Lei federal instituiu o dia 13 de abril como o Dia Nacional da Mulher Sambista; docentes da USP e personalidades ligadas à arte, à cultura popular e ao samba destacam a importância do ato
Jornal da USP
Publicado: 15/04/2024
Texto: Antonio Carlos Quinto
Arte: Joyce Tenório*
O dia 13 de abril será, a partir de agora, celebrado como o Dia Nacional da Mulher Sambista. A data foi instituída por intermédio da Lei nº 14.834, sancionada pelo governo federal e publicada no dia último 5 de abril. O dia homenageia a cantora e compositora carioca Ivone Lara, nascida em 13 de abril de 1921, e que nos deixou em 2018.
Desde Hilária Batista de Almeida, nascida em Santo Amaro, Bahia, em 1854, mais conhecida como Tia Ciata, muitas mulheres como a homenageada Ivone Lara foram se tornando ícones do nosso ritmo mais popular. Vale lembrar que Tia Ciata foi uma das mulheres mais influentes para o surgimento do samba carioca. Ivone Lara, por sua vez, foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores da Escola de Samba Império Serrano, tendo assinado a composição do samba-enredo Os Cinco Bailes da História do Rio, de 1965, ainda hoje listado entre os melhores de todos os tempos.
Nesta reportagem, o Jornal da USP traz opiniões e depoimentos de pessoas ligadas ao samba e à cultura brasileira sobre a importância da data, que dá mais visibilidade e destaque à mulher no samba e na cena cultural brasileira. Uma delas, a professora Renata Amaral, docente convidada do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, considera que a instituição da data, por si só, é bastante protocolar. “Não acredito que infere, necessariamente, em mudanças para as mulheres no samba”, diz. Contudo, ela exalta que a homenagem à Dona Ivone Lara é “merecida”.
Ela destaca que Ivone Lara foi uma visionária! Além de uma artista imensa, autora de clássicos do nosso cancioneiro, “ela teve uma atuação transformadora como enfermeira e assistente social ao lado de Nise da Silveira, em temas contemporâneos como saúde mental, diversidade e equidade social.” Nise da Silveira foi uma médica psiquiatra que implantou um projeto de cuidados humanizados em saúde mental. Morreu no ano de 1999.
Renata Amaral - Foto: Acervo Maracá/Youtube
Na opinião da docente, além de uma data para que a mulher sambista seja, de fato, plenamente reconhecida, ainda há muitos caminhos a trilhar. E entre alguns, um que passe pela desconstrução do “machismo estrutural”. “No imaginário popular o homem sambista é o malandro elegante, boêmio inspirado, enquanto a mulher sambista ainda é a dançarina de pouca roupa”, descreve. Renata cita o compositor Geraldo Pereira: “aquela que mexe, remexe, dá nó nas cadeiras, e deixa a moçada com água na boca’”. Para a professora, ainda é um universo onde a mulher é muito sexualizada, deixando menos espaço para sua atuação em outras frentes.
Mas Renata reconhece que o samba, em sua origem, assim como em muitos gêneros populares, tem uma tradição matriarcal, negra, de terreiro. “Há que se destacar mulheres como Tia Ciata e as muitas mães e ialorixás que sustentaram suas comunidades cozinhando, costurando e cuidando de toda logística, da oralidade, da saúde física e espiritual necessárias para a estruturação e continuidade dessa cultura”, elogia. “Mas as funções de músico e compositor sempre foram masculinas.”
Além de exercer a docência na ECA, Renata também é instrumentista. “Eu atuo como contrabaixista há quase 40 anos. Vejo mudanças lentas e positivas. Mas na música popular, a predominância de instrumentistas e compositores ainda é dos homens”, adverte.
A professora integra projetos musicais, como o coletivo Ponto Br, que reúne músicos considerados “guardiões da nossa cultura tradicional”. Ela também é integrante do grupo A Barca, que nasceu em 1998 de uma reunião de amigos músicos de São Paulo em torno de ideias como viagem, música popular, Brasil e Mário de Andrade.
Hilária Batista de Almeida, mais conhecida como Tia Ciata - Foto: Domínio público
Dona Ivone Lara desfilando pela Império Serrano no Carnaval de 1990 - Foto: Otávio Magalhães/Wikimedia Commons
Histórias e memórias
Maria Paula acredita que, a oficialização da data vem coroar a longa trajetória de luta e resistência das mulheres sambistas. “Podemos observar o surgimento de inúmeros grupos, coletivos e rodas de samba formados por mulheres, além de uma crescente produção teórica e acadêmica centrada no protagonismo feminino no mundo do samba”, ressalta a pesquisadora.
Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus - Foto: acervo da família de D. Ivone Lara
Por todos esses anos, não foram poucas as “mulheres sambistas” que passaram pela programação de Moisés da Rocha. Dentre tantas, ele destaca Beth Carvalho, Alcione, Leci Brandão, Clementina de Jesus e a própria Ivone Lara. “O programa O Samba pede Passagem sempre valorizou a mulher sambista. Até mesmo na descoberta de novas cantoras e compositoras”, destaca. Além das citadas, Moisés lembra ainda de mulheres do samba paulista, como Eliana de Lima e Bernadete, entre outras.
Nas apresentações do grupo, além de cantar e sambar, como descreve Selma, elas contam histórias. “Fazemos um trabalho de preservação do nome de nossos antepassados e do samba”, ressalta ela, lembrando que em muitas das histórias ela teve participação, ainda quando criança.