e estratégias, mas também para ter a oportunidade de fazê-lo sem medo de repercussões e escrutínio do estado. Isso é particularmente importante, porque há poucos espaços como este para mulheres em geral, e em muitos casos as alternativas - como os lares e as famílias das mulheres - são os próprios locais onde as personalidades e corpos são violados.

Com o crescimento e visibilidade do Ondjango Feminista, a preocupação de assegurar que os seus espaços são seguros é cada vez mais real e irá exigir uma resposta estratégica. No entanto, está cada vez mais claro que a resistência criativa é o único caminho. Quem sabe, estudar e conectar-se a movimentos feministas em outras partes do mundo que tenham os mesmos desafios ajude a esclarecer quais possibilidades estão disponíveis. O que permanece importante durante o processo de criar e manter espaços seguros é a necessidade acautelar e prevenir que seja replicado pelo movimento o mesmo elemento de discórdia que já existe na sociedade. Enquanto grupo, o Ondjango Feminista anda em direcção a este objectivo, será importante manter-se fiel aos seus valores de actuação, diversidade, inclusão, sem descriminação, sem violência, transparência, justiça, liberdade e solidariedade.

O futuro da organização feminista em Angola: nota de conclusão 

A discussão acima contextualizou a formação do Ondjango Feminista em Angola, e destacou alguns dos desafios enfrentados por organizações feministas no país. Apesar de serem desafios pertinentes, ainda há esperança para as futuras organizações feministas angolanas. Pela primeira vez em muito tempo - pelo menos desde que Deolinda Rodrigues criou a OMA - mulheres jovens estão na liderança dos debates em volta dos direitos das mulheres. A faixa etária das membras da equipa de coordenação da Ondjango Feminista é de 21 - 38 anos de idade, e quase 63% das mulheres que participaram dos três últimos encontros mensais do Ondjango Feminista têm entre 25 e 35 anos de idade (Ondjango Feminista, 2017).

À medida que o movimento feminista angolano continua a crescer, o seu sucesso ou falhanço será determinado pela sua habilidade de continuar a enfrentar os desafios propostos. O sucesso será moldado também por como o movimento responde a outras questões que precisam de atenção, tais como mobilizar para lá das zonas urbanas, as condições das mulheres LBTQ, e entre outros, o impacto das mudanças climáticas. Continuamos com esperança no futuro não só pelo facto de as líderes das organizações feministas em Angola serem jovens, mas também porque o Ondjango Feminista trabalha no âmbito de um feminismo crítico e autónomo, de uma forma progressista e marcada pela solidariedade. As membras do Ondjango Feminista dedicam voluntariamente o seu tempo, energia e intelecto para construir uma sociedade angolana justa para mulheres, livre de qualquer forma de opressão patriarcal, construindo pontes entre as divisões de classe, etnicidade, raça e identidade sexual: estruturas que por muito tempo foram usadas para manter as mulheres separadas.

  

Notas finais 

1.  Entre os activistas, haviam duas mulheres, daí o “+2”. Elas eram Laurinda Gouveia e Rosa Conde, que depois da soltura da prisão tornaram-se membras do Ondjango Feminista.

2.  Umbundu é uma língua nacional angolana falada nas regiões do centro e sul do país pelo povo ovimbundu, o maior grupo étnico em Angola. Ondjango é uma abreviação da frase em umbundu “Ondjo y’ohango” composta por duas palavras “ondjo” (casa) e Ohango (falar ou conversar).  Portanto, Ondjango significa casa ou lugar de conversação.

3.  Disponível em www.ondjangofeminista.com.

4.  Tradução e edição: Nakamela Tchimbili e Tchenguita

Referências

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De Carvalho, Júlio Sebastião Fernandes, 2009. Mulher-Soldado no Ordenamento Jurídico Angolano. Luanda: Editora Chá de Caxinde.

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Hooks,bell. 2013.Dig Deep: Beyond Lean In. Disponível em http://www.thefeministwire.com/2013/10/17973.

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Liberta, Ermelinda. 2016. “ 40 Anos de Independência: Uma Reflexão em Torno da Mate Condição da Mulher Angolana”. Estudos Feministas 24 (3): 997 - 1006.

Mate, Rekopantswe. 2011. Feminist Responses to the Neoliberal Global Economic Order. Disponível em http://www.osisa.org/buwa/womens-rights/regional/feminist-responses-neoliberal-global-economic-order.

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PAANE. 2014. Relatório Sobre o Diagnóstico de Género de Angola. Disponível em http://eeas.europa.eu/archives/delegations/angola/documents/press_corner/2

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United Nations. 1993. Declaration on the Elimination of Violence Against Women. New York: United Nations.

Wilson, Shamillah.  2011.  Feminist and Women’s Movement building in Southern Africa. Open Debate. Open Society Southern Africa.

 

fonte: https://www.ondjangofeminista.com/ondjango/2021/10/31/reflexes-sobre-as-organizaes-feministas-em-angola-1

 

Entrevista18/07/2022

Desafios do feminismo em Angola

Como as mulheres feministas se organizam na luta por seus direitos e contra a violência politica
CAPIRE 
 
 

“Na história contemporânea pós-colonial de África, Angola é conhecida como o local de um dos conflitos mais traiçoeiros que assolaram o continente.”, conta Sizaltina Cutaia. O país que conquistou a independência de Portugal em 1975 viveu 27 anos de guerra civil entre o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), e a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). A vitória do MPLA em 1991 encerrou a guerra no país e, desde então, esse mesmo partido se mantém do poder.

Conversamos com Sizaltina Cutaia e Maria Luiza, também conhecida como Tchengita, militantes da Ondjango Feminista. Ondjango Feminista é uma organização criada em 2016, que se orienta pela Carta de princípios feministas para as feministas africanas. Um feminismo situado nas questões particulares do contexto africano. Na entrevista, elas nos contaram como se dá a organização das mulheres na luta por seus direitos no contexto político de Angola, quais desafios as mulheres enfrentam para se organizar em uma agenda feminista e compartilharam suas impressões e perspectivas sobre as próximas eleições que acontecem em 24 de agosto.

Desde a independência de Angola, em 1975, o país é governado pelo mesmo partido e durante muito tempo foi inclusive governado pela mesma pessoa, o ex-presidente José Eduardo dos Santos, no poder de 1979 a 2017. Como essa falta de alternância e como a articulação desse partido para se manter sempre no poder afeta a vida prática das pessoas angolanas, especialmente das mulheres?

Siza: Teremos eleições em 24 de agosto desse ano, e na semana passada o Presidente da República foi na qualidade de candidato à presidência visitar a província do Bengo. Os professores da escola pública receberam orientações para não faltar à visita. Quem faltasse poderia sofrer descontos e outras consequências. Estamos em 2022, faz 22 anos que acabou a guerra e 30 anos desde nossa primeira eleição multipartidária. Mesmo assim o MPLA continua com poder hegemônico, estruturando quase todas as relações na sociedade. As pessoas ainda hoje têm medo de dizer que têm simpatia por outro partido político, pois esse é um partido que conseguiu seu poder à custa de violência. A violência foi muito forte para impedir que as pessoas realmente pudessem se organizar e mobilizar. Inclusive com serviços secretos de vigilância espalhados por todas as estruturas, limitando o exercício pleno da cidadania dos angolanos.

Se tem eleições e as pessoas podem decidir, como o mesmo partido continua no poder? Como se dá o processo eleitoral?

Tchenguita: As pessoas têm medo de represálias. Nós estamos a vir de 27 anos de guerra civil somados as outras violências de 75 para cá, como os casos de 27 de Maio1 e a Sexta-feira Sangrenta2. Todos esses eventos violentos fizeram com que houvesse um medo coletivo. Nós temos uma frase que diz “Xé, menino! Não fala política” e todos nós crescemos a volta disso. Esse medo muitas vezes faz com que as pessoas votem nesse partido. Mas também tem outro aspecto de que o partido utiliza de todo tipo de arbitrariedade e ilegalidade para se manter. Então fraudes eleitorais são comuns nesse país.

Eu faço uma correlação entre o partido em situação e o próprio colonialismo. Eles adaptaram certas ferramentas colonialistas para nós. Por exemplo, o caso de as pessoas não poderem exercer cargos públicos se não forem do MPLA me faz lembrar os cidadãos de segunda e primeira classe da época colonial. Se você não deixasse os teus hábitos culturais africanos étnicos e não se assimilasse, você não sobressaía na vida. Os colonizadores impunham impostos que as pessoas não iam conseguir pagar, pois não tinham acesso aos trabalhos. Isso as obrigava a se tornarem assimiladas com a cultura imposta. Isso é uma coisa que eles transportaram para sua política.

Mesmo nesse contexto político conturbado e de muitas opressões, as mulheres se articulam em organizações feministas e lutam por suas reivindicações. Gostaríamos de entender um pouco da história e do contexto atual da luta de mulheres. Houve avanços nos últimos anos?

Siza: Houve alguns avanços principalmente no âmbito normativo. Um regime totalitário precisa fazer algumas concessões para se manter no poder, fazer reformas de maquiagem. Conseguimos aprovar determinadas leis conforme os padrões internacionais. Por exemplo, nós temos uma lei de violência doméstica, mas que tem muitas limitações para ativamente dar resposta ao problema da violência contra mulher. Temos uma política nacional para igualdade de gênero com representação das mulheres no parlamento. Nas eleições deste ano, o MPLA vem com uma lista que apresenta 51% de mulheres como candidatas. Esse é um governo composto por várias mulheres e em posições muito importantes, mas do ponto de vista prático, de melhorar as condições sociais das mulheres, nós ainda temos muito trabalho para fazer.

Falta investimento adequado no setor da saúde. Quase todos os meses temos a inauguração de uma estrutura de saúde pública com investimento milionário, mas que depois não funciona. O hospital inaugurado há seis meses em Luanda precisou ser evacuado porque tem risco de incêndio. Esses investimentos não são de qualidade e não são feitos para realmente melhorar a qualidade da vida das pessoas. As mulheres continuam a ser prejudicadas pela falta de água potável. Se não há água potável, quem vai deixar de trabalhar para carregar água para família? As mulheres. Dentre outras questões, temos problemas muito sérios em Angola de violência obstétrica, de falta de medicamentos e violência sexual contra meninas e mulheres.

Os avanços que existem são poucos, mas a luta continua. Eu sou um pouco mais velha, mas essas miúdas, essas jovens com essa energia nos dão esperança de que em algum momento as coisas talvez mudem. Muitas mulheres jovens assumidamente feministas estão disputando a política com uma posição muito mais crítica sobre a situação. O fato delas estarem a entrar nesse espaço que ainda é muito dominado pelas agendas dos partidos, esses liderados por homens, são brechas que se abrem. Nós esperamos que possam servir de espaço para produzir algumas transformações

Nesse caso, como se dá a luta da Ondjango e das organizações feministas por esses direitos não garantidos pelo governo atual? Quais desafios enfrentados?

Tchenguita: As organizações de mulheres aqui são essencialmente organizações da sociedade civil que apontam para aspectos urgentes como saúde sexual e reprodutiva das mulheres, voltada para doenças sexualmente transmissíveis como HIV e SIDA, e violência doméstica. Mas elas não apontam em aspectos fulcrais e nem pegam as motivações desses mesmos problemas. O Ondjango nasceu numa época em que se discutia digitalmente sobre feminismo, entre os anos de 2015 e 2016. Enquanto em outros países se avançava essa discussão, nós estávamos a começar a discussão feminista. Até hoje o termo feminista é um termo demonizado e mal visto.

O feminismo não é aceito também porque dizem que ele é importado. “É um conceito ocidentalizado, não tem que ver com a cultura africana”. Esse é um argumento que todas as feministas africanas têm que lidar. O Ondjango precisou conquistar seu espaço em meio a depreciação da imagem das mulheres que faziam parte da organização. Mas nós conseguimos demonstrar que esse é um espaço de militância política e conseguimos também conquistar mulheres, que era nosso objetivo.

Siza: Nós propomos sempre trazer e discutir os assuntos a partir de alguma evidência. Nós produzimos nossos informes com informações a partir de uma realidade posta para as mulheres. Quando começamos a discutir, por exemplo, a questão do aborto, nós fomos atrás de informação. Fizemos alguns inquéritos na internet para as pessoas dizerem coisas e fomos falar com responsáveis das maternidades públicas para nos darem estatísticas. Uma das frases para defender a criminalização do aborto era de que se descriminalizado, as miúdas iam usar o aborto como método contraceptivo. Nós tínhamos dados que nos indicavam que a maioria das mulheres que apareciam nos hospitais públicos para tratamento em resposta a um aborto mal feito eram mulheres entre 26 e 38 anos, que eram casadas e já tinham filhos. Promovemos debates, produzimos artigos de opinião, produzimos informações e elaboramos uma carta documentada para assembleia nacional. Nessa carta explicávamos por que o aborto é uma questão de saúde pública, que tinha que ser visto como uma questão de justiça social. Chegamos na reunião da Assembleia para qual nem fomos convidadas como as únicas que tinham um documento escrito e fomos as primeiras a falar, então ditamos o tom da conversa.

Em 2017 um novo presidente foi ao poder, mas ainda do mesmo partido, não significando muitas mudanças. No entanto, desde 2017, o mundo passou por várias mudanças significativas, incluindo uma pandemia global e o aumento da exploração do sul global pelo norte. Como se dá a situação das mulheres angolanas agora e qual é a participação do movimento feminista neste momento no país?

Siza: Nós somos um país cuja economia é muito marcada pela informalidade que tem como base as mulheres. São as mulheres que estão nas praças e realizando o trabalho doméstico. A pandemia afetou as mulheres de uma forma muito direta. Houve discussões sobre como a violência contra mulher aumentou pela pandemia. Os pouquíssimos centros de acolhimento de mulheres vítimas de violência foram fechados nos períodos de isolamento. Nesse período ainda tivemos seca em Angola que afetou gravemente as populações do sudeste e sul do país. Diante disso, entendemos que o nosso ministério da Assistência Social precisa muito ser reforçado por pessoas com entendimento das desigualdades estruturais para elas poderem pensar políticas que respondam às necessidades específicas das mulheres.

Há neste momento um projeto elaborado pela Associação de Assistentes Sociais de Angola de avaliação das políticas sociais que existem no país e nós temos uma companheira do Ondjango com esse grupo. Estamos tentando colocar uma perspectiva de gênero nessa avaliação para podermos fazer sugestões e recomendações de melhoras nas políticas públicas.

E com essas eleições de agosto, quais as perspectivas para o futuro?

Tchenguita: Nossa tensão está na violência e nas fraudes que conhecemos por terem sido usadas no passado e podem ser utilizadas novamente. Mas se formos pela via legal, pela transparência, a esperança de ter uma mudança é grandíssima. Dessa vez houve uma mudança enorme, principalmente em todos estarem juntos para tirar um único poder. O problema é que esse poder não é passivo, e temos receio.

Siza: Eu acho que tem esperança. Essas serão as eleições mais disputadas da história deste país. Porque hoje, em 2022, pela primeira vez, a possibilidade do MPLA perder as eleições é real. As promessas do atual presidente não foram cumpridas, a oposição tem um candidato forte e carismático e há saturação do sistema. A oposição fez uma coisa que durante anos a sociedade civil pediu para fazerem, formar alianças. Os partidos políticos conseguiram se juntar e fazer uma frente única, a Frente Patriótica Unida. Temos a presença de jovens nessa lista, a presença de pessoas que não são militantes de partidos políticos, pessoas que não seguem a lógica concebida em Angola de partido. Uma lógica de que não se pode criticar o líder ou divergir do sistema. Isso é algo para celebrarmos. Eu me recuso a me desesperançar, pois isso seria abrir mão desse país que também nos pertence. E eu acredito piamente que são as mulheres que vão mudar este país. As mulheres que se articulam ao nível comunitário, as mulheres de Ondjango, as das igrejas, essas se articulam e vão mudar o país.

Entrevista conduzida por Bianca Pessoa

Revisão por Tica Moreno

1 No dia 27 de maio de 1977, um racha entre apoiadores de dois candidatos diferentes do partido MPLA protagonizaram uma perseguição interna que resultou em dezenas de milhares de angolanos torturados, mandados para campos de concentração e fuzilados sem julgamento.

2 Sexta-feira Sangrenta, em Angola, simboliza os massacres perpetrados contra angolanos do grupo etnolinguístico Kikongo em 23 de Janeiro de 1993.

 
 
 

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