Em publicação da Cátedra José Bonifácio, Susana Malcorra alinha os desafios para que homens e mulheres sejam tratados do mesmo modo
“Repassando a história das Nações Unidas da perspectiva da mulher, fica claro que não faltam instrumentos, nem mecanismos, para avançar para a igualdade de gêneros. Ao longo do tempo, houve numerosas ocasiões nas quais os Estados-membros se comprometeram a promover o empoderamento da mulher, em todos os seus aspectos.
No entanto, apesar de contar com as ferramentas disponíveis, a igualdade da mulher continua sendo indefinida, como assinalam os prognósticos do Foro Econômico Mundial. De acordo com seus dados, no ritmo atual a igualdade de gênero será alcançada em 131 anos, horizonte que retrocedeu 35 anos, devido à pandemia de covid-19.”
Sem dúvida, embute um prazo muito longo esta constatação de Suzana Malcorra, citada nos parágrafos acima, que fazem parte do seu texto Las Naciones Unidas y la Mujer, na publicação Perspectiva Feminista para uma Nova Governança Global, da qual foi coordenadora – publicação esta resultante de seu trabalho como titular da Cátedra José Bonifácio da Universidade de São Paulo, durante o ano de 2023, em que dirigiu equipe de especialistas e pós-graduandos que participaram de estudos sobre o lugar ocupado pelas mulheres na direção de empresas e organizações ao redor do mundo.
A argentina Malcorra tem uma ampla e variada experiência profissional, como descreve o coordenador da Cátedra José Bonifácio, Pedro Dallari: graduada em engenharia pela Universidad Nacional de Rosario, por mais de duas décadas atuou nos setores de tecnologia e telecomunicações. Foi engenheira de sistemas na International Business Machines – IBM e diretora-geral da Telecom Argentina.
Em 2004, a Organização das Nações Unidas – ONU entrou na sua vida. Foi diretora de Operações no Programa Mundial de Alimentos; secretária-geral adjunta do Departamento de Apoio a Atividades de Campo da ONU para trabalhar em operações de manutenção da paz e, finalmente, chefe de gabinete do secretário-geral Ban-Ki Moon.
Em nova guinada, foi ministra de Relações Exteriores da Argentina no governo de Mauricio Macri e presidiu a XI Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio – OMC, realizada em Buenos Aires em 2017. É uma das fundadoras da iniciativa Global Leaders Women Leaders Voices for Change and Inclusion (GWL Voices).
As desvantagens que prejudicam as mulheres
No seu texto, Malcorra registra amplamente as resoluções e determinações da ONU que teoricamente incentivaram e incentivam o aumento dos espaços das mulheres no mundo, ao longo de suas décadas de existência – mas que são incrementados com vagar ou não incrementados pela maioria dos países que fazem parte da organização. A realidade nem sempre, ou quase nunca, segue os ditames provenientes de organizações mundiais que reúnem países e sociedades mais civilizadas.
“Um dado, muito sombrio, sobre a situação das mulheres foi emitido pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em junho de 2023. O novo Índice de Normas Sociais e de Gênero sustenta que, nos últimos dez anos, não houve erradicação das desvantagens que prejudicam as mulheres. É uma tendência muito preocupante que evidencia que, apesar dos esforços realizados e as múltiplas iniciativas tomadas, o mundo está longe de reconhecer a igualdade entre homens e mulheres, tal como foi estabelecido na Carta de Fundação das Nações Unidas”, registra Malcorra em seu artigo.
A GWL Voices, que ela dirige, publicou o estudo A Comprehensive Mapping of Women´s Leadership in Multilateral Organizations. “Os resultados mostram uma realidade muito preocupante”, comenta Malcorra. Um levantamento incluindo 33 organizações, no período entre 1945 e março de 2023, constatou que elas tiveram 382 líderes, entre os quais apenas 47 mulheres, que as comandaram durante apenas 12% do seu tempo de existência. Desse conjunto, 13 organizações nunca tiveram uma mulher em seu comando e cinco tiveram em apenas uma ocasião. A presidência da Assembleia Geral da ONU teve apenas quatro mulheres, num lapso de tempo que representa apenas 5% de seus 78 anos de existência. E a própria ONU nunca teve uma mulher na sua Secretaria Geral.
Infância, alimentação, população e saúde
“Está demonstrado que a participação das mulheres em postos de liderança é maior em questões ligadas à infância, alimentação, população e saúde. Há uma notória falta de representação em questões vinculadas à política, paz, segurança e finanças. Esta é uma forma de perpetuar os preconceitos com os quais se delimitam os papéis que as mulheres podem assumir”, afirma Malcorra.
Defensora da ascensão de uma mulher ao posto de secretária-geral da ONU, ela assim justifica sua posição: “A incorporação de uma visão feminina À Secretaria Geral também pode gerar um impacto positivo na representação e participação das mulheres em nível mundial. Ao ocupar cargos de alto nível em organismos internacionais, elas podem converter-se em modelos a seguir e promotoras de mudanças, inspirando outras mulheres a envolver-se na tomada de decisões e perseguir papéis de liderança em todas as atividades”.
Observação minha: nessa iniciativa, a União Europeia já se adiantou ao nomear a política alemã Ursula Gertrud von der Leyen como presidente da Comissão Europeia, em 2019.
O livro Perspectiva Feminista para uma Nova Governança Global, além do escrito pela coordenadora Susana Malcorra, apresenta 19 artigos desenvolvidos por especialistas e pesquisadores que analisam a questão sob variados enfoques, formando um amplo painel sobre os desafios para empoderar a participação das mulheres na sociedade.
Não são poucos.
fonte: https://jornal.usp.br/cultura/a-igualdade-so-sera-alcancada-em-131-anos/