A presença de mulheres nos "altos" ministérios da Igreja volta a emergir como um problema "insolúvel" para o Sínodo dos Bispos a ser celebrado no próximo mês de outubro; de fato, o papa reitera que a "mulher-padre" é absolutamente inaceitável, enquanto muitas mulheres e homens na Alemanha o consideram desejável e possível. E uma freira indiana considera o ponto de vista de Francisco "inaceitável".
O comentário é de Luigi Sandri, jornalista italiano, publicado por L'Adige, 05-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em entrevista à "America", importante revista dos jesuítas estadunidenses, o pontífice, na semana passada, havia rejeitado totalmente a hipótese da mulher-padre: de fato, explicava ele, emerge do Novo Testamento que a Igreja se alicerça em duas pilares: o "princípio petrino", que funda uma estrutura que prevê, ligados ao sucessor de Pedro, bispos e presbíteros, todos homens; e o "princípio mariano", ou seja, a presença das mulheres - como outrora foi a de Nossa Senhora - que tornam a Igreja esposa e mãe. Mesmo sem citá-lo, Bergoglio tomou esta explicação exegética do teólogo suíço Hans Urs Von Balthasar: este, a quem João Paulo II havia anunciado a nomeação a cardeal em 1988, morreu às vésperas de tal nomeação.
Mas as afirmações de Francisco não agradaram nem um pouco à irmã Virgínia Saldanha, teóloga, originária da Índia, que está entre as mais conhecidas de toda a Ásia.
Dois dias atrás, ela definiu essas palavras como "perturbadoras"; recordou ao pontífice que Jesus não instituiu nenhum “sacerdócio”, mas apenas “ministérios”, ou seja, “serviços” para a comunidade eclesial, abertos tanto a homens como a mulheres; e salientou que estas, e não os homens, deveriam dizer qual poderia ser o seu papel na Igreja.
Que uma freira teológica conteste uma declaração papal em alto e bom som teria sido impensável até alguns anos atrás; mas a liberdade de expressão agora é irreversível até mesmo na Igreja Romana onde, embora muitas mulheres se sintam representadas pelo pensamento de Bergoglio, muitas outras recusam uma procuração em branco a padres, bispos e papas.
Na Europa Central (particularmente na Alemanha, como foi visto no "Synodaler Weg", o Caminho Sinodal em andamento) cresce a cada dia o número de mulheres - assim como de homens - que discordam do magistério papal sobre a problemática dos ministérios; a questão continua sendo espinhosa e controversa. Uma mediação entre o "não" e os "sim" aos ministérios femininos talvez poderia ser encontrada na admissão da mulher como diácona? Uma hipótese que, até agora, Francisco nunca havia proposto.
Em meados de novembro, reunido com altos representantes da Cúria Romana, o presidente da Conferência Episcopal Alemã, Georg Bätzing, havia dito que, em sua opinião, a questão do ministério das mulheres é um dos problemas mais agudos que devem ser enfrentados para reformar a Igreja. Mas as palavras do papa à "America" parecem querer fechar de antemão um debate crucial que paira sobre o Sínodo de 2023.
Portanto, será muito difícil evitá-lo: será acalorado, e vai abalar o "status quo" do papado e de toda a Igreja Católica.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/624575-a-mulher-padre-continua-sendo-um-problema
Argumento de Francisco sobre a ordenação de mulheres “tem seu valor... e seus limites”
“Por outro lado, se, em nome de um princípio petrino essencialmente masculino, as mulheres devem ser excluídas do ministério ordenado, não podemos deixar de nos perguntar o que devem fazer os homens numa Igreja regida pelo princípio mariano, que é essencialmente feminino. Eles têm um lugar? Ou eles não têm um lugar nela? Não são como 'cidadãos' de segunda classe, menos capazes, por natureza, de refletir o que é a Igreja – 'esposa e mãe', disponível e receptiva? Certamente não é disso que o papa está falando, mas podemos ver como as categorizações podem ser problemáticas”, escreve o teólogo francês Jean-François Chiron, professor de Teologia no Instituto Católico de Lyon, em artigo publicado por La Croix International, 05-12-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Eis o artigo.
Em entrevista recente, que não tem peso magistral, o Papa Francisco opinou sobre a permissão de mulheres como padres na Igreja Católica. Ele não é a favor disso. Só os ingênuos ficariam surpresos. O que é importante aqui é o raciocínio do papa para isso, que ele toma emprestado do grande teólogo suíço, Hans Urs von Balthasar.
Ele aponta que há dois princípios na Igreja. O primeiro, chamado princípio petrino, diz respeito a tudo o que é ministerial. A outra, a dimensão mariana, é a finalidade que tudo rege na Igreja como tal. Os dois princípios são sexualmente qualificados (hoje diríamos que são “generificados”). A primeira é essencialmente masculina, a segunda feminina. Segundo essa lógica, não é possível que as mulheres tenham acesso a um ministério de princípio petrino/masculino.
Sabemos como é difícil hoje, pelo menos no Ocidente, qualificar homens e mulheres ou “categorizá-los”. Balthasar vê a Igreja simbolizada por uma mulher. Ele vê as mulheres como “essencialmente receptivas” e, por definição, receptivas, acolhedoras e disponíveis; enquanto Pedro encarna o princípio masculino ativo, a iniciativa. Mas a antropologia – uma antropologia definida culturalmente – não contamina a teologia aqui?
Os homens têm lugar na Igreja?
Por outro lado, se, em nome de um princípio petrino essencialmente masculino, as mulheres devem ser excluídas do ministério ordenado, não podemos deixar de nos perguntar o que devem fazer os homens numa Igreja regida pelo princípio mariano, que é essencialmente feminino. Eles têm um lugar? Ou eles não têm um lugar nela? Não são como “cidadãos” de segunda classe, menos capazes, por natureza, de refletir o que é a Igreja – “esposa e mãe”, disponível e receptiva?
Certamente não é disso que o papa está falando, mas podemos ver como as categorizações podem ser problemáticas se tomadas literalmente. A prudência é necessária quando se passa do âmbito simbólico – a Igreja do lado de Maria, e portanto da mulher, com o ministério do lado de Pedro, e portanto do homem – ao concreto, às consequências que se tiram metáforas resultantes de elaborações teológico-antropológicas.
Mas podemos ser gratos ao Papa Francisco por fazer essas observações. Podemos não segui-lo, mas pelo menos ele se presta a uma posição, que tem seu valor e seus limites. Ele contribui para um debate. Com efeito, o importante é não ficar com um argumento de autoridade que se pretenderia suficiente em si mesmo, mas que se apoia mais no raciocínio do que na Revelação – pelo menos, num raciocínio certamente fundado na Revelação, mas que é relido e interpretado segundo esquemas que, eles próprios, nada têm a revelar.
A Igreja Católica ainda não está pronta
Pode-se dizer também que, no que diz respeito à ordenação de mulheres, exigi-la não é a melhor abordagem. Primeiro, porque a Igreja Católica como um todo claramente não está pronta para cruzar tal limiar. Até porque os defensores do status quo usam esse registro para desqualificar o pedido: na Igreja não se faz cobrança. Mais do que aspirações pessoais ou categóricas, devemos considerar as necessidades do Povo de Deus. Em comparação com a escassez de ministros que fere a Igreja no que é essencial, de que valem as considerações teológicas – fundamentadas, mas questionáveis – sobre o que é “mariano”?
O papa reconhece que “no Vaticano, os lugares onde colocamos as mulheres funcionam melhor”. Ele diz isso em relação a uma terceira categoria, nem ministerial, nem eclesial, mas “administrativa” – que é, no entanto, um pouco ministerial, e que esperamos que seja eclesial, porque a administração do Vaticano é também um serviço da Igreja.
E os exemplos de discernimento “feminino” que o papa dá, em matéria de vocações, mostram que entre os lugares que “funcionam” melhor com as mulheres estão (e isso é muitas vezes uma realidade hoje) os conselhos dos seminários. Acrescentemos a isso as faculdades de teologia, onde as mulheres ensinam no mesmo nível que os homens, sejam eles padres ou leigos: funcionam melhor ainda, embora não façam parte da administração.
Tudo isso sugere que podemos, mesmo a partir dessas categorias, estender a fórmula de Francisco: “Na Igreja (e não só no Vaticano) funcionam melhor os lugares onde as mulheres estão presentes”, correspondem melhor ao que a Igreja deve ser, ao que deve fazer para assumir a sua missão. Se fizermos nosso este princípio, com tempo e sem hesitações desnecessárias, quem sabe até onde poderemos ir – “na Igreja”, assim como “no ministério”, se as necessidades do povo de Deus o exigirem?
Mas, além do tempo, isso exigirá reflexão e argumentação. À sua maneira e de forma pessoal, o papa está contribuindo para isso.
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