O 31 de janeiro de 2023 ficará marcado na história do RS, por tudo aquilo que a chegada de duas mulheres e um homem negro dizem ao nosso estado
Bruna Rodrigues (*)
Quando fui chamada para firmar compromisso na posse como deputada estadual, não tive como não segurar o grito e, em alto e bom som, gritei ao plenário: “vai ter filha de gari deputada!”. Essa foi a afirmação de um lugar, de uma vitória minha e de tantas outras mulheres que nunca se viram naquele lugar. Foi a oportunidade de dizer que mulheres e homens, historicamente excluídos da política do nosso estado, agora terão vez e voz. Foi um grito que afirmou o que nós, enquanto Bancada Negra, buscamos dizer naquele dia: o povo preto chegou para ficar!
O dia 31 de janeiro de 2023 vai ficar marcado na história do Rio Grande do Sul, especialmente por tudo aquilo que a chegada de duas mulheres e um homem negro dizem ao nosso estado. E fizemos questão de retratar tudo isso neste dia! Chegamos na Assembleia Legislativa abençoados pelos nossos mais velhos, que abriram nossos caminhos e celebraram os deuses que guiam os nossos caminhos.
Afirmar o lugar que viemos e a nossa fé são símbolos que falam muito sobre nós, sobre tudo o que foi dito que era ruim e que não deve ser respeitado. Ser filha de gari, umbandista, mãe na adolescência e cria da periferia de Porto Alegre é a síntese do que o sistema rechaça todos os dias a todo o tempo. Afirmar esses lugares que formam quem sou é dizer que um ciclo de 187 anos de sub-representação das mulheres negras (que sofrem duramente com a violência, com a falta de políticas públicas e com a desesperança) vai começar a ter fim, porque agora estaremos no plenário para falar sobre nós!
Na nossa religião, a terça-feira é o dia de Xangô, o orixá da justiça. E a justiça começou a ser feita nesta última terça, quando aquelas que só ocupavam a Assembleia Legislativa na copa, na limpeza e/ou na manutenção agora se viam no centro da política. O orixá guerreiro nos deixa a reflexão de que essa luta não será fácil, mas que não estaremos sozinhos aqui!
Não posso não pensar também no que significa ser uma filha de gari. Minha mãe, a dona Virgínia, viveu na pele a dor da violência, e assim como eu, sabe o quanto a fome e a pobreza são cruéis. Foi se tornando gari que, pouco a pouco, conquistamos a nossa independência e a nossa liberdade de toda essa dor. Foi lutando por vaga na creche para a minha filha que encontrei a política e organizei a minha revolta. E será como deputada estadual que seguirei fazendo de toda esse luto a minha luta!
Cheguei na Assembleia Legislativa para falar sobre o básico, sobre o fundamental: a vaga na creche que deixa nossas crianças fora do sistema escolar e nossas mulheres vulneráveis à violência doméstica; para falar sobre educação em turno integral, para que a juventude possa re-aprender a sonhar; falar sobre políticas públicas a quem nunca as teve. Falar de alegria a quem sempre viveu a tristeza. Falar de esperança a quem historicamente vive o desalento. Falar de vida a quem constantemente vive o medo de perdê-la!
A gente chegou – pra transformar, pra mudar, pra ficar! E quantas vezes forem necessárias, gritaremos sobre quem somos e de onde viemos – porque isso faz de mim quem nós somos e o que nós queremos: dignidade e justiça.
(*) Deputada estadual (PCdoB/RS)