Quase lá: Os caminhos para alentar as mães cientistas

Estudos apontam: políticas de inclusão melhoram a realidade de mães que almejam a carreira acadêmica – e auxiliam, por exemplo, no cuidado infantil. Porém, elas ainda são incipientes. Eliminar pressão pelo produtivismo imediato é central

OutrasMídias

Publicado 15/07/2024 às 18:19

 

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Por Fernanda Staniscuaski, no The Conversation

A academia e a ciência continuam sendo um campo onde diversos grupos permanecem sub-representados. As mulheres, em particular, continuam a enfrentar barreiras estruturais e culturais que dificultam seu progresso e pleno desenvolvimento de suas carreiras acadêmicas e científicas.

Dados da UNESCO mostram que, globalmente, as mulheres representam apenas 30% dos pesquisadores. No Brasil, essa proporção é um pouco melhor, mas a desigualdade persiste em posições de liderança, demonstrando o conhecido efeito-tesoura.

 

Vale ressaltar que quando a análise leva em consideração raça, a desigualdade é ainda mais gritante. Dos professores de pós-graduação em STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) no Brasil, 29,2% são mulheres brancas, enquanto apenas 2,5% são mulheres pretas, pardas ou indígenas. Mais gritante ainda é a sub-representação de pessoas com deficiência: apenas 0,19% dos docentes do ensino superior são mulheres com deficiência.

A maternidade representa um desafio significativo para mulheres cientistas em todo o mundo e contribui para sua sub-representação, frequentemente colocando em xeque suas trajetórias acadêmicas. O sistema acadêmico atual não está adequadamente equipado para apoiar as mães que desejam prosseguir suas carreiras científicas. Ao contrário, há uma penalização destas cientistas por não se enquadrarem em um modelo arcaico de academia, que ainda se apega ao mito de uma falsa meritocracia.

As mães cientistas enfrentam desafios significativos na academia, onde as políticas de apoio ainda não correspondem às necessidades reais de cuidados infantis, em uma sociedade que coloca quase que exclusivamente na mulher a responsabilidade por este cuidado. A pressão constante para publicar artigos científicos, orientar estudantes e garantir financiamento pode ser exacerbada para as mães, que enfrentam interrupções na produtividade devido às responsabilidades de cuidar dos filhos.

A queda de produtividade das mães é, então, esperada, dado que não existem políticas efetivas de manutenção da carreira, como a possibilidade de contratação de pesquisadores temporários para assumir a pesquisa durante a licença maternidade ou no período imediato ao retorno. É crucial reconhecer que essa diminuição nas publicações não indica falta de comprometimento, competência ou capacidade das cientistas mães, mas há uma readaptação da carreira após a maternidade.

No entanto, a expectativa de uma carreira linear e ininterrupta na academia não leva em conta essas realidades, criando um ciclo vicioso onde a queda na produtividade resulta frequentemente em menos financiamento e oportunidades de pesquisa. Isso, por sua vez, limita as possibilidades de avanço na carreira das mulheres cientistas que são mães, contribuindo para a perpetuação da desigualdade de gênero no ambiente acadêmico.

É importante frisar que a maternidade não é um obstáculo à excelência acadêmica, mas sim uma questão de estruturas institucionais e culturais inadequadas que precisam ser reformadas. Para promover a igualdade de gênero e a diversidade na ciência, é essencial implementar políticas inclusivas que apoiem efetivamente as mães cientistas.

Isso inclui não apenas políticas de licença maternidade robustas e flexíveis, mas também a criação de ambientes de trabalho que valorizem e respeitem as necessidades das mães e promovam oportunidades equitativas de avanço na carreira científica.

 

Iniciativas recentes têm demonstrado como políticas inclusivas podem revolucionar este cenário. Ao adaptar suas políticas para apoiar efetivamente mães, instituições acadêmicas promovem um ambiente de trabalho mais produtivo, diverso e justo.

Estudos de caso mostram que a inclusão de políticas de apoio à maternidade em editais de financiamento e bolsas têm impactado positivamente a carreira de cientistas mães no Brasil. Desde 2019, a Universidade Federal Fluminense implementou uma política específica dentro do edital PIBIC (Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica) para apoiar mães. Este edital oferece um bônus de até 5 pontos para docentes que estiveram em licença maternidade.

A análise dos resultados de 2021, realizada pela Comissão Permanente de Equidade de Gênero (CPEG), revela o impacto significativo dessa iniciativa. Das 505 mulheres que submeteram propostas ao edital PIBIC 2021 como orientadoras, 25 utilizaram a pontuação extra relacionada à licença maternidade. Dessas mães, 15 somente conseguiram aprovação por conta do bônus previsto no edital.

Portanto, a política de apoio à maternidade estabelecida pela UFF nesse edital possibilitou a aprovação de 60% das cientistas mães que submeteram ao edital. No entanto, é crucial reconhecer que ainda existem desafios a serem superados, como a necessidade contínua de ampliar o acesso a essas políticas e garantir que sejam efetivamente implementadas e respeitadas em todas as instituições de ensino e pesquisa.

Outro exemplo de iniciativas práticas destinadas a apoiar mães cientistas na academia é o programa “Apoio às Cientistas Mães”, implementado este ano pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), em colaboração com o Instituto Serrapilheira e o movimento Parent in Science.

Este programa de fomento oferece auxílio financeiro para pesquisadoras de Instituições de Ciência e Tecnologia do RJ que se tornaram mães nos últimos 12 anos, facilitando sua reintegração às atividades científicas após a maternidade. Além disso, o edital contempla mães de pessoas com deficiência, permitindo-lhes submeter propostas independentemente da idade de seus filhos.

O reconhecimento da maternidade atípica em iniciativas como essa é crucial para promover a equidade na ciência e para garantir que todas as cientistas tenham oportunidades justas de desenvolver suas carreiras acadêmicas, respeitando as diferentes circunstâncias familiares que cada uma enfrenta.

Precisamos reconhecer, no entanto, que as políticas inclusivas destinadas a apoiar mães na academia devem ser implementadas de maneira a abordar também questões raciais e de classe, o que ainda é escasso. Estudo mostrou que cientistas negras, durante a pandemia, foram as pessoas mais afetadas em termos de produtividade. Portanto, ações com este olhar interseccional são fundamentais. Um exemplo de ação é o programa Amanhã, do movimento Parent in Science.

Este programa de auxílio financeiro para estudantes de graduação e pós-graduação mães foi implementado em 2021 e atendeu até hoje 53 mães, tendo como prioridade mulheres negras e indígenas, além da situação econômica da estudante. A inclusão de uma perspectiva econômica e racial no contexto das políticas inclusivas para mães na academia é premissa para promoção da equidade dentro do ambiente acadêmico e científico.

Políticas inclusivas voltadas para mães na academia não só melhoram as condições de trabalho para cientistas mães, mas também contribuem significativamente para a construção de um ambiente científico mais equitativo, diverso e sustentável. Para além dos benefícios individuais, as políticas inclusivas representam um investimento no futuro da ciência e da sociedade como um todo.

A diversidade (de raça, gênero, regional, etc) nas equipes de pesquisa aumenta a criatividade, a inovação e a qualidade das descobertas científicas. Ao promover um ambiente onde todas as pessoas possam contribuir plenamente com suas habilidades e conhecimentos, as instituições acadêmicas não apenas promovem a excelência científica, mas também fortalecem a legitimidade e relevância da ciência na solução dos desafios globais.

As políticas inclusivas para as mães na academia não são, portanto, apenas uma questão de justiça social, mas também uma estratégia inteligente para fortalecer a ciência e a inovação e liderar uma mudança substancial no sistema acadêmico e científico, que beneficiará toda a comunidade acadêmica e a sociedade em geral. A flexibilização do sistema acadêmico, reivindicada pelas mães cientistas, gerará um efeito cascata benéfico para toda a comunidade científica.

Este movimento por uma nova academia mitigará a pressão desumana por uma produtividade contínua e ininterrupta, reconhecendo que a vida acadêmica é intrinsecamente não linear e marcada por fases de intensa dedicação e períodos de menor atividade. A flexibilização do sistema também promove um equilíbrio mais saudável entre vida pessoal e profissional, contribuindo para o bem-estar mental e emocional da comunidade acadêmica.

Ao quebrar o paradigma de uma carreira acadêmica rigidamente estruturada, abre-se espaço para uma diversidade maior de trajetórias e experiências, enriquecendo a pesquisa com perspectivas variadas e inovadoras. Assim, o impacto positivo de políticas inclusivas transcende a questão da maternidade, promovendo uma cultura acadêmica mais resiliente, equitativa e propícia à excelência científica.

fonte: https://outraspalavras.net/outrasmidias/os-caminhos-para-alentar-as-maes-cientistas/

 


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