A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) realizou na semana passada o II Encontro Nacional de Mulheres Quilombolas na Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), em Brasília.
A reportagem é de Ester Cezar, publicada por Instituto Socioambiental - ISA, 27-06-2023.
“Quando uma mulher quilombola tomba, o quilombo se levanta com ela”, foi o lema do evento, que tinha como tema “Resistir para Existir”, e contou com a participação de cerca de 350 delegadas representantes de quilombos de 24 estados e de dois países vizinhos – Colômbia e Equador –, além de autoridades do governo brasileiro, como a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, a primeira-dama, Janja Lula da Silva, e a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG).
“Nós estamos realizando o encontro em um momento de um pouco mais de – não diria tranquilidade –, mas pelo menos de abertura de diálogo agora no novo governo, retomando as pautas todas que haviam sido destruídas, sucumbidas e tiradas das ações do governo”, afirmou Givânia Maria da Silva, uma das fundadoras da Conaq e coordenadora do coletivo de educação.
O encontro acontece nove anos após a primeira edição, em 2014. “Desde o primeiro encontro até agora, uma das coisas que a gente vem denunciando é a ausência de políticas específicas para as mulheres quilombolas”, comentou Givânia da Silva.
“Nesse campo, não houve mudança. As mudanças que começaram a se iniciar em 2014 foram todas destruídas pelo golpe e pelo governo Bolsonaro. Agora que nós estamos novamente pautando o redesenho dessas políticas”, complementou.
Corpo-território
De acordo com a Coordenadora Executiva da Conaq e do coletivo de mulheres, Sandra Maria Andrade, uma das pautas prioritárias é a regularização dos territórios. “Só através da regularização desses territórios, nós poderemos ter o nosso etno-desenvolvimento, a proteção das nossas culturas, das nossas matas e das nossas águas”.
O objetivo do encontro era de que as delegadas se reunissem e discutissem as pautas relacionadas à vivência das mulheres quilombolas, das quais as principais são a titulação dos quilombos e o combate à violência. “Para nós, mulheres quilombolas, o território é o centro do nosso debate. Então não dá pra gente pensar em educação, saúde, moradia sem pensar no território. Porque o território é nele e com ele que a gente se afirma e luta pela garantia dos nossos direitos”, defendeu Givânia da Silva.
Também foram debatidos em Grupos de Trabalho (GTs) temas como saúde, educação, renda, insegurança alimentar, comunicação popular quilombola, racismo ambiental, justiça climática e religiosidade.
“Esse momento pra nós é histórico e importante. Vamos trabalhar as demandas e as especificidades das mulheres quilombolas que sofrem e não têm visibilidade da sua luta e dos seus direitos dentro dos seus quilombos”, disse Sandra Maria Andrade.
Governo federal
“Agora no segundo encontro as mulheres convocam uma resistência com o sentido da existência”, enfatizou Anielle Franco, ministra da Igualdade Racial, que participou da mesa de abertura do encontro.
Em seu discurso, Franco enalteceu a trajetória e luta das mulheres quilombolas, parteiras, benzedeiras, raizeiras que cuidam da vida e da saúde do povo quilombola por meio dos saberes tradicionais, como o uso e aplicação “dos remédios do mato”.
“Isso é um saber e tanto, porque além de cuidar das pessoas, vocês estão cuidando também das plantas, da terra, das águas. Vocês também são as conselheiras das comunidades que mediam conflitos, conversam aqui e acolá e assim mantêm a união entre as famílias. E são vocês que estão nessa instância de representação política partidária, levando as pautas quilombolas para os espaços decisórios desse país”, acrescentou.
A ministra comentou sobre a secretaria dedicada à construção de políticas públicas para as comunidades quilombolas, lotada em seu ministério. Além disso, apresentou o Programa Aquilomba Brasil, que faz parte do Pacote da Igualdade Racial, anunciado em março pelo decreto 11447/2023.
“O programa Aquilomba Brasil, mais uma das medidas do pacote da igualdade racial tem objetivos que tocam diretamente vocês, mulheres quilombolas. Objetivos que passam pela promoção da segurança e da soberania alimentar, pelo fortalecimento da educação escolar quilombola, pela garantia do acesso à saúde, pelo respeito aos saberes e fazeres da medicina tradicional quilombola, pelo combate às violências, entre outros. No Aquilomba Brasil, em conjunto com outros ministérios, estamos trabalhando a construção de um plano nacional de titulação de territórios quilombolas, uma demanda histórica para a Conaq e para o movimento quilombola.”
Anielle também anunciou que está em diálogo com o Banco do Brasil para liberação de uma linha de crédito específica para mulheres quilombolas e ressaltou a importância da existência do selo quilombola para a comercialização dos alimentos produzidos nos quilombos.
O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, listou uma série de medidas promovidas, e que estão em encaminhamento, pelo governo como o Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) para todas as comunidades quilombolas para que sejam incluídas no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
O Ater Mulher Quilombola “é destinado àquelas famílias que tenham gente com capacidade de fazer assistência técnica e extensão rural para o desenvolvimento dessas economias. Queremos desenvolver a agroindústria nas comunidades quilombolas”, explicou.
Teixeira também relembrou o lançamento do Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural, que contempla mulheres quilombolas, e a mesa de proteção territorial no Incra com participação da Conaq. “Não podemos perder um segundo no sentido de avançar com os direitos das mulheres quilombolas do Brasil”, afirmou o ministro.
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) também foi um dos temas debatidos durante o encontro. Previsto no novo Código Florestal, o cadastro reúne informações ambientais sobre imóveis rurais, áreas protegidas e territórios tradicionais. A omissão do Poder Público no registro dos quilombos continua provocando violações de direitos territoriais dessas comunidades e impedindo-as de acessarem políticas públicas.
O ISA e a Conaq realizaram um estudo que demonstrou alto grau de sobreposição dos cadastros de imóvel rural de particulares sobre os territórios quilombolas. O trabalho foi apresentado durante o encontro da semana passada. Além disso, com objetivo de informar e engajar as comunidades, foi lançado no evento, vídeo produzido pela Conaq, ISA e Observatório do Código Florestal.
Encaminhamentos
Ao final do evento foi lançada a carta do encontro, que aponta de forma geral os temas debatidos nos quatro dias. Acesse a íntegra da carta final. O próximo passo é o encaminhamento de um relatório final. “Pra gente apresentar a cada ministério e ao governo federal a necessidade que essas políticas cheguem até os quilombos para que nós consigamos sobreviver dentro dos nossos territórios”, concluiu Sandra Maria Andrade.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/629991-quando-uma-mulher-quilombola-tomba-o-quilombo-se-levanta-com-ela