Quase lá: Oposição a direitos de domésticas tem origem em cultura escravocrata

Avaliação é de especialistas durante debate no Senado

 

Publicado em 17/04/2023 - 17:03 Por Pedro Peduzzi - Repórter da Agência Brasil - Brasília

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Luiza Batista fenatradA legislação que possibilitou a trabalhadores domésticos o acesso a direitos que, até então, eram restritos aos demais trabalhadores formais completou 10 anos. A PEC das Domésticas foi tema da audiência pública da Comissão de Direitos Humanos desta segunda-feira (17).

Na avaliação dos participantes da audiência, as dificuldades para a aceitação das mudanças previstas na legislação decorrem da cultura escravocrata que ainda persiste no Brasil.

O presidente do Instituto Doméstica Legal, Mário Avelino, criticou aqueles que dizem que a nova legislação em favor dos empregados domésticos teria resultado no aumento do trabalho informal. “Tem-se falado que a informalidade aumentou. De fato, aumentou, mas não foi por causa da PEC 72 nem da Lei Complementar 150. Essas legislações são boas para o empregado e também para o empregador, porque deram a ele segurança jurídica”, disse.

Com dados da Previdência Social, Avelino disse que, em julho de 2015, cerca de 1,19 milhão de empregadores recolheram a contribuição para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) de suas empregadas com carteira assinada. “Em dezembro de 2019, esse número aumentou para 1,58 milhão de empregadores [recolhendo o eSocial]. Ou seja, foram 390 mil a mais”, disse.

E acrescenta que, mais recentemente, a informalidade, de fato, aumentou. “Mas o grande vilão foi a crise econômica de 2016 e de 2019, agravadas pela pandemia da covid-19. Tanto é que, só em 2020, o emprego doméstico perdeu 1,7 milhão de postos de trabalho, entre formais e informais”, argumentou.

Com a vacinação, já se identifica, segundo ele, uma recuperação desses números. “Hoje há déficit, comparado à pré-pandemia de 2019, de 500 mil postos de trabalho. Mas repito, não foi nem lei nem PEC os responsáveis por isso”, reafirmou o presidente do Instituto Doméstica Legal.

Avelino alertou para os casos de empregadas que temem assinar carteira por medo de perderem o direito ao Bolsa Família. “Falta uma política de esclarecimento de que isso não necessariamente procede, uma vez que o programa considera a renda per capita da família”, disse.

Perfil

De acordo com o procurador do Ministério Público do Trabalho Thiago Lopes de Castro, são muito comuns casos de resgates de empregadas domésticas que vivem em situação análoga à escravidão. E apresentou um perfil dos trabalhadores domésticos. “Estamos falando de uma categoria que, segundo o IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia Estatística], conta com 6,2 milhões de trabalhadores, sendo 92% mulheres e 65% negras”, disse.

“Entre as mulheres, geralmente são meninas pegas para serem criadas pela família, aos 8, 10 ou 12 anos de idade. Muitas são retiradas da escola, ou seja, são vítimas de evasão escolar e sofrem prejuízo para a formação”, disse ao associar, como uma das principais causas do trabalho escravo, a vulnerabilidade das vítimas.

Essas meninas, em razão de prejuízo escolar, “são submetidas a trabalho análogo ao escravo, a subemprego ou a trabalhos informais, além de longas jornadas de trabalho, a maus tratos, violências física e psicológica, assédios moral e sexual”, acrescentou.

No caso dos homens vítimas desse tipo de exploração, ele disse que a maior parte dos casos ocorre no campo, em geral afetando idosos ou pessoas com deficiência. “Em comum, entre vítimas mulheres e homens, o fato de não recebem remuneração ou remuneração ínfima, sem a mínima condição digna de vida”.

“Há muitos casos de vítimas permanentes, ao longo de toda a vida, tendo suas vidas roubadas desde a infância. Vira a coisificação do ser humano, tratados como meros objetos daquela família, sem qualquer direito”, destacou.

A auditora-fiscal do Trabalho e representante do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait) Teresinha de Laisieux Rodrigues criticou a falta de apoio dado aos negros após a Lei Áurea, o que acabou por refletir na opção, por parte da sociedade, de negar direitos como carteira assinada, jornada de trabalho de 44 horas, horas extras, adicional noturno ou FGTS, entre outros direitos.

“Precisamos, antes de qualquer coisa, educar a sociedade a respeitar esses direitos”, disse a auditora ao lembrar também dos casos de trabalho análogo à escravidão, flagrados em vinícolas do Rio Grande do Sul. Segundo ela, em geral, o observado é que “as empresas terceirizadas são as que mais fazem uso de trabalho em condições análogas à escravidão”.

Políticas públicas

Ainda segundo a auditora-fiscal, o Brasil precisa criar políticas voltadas a resgatar empregadas domésticas após uma vida de servidão à família que a criou. “A gente não tem política para o pós-resgate. É impossível o Estado brasileiro achar que basta retirar uma trabalhadora de uma família para a qual foi entregue, desampará-la e oferecer apenas três parcelas de seguro-desemprego. Isso é cruel.”

“Não podemos tentar corrigir uma violência com outra violência. Nós defendemos, e vamos enviar uma proposta de benefício de prestação continuado, para que essa trabalhadora resgatada tenha um salário”, disse a representante do Sinait. A proposta recebeu, de imediato, apoio de parlamentares.

Thiago de Castro, do Ministério Público do Trabalho (MPT), destacou algumas medidas necessárias para mudar a situação de empregados domésticos no país. “A primeira é o incremento das políticas públicas de combate ao trabalho infantil, em especial o trabalho infantil doméstico”, defendeu ao cobrar, ainda, o fortalecimento dos quadros da auditoria-fiscal do trabalho.

“Precisamos também de políticas públicas de assistência integral às vítimas, com oferecimento de moradia, alimentação no pós-resgate e assistência psicológica, uma vez que essas vítimas sofrem dependência econômica e psicológica muito grande da família exploradora, e têm dificuldades para deixar aquela situação”, acrescentou.

O procurador defendeu, ainda, assistência médica e odontológica; assessoria jurídica e educacional às vítimas, “de forma a recompor o déficit educacional sofrido”, bem como assessoramento financeiro, porque muitos não têm noção de como gerir o próprio dinheiro.

“Nos tempos atuais, é necessário também assessoramento para inclusão digital”, completou.

A representante do Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Distrito Federal Samara Regina da Silva Nunes discorreu sobre as dificuldades, no Legislativo, para a aprovação da lei, há 10 anos.

“Se não tivéssemos persistido, ela não teria saído”, afirmou.

Samara lembrou ainda que integrantes do governo Jair Bolsonaro estavam entre os contrários à concessão de direitos às empregadas domésticas. “Teve inclusive a fala do ministro da Economia [Paulo Guedes], que achava absurdo a ida de empregadas domésticas à Disney. Sofremos demais porque sabíamos que havia algo ali querendo tirar nossos direitos conquistados”, disse.

Edição: Fernando Fraga

 

fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2023-04/oposicao-direitos-de-domesticas-decorre-de-cultura-escravocrata

 

Luta por direitos das domésticas é permanente, dizem debatedores

Da Agência Senado | 17/04/2023, 13h11

 

Os dez anos de promulgação da Emenda das Domésticas, completados em 2 de abril, foram marcados por uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos (CDH), nesta segunda-feira (17), sobre os direitos da categoria. A Emenda Constitucional 72 fixou a remuneração dos trabalhadores domésticos de acordo com o salário mínimo, assegurou direitos como salário-maternidade, auxílio- doença, auxílio-acidente, aposentadoria, pensão por morte e seguro-desemprego. Além disso, fixou a jornada de trabalho em oito horas por dia e a obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por meio da Lei Complementar 150, de 2015, que também regulamentou a emenda. O presidente do colegiado e autor do requerimento para a reunião, senador Paulo Paim (PT-RS), ressaltou que a luta pelos direitos das domésticas deve ser permanente. 

— Vem de longe [a luta], vem de outros tempos, da época da escravidão, da casa grande; mas a busca por respeito sempre esteve viva no dia a dia, na resistência coletiva. Temos muito por fazer e estamos no caminho do avanço. Oxalá, um dia possamos dizer que no Brasil não há mais trabalho escravo ou análogo à escravidão — disse o senador. 

Informalidade

Paim observou que, na década, segundo dados do IBGE, o número de empregados domésticos diminuiu no país, ao passo que um crescimento de diaristas foi registrado, representando aumento da informalidade.

— Aumentou o número de diaristas: Três em cada quatro trabalham sem carteira assinada; 92% das vagas de trabalho doméstico são de mulheres, sendo 65% negras. Hoje há quase 6 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil. Em 2013 havia 1,9 milhão com carteira assinada; 2022 fechou com 1,5 milhão de pessoas registradas. Os trabalhadores informais somavam 4 milhões. De 2013 até o ano passado, eram 4,3 milhões sem carteira assinada. A renda média da categoria também estagnou, de R$1.055 para R$1.052, em 2022. 

Presidente do Instituto Doméstica Legal, Mario Avelino disse que o único direito que empregados domésticos ainda não alcançaram, em comparação ao trabalhador de uma empresa, se refere ao abono do PIS. Para o debatedor, o aumento da informalidade no trabalho doméstico registrado pelo IBGE não foi motivado pela PEC das Domésticas, nem resultado da Lei Complementar 150, que regulamentou a medida. Segundo Avelino, a norma beneficiou empregados e empregadores porque possibilitou, respectivamente, direitos e segurança jurídica. O convidado avaliou que os dados de informalidade são retrato da crise econômica registrada no Brasil entre 2016 a 2019, e que o quadro teria sido agravado pela pandemia de covid-19 que afetou o mundo. 

— Só em 2020, o emprego doméstico perdeu 1,7 milhão de postos de trabalho entre formais e informais. Graças a Deus, com a vacinação, houve recuperação e hoje há um déficit, comparado ao [cenário] pré-pandemia, em 2019, de 500 mil postos de trabalho. Não foi a lei, não foi a PEC. A PEC é justa, deu direito, dignidade ao trabalhador e estímulo — disse, lembrando que o único direito que empregados domésticos ainda não alcançaram, em comparação ao trabalhador de uma empresa, se refere ao abono do PIS. 

Fiscalização

A auditora fiscal do Trabalho Marina Cunha Sampaio confirmou que o trabalho doméstico no Brasil ainda é marcado por características como informalidade, baixa remuneração, vulnerabilidade e altos riscos, inclusive de assédio. A convidada defendeu a ampliação de uma campanha em defesa dos trabalhadores domésticos que busca uma mudança de postura social, por parte dos empregadores, e a informação dos trabalhadores quanto a seus direitos. 

— Em abril, estamos começando um operativo nacional de fiscalização no Brasil todo, com a participação de auditores fiscais de todas as regiões. Trata-se de uma iniciativa inédita na inspeção do trabalho que, a meu ver, vai contribuir para a promoção de um trabalho doméstico decente, digno, e com garantia mínima de direitos sociais, já que a categoria ainda vive uma exclusão jurídico-civilizatória — disse Marina Sampaio.

Representante do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho, Teresinha de Lisieux Rodrigues denunciou que há um desaparelhamento no órgão e pediu a realização de concurso público para recomposição do quadro de pessoal. Segundo ela, apesar de a fiscalização sistemática ser essencial para o combate ao trabalho doméstico irregular, essa atuação tem sido ineficiente no Brasil, devido ao pequeno contingente e às dificuldades de atuação. 

— Quando entrei, em 1996, éramos 3,2 mil e poucos auditores fiscais, hoje somos menos de 2 mil. Então, como se combate? Como se faz valer o direito, e não só das domésticas, com uma estrutura dessas? Tem sido um esforço pessoal: a gente 'compra' aquela causa, já que temos recebido muitas denúncias de trabalho análogo à escravidão, e quando somos mal recebidos, [o caso] torna-se questão de medo e coragem, o que é terrível. A gente não tem sequer colete à prova de balas e conta com apenas dois carros que, para a gente conseguir, é preciso pedir com muita antecedência — relatou. 

Trabalhadoras

A deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) avaliou que, passados quase 35 anos desde a Constituinte, e mesmo após dez anos da promulgação da Emenda Constitucional 72, essa conscientização social ainda não é totalmente realidade. A deputada lembrou que, durante a constituinte, dizia-se não caber na Constituição essa previsão de direitos, mas declarou sempre ter defendido a regulação das relações de trabalho. Benedita disse que brigou muito pela aprovação da então PEC das Domésticas no Congresso e assinalou que, atualmente, as mulheres, por exemplo, continuam buscando a manutenção de suas conquistas. 

— Ainda hoje no Brasil, encontramos trabalhos similares ao [regime] escravo. Não era admissível, num momento constitucional como aquele, a falta de espaço para esses trabalhadores. Havia uma discussão onde alegava-se, por exemplo, que a licença-maternidade não podia ser dada, que empregadores não eram empresa e, por conseguinte, não poderiam cumprir com os direitos. Buscamos, então, um equilíbrio. Enquanto estivermos precisando desses serviços, precisamos tratar [os profissionais domésticos] com os mesmos direitos dos demais trabalhadores. Somos seres humanos e temos o direito de um bem-viver. 

Resistência

Relator da proposta que deu origem à Emenda Constitucional 72 , o ex-senador Romero Jucá defendeu o fortalecimento de órgãos como a Auditoria Fiscal do Trabalho e também sugeriu aos senadores a elaboração de uma campanha de comunicação que ajude a esclarecer a sociedade quanto às conquistas e contribua para a superação de desafios ainda enfrentados pela categoria. Ao rememorar o trabalho pela aprovação PEC das Domésticas, ele registrou a importância da audiência pública da CDH e mencionou a parceria de parlamentares como Paulo Paim e Benedita da Silva em favor do que considerou pautas importantes do país. 

— Foi difícil construir [o texto] porque houve grande resistência e a gente tinha nuances como a do governo, dos empregadores, dos sindicatos. Dediquei-me muito para uma construção equilibrada, dentro da realidade que existia, mas é uma luta que precisa continuar. Não é fácil, mas vale a pena, porque avanços precisam chegar. 

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado - https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2023/04/17/luta-por-direitos-das-domesticas-e-permanente-dizem-debatedores


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