25,9% delas trabalham mais de 44 horas por semana; especialistas apontam que discrepância se deve à precarização
Renda das mulheres negras cresceu 1,8% entre 2022 e 2023, enquanto a variação da população ocupada em geral chegou a 2,9% - Bernardo Jardim Ribeiro
A renda das mulheres negras do Distrito Federal cresceu entre 2022 e 2023, mas, ainda assim, o aumento foi menor do que o registrado para os outros grupos populacionais. É o que aponta boletim divulgado pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) em parceria com Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) nesta terça-feira (30). Segundo especialista ouvida pelo Brasil de Fato DF, essa discrepância ocorre em função de diversos problemas, principalmente a precarização do trabalho.
O documento faz um comparativo dos dados de ocupação no DF e na Área Metropolitana de Brasília (AMB) nos últimos dois anos. A renda das mulheres negras teve uma variação de 1,8%, subindo de R$ 2.976,00 em 2022, para R$ 3.031 em 2023. Já a remuneração geral dos ocupados – todos aqueles que possuem trabalho remunerado – cresceu 2,9% e chegou a R$3.902. De acordo com Lucia Garcia, economista do Dieese, o levantamento mostra que mesmo quando há uma mudança positiva, as mulheres negras são menos beneficiadas.
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O tipo do vínculo ajuda a explicar essas diferenças. A pesquisa mostrou que 41,7% das mulheres negras da Área Metropolitana de Brasília são trabalhadoras do setor privado, enquanto apenas 17% estão no setor público, 14% são empregadas domésticas (mensalistas e diaristas) e 13,4 % são autônomas.
“Quando se soma os trabalhadores domésticas, com o autônomo, nós vamos ter um grande volume de mulheres que vai estar no setor privado da economia, vivendo de algumas ocupações que não têm direitos plenos”, destacou Lucia, ressaltando preocupações com a precariedade dessas formas de trabalho.
De acordo com o Dieese, o aumento na renda também se deu por causa de uma ampliação do percentual de mulheres negras da AMB que trabalham mais de 44 horas semanais – em 2022 eram 24,9% e subiu para 25,9% no ano passado.
“Nós vamos ter o setor privado, que se expande, mas se expande pós-reforma trabalhista [2017], com direitos mais restritos, como um seguimento que absorve mais mulheres negras”, avaliou a representante do instituto, destacando o papel da terceirização nesse processo.
Menos valorizadas
O levantamento mostra ainda que a mulher negra é menos valorizada no mercado de trabalho, mesmo tendo formação educacional similar aos dados gerais da população da AMB. Em 2023, 65% das mulheres negras em idade ativa tinha ensino médio completo, 76,8% desse grupo que estava na condição de economicamente ativa e 48% das que estavam inativas.
“Do ponto de vista da qualificação, as mulheres negras acompanham o quadro das mulheres em geral, com uma qualificação bastante acentuada nos requisitos de ter pelo menos o ensino médio”, destacou Lucia.
A pesquisa aponta que as mulheres negras são o maior grupo na divisão de cor e raça na AMB, com 34,7%, seguida pelo de homens negros (31,3%), mulheres não negras (19,3%) e homens não negros (14,9%). A área metropolitana tem uma população de 1.240 de mulheres negras, sendo 839 mil no DF e 401 mil na área metropolitana, que é formada por alguns municípios do Entorno, que fazem divisa com a capital.
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Apesar dos menores salários e do maior índice de inatividade, as mulheres negras compõem uma importante força de trabalho no DF e municípios vizinhos. Os dados do Dieese mostram que 30,1% ou 584 mil das pessoas ocupadas na Área Metropolitana de Brasília em 2023 são mulheres negras. No DF, elas constituíam 28,2% da população ocupada (397 mil trabalhadoras) e nos outros municípios 35,2%.
A AMB é formada pelo DF e por 12 municípios goianos vizinhos: Águas Lindas de Goiás, Alexânia, Cidade Ocidental, Cocalzinho de Goiás, Cristalina, Formosa, Luziânia, Novo Gama, Padre Bernardo, Planaltina de Goiás, Santo Antônio do Descoberto e Valparaíso de Goiás.
Cotas serviço público
O Brasil de Fato DF também conversou com a economista Juliana Matos, que pesquisa o mercado de trabalho para as mulheres negras. Ela destacou que os dados do DF não se diferem muito dos nacionais, o que é uma “discrepância”, pois o perfil dos trabalhadores da capital é diferente do restante do país.
“No geral, em Brasília temos uma participação maior do serviço público, o que impacta em condições melhores para os trabalhadores, como estabilidade e melhores remunerações, mas infelizmente isso não chega para as mulheres negras”, avaliou a pesquisadora.
Segundo a economista, é preciso avançar na concessão de cotas raciais no serviço público, que já existem num percentual insatisfatório nos concursos federais e para o Governo do Distrito Federal, mas não é uma realidade na maioria dos municípios vizinhos da capital.
“Em média, as mulheres têm uma escolaridade maior que os homens e isso se repete entre as mulheres negras, mas as oportunidades no mercado de trabalho não são as mesmas, assim como não é a disponibilidade para estudar, e por isso precisamos assegurar as cotas raciais em todo serviço público e avançar no percentual reservado”, defendeu Juliana.
No serviço federal, desde 2014, é assegurado um percentual de 20% das vagas em concursos públicos para cotas raciais. Atualmente, tramita no Câmara dos Deputados um projeto de lei que renova as cotas para pretos e pardos, inclui indígenas e quilombolas, e amplia de 20% para 30% a reserva de vagas nos processos seletivos federais.
Já no Distrito Federal, foi implementada, em 2022, a reserva de 20% das vagas em concursos para pessoas negras.
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Edição: Márcia Silva