O compromisso de dar integral cumprimento às decisões internacionais precisa ocupar um lugar central na agenda do Estado brasileiro.
O compromisso de dar integral cumprimento às decisões internacionais precisa ocupar um lugar central na agenda do Estado brasileiro.
Depois de quatro anos passando vergonha com Bolsonaro, temos visto — esperançosos — os esforços do Brasil para se reposicionar perante a comunidade internacional. Logo nos primeiros dias de governo, o país saiu do Consenso de Genebra, afastando-se de países articulados em prol da misoginia. Neste ano voltou a integrar o Conselho de Direitos Humanos da ONU. Apesar das contradições, foi uma voz importante do Sul Global nos debates da COP do Clima. Sob a presidência do G20, tem sustentado a pretensão de colocar o combate à fome, pobreza e desigualdade no centro da agenda internacional.
Em meio a isso, novamente o Brasil foi condenado por um Tribunal Internacional por violações aos direitos humanos. Em razão de um crime que permanece impune há 23 anos, centenas de famílias precisaram sair do país para buscar a justiça que não conseguiram obter em casa, num dos episódios mais emblemáticos do processo de violência e de criminalização da luta pela terra. No dia 14 de março, a Corte Interamericana condenou o Brasil pela violenta repressão a uma marcha pela reforma agrária e pela não responsabilização da Polícia Militar do Paraná pelo assassinato do camponês Antônio Tavares e mais de 200 feridos, em maio de 2000. Ainda no dia 14, o país também foi condenado pela Corte pela Operação Castelinho, que resultou em 2002 no assassinato de 12 pessoas pela PM, em São Paulo. Nos dois casos, as investigações foram arquivadas pela Justiça brasileira e não houve responsabilização de nenhum agente público.
Os fatos aconteceram há mais de duas décadas. No entanto a violência contra quem defende direitos e a impunidade a esses crimes seguem atuais. Na decisão, a Corte Interamericana emana uma mensagem urgente para o Brasil de 2024: lutar por direitos não é crime, e basta de impunidade aos crimes cometidos pela Polícia Militar. A impunidade alimenta a violência e não pode mais ser tolerada.
Essas condenações evidenciam um descompasso na postura brasileira em relação à sua política externa, o que precisa ser corrigido. Para se consolidar no cenário internacional como um protagonista com voz altiva, o Brasil precisa proteger os direitos humanos dentro do seu próprio território. De que desenvolvimento estamos falando se as pessoas que lutam por direitos em nosso país são diariamente ameaçadas e mortas?
O compromisso de dar integral cumprimento às decisões internacionais precisa ocupar um lugar central na agenda do Estado brasileiro. As famílias que perderam entes queridos para a violência, como as de Marielle Franco, de Bruno Pereira, de Dom Phillips, de Mãe Bernadete, de Dilma Ferreira, não podem esperar mais 20 anos por justiça, como aconteceu com a família de Tavares.
*Ayala Ferreira é da coordenação nacional do MST; Camila Gomes, da coordenação internacional da Terra de Direitos.
fonte: https://www.terradedireitos.org.br/acervo/artigos/brasil-precisa-respeitar-os-direitos-humanos/23999