Quase lá: Rosa Kliass: a revolução do paisagismo brasileiro

De seu especial apreço pela convivência em áreas públicas nasceram grandes marcos do paisagismo brasileiro. A atuação de Rosa Kliass, no entanto, se destaca ainda mais como agitadora institucional: ela criou a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, fortaleceu a prática profissional e inventou o modo de arquitetar áreas externas no Brasil

Por Lara Muniz*

Acima, Rosa Kliass, repleta de feitos notáveis ao longo de sua carreira: criou e presidiu a primeira gestão da Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (Abap), tem seu nome no prêmio da instituição destinado a valorizar o trabalho de recém-formados que se dedicam ao estudo da paisagem, foi a primeira mulher a receber o Colar de Ouro, mais alta honraria do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em 2019 — Foto: Kênia Hernandes

 

Trecho do Parque Zoobotânico Mangal das Garças, em Belém, concebido em 2005 numa área de cerca de 40 mil m² às margens do Rio Guamá, junto ao centro histórico da cidade — Foto: Acervo

 

“Rosa nunca foi passiva. Nem mesmo pacífica. Ao longo de sua carreira, ela sempre se revelou boa de briga”, brinca o arquiteto José Luiz Brenna, nome à frente do Soma Arquitetos e um de seus admiradores mais fervorosos. Os dois dividiram a rotina de trabalho entre 1997 e 2004, momento em que ela optou por transferir o escritório para sua própria casa, no auge da sua maturidade profissional. “Ao lidar com gestores públicos, Rosa apresentava suas demandas e as necessidades do projeto de forma tão clara e cordata que ficava difícil escapar. Ela encarna o empoderamento feminino desde sempre”, avalia Brenna.

O Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, devolvido aos pedestres depois de revitalizado via concurso público vencido por Rosa Kliass em parceria com Jorge Wilheim — Foto: Acervo
 

E foram muitas as obras públicas. Em São Paulo, cidade que escolheu para viver, o desenho de projeto formal para o paisagismo da Avenida Paulista tem sua assinatura. Nesse trabalho, há muito desfigurado, havia a especificação de abrigos e outros mobiliários urbanos, acolhendo os passantes com qualidade. Já na revitalização do Vale do Anhangabaú nos anos 1980, ela rebaixou a avenida e criou uma praça ampla, devolvendo o espaço central aos pedestres. “Para Rosa, ver cidadãos se apropriando da área pública tem um valor social inestimável”, continua Brenna. Suas obras públicas espalham-se pelo Brasil, com importantes trabalhos nas regiões Norte e Nordeste do país – em Belém, Macapá, Salvador e São Luís mais especificamente – e com passagens pelo interior de Minas Gerais, com os parques Halfeld e Mariano Procópio, em Juiz de Fora, e incontáveis obras pelo interior e pela capital paulistas. Não há dúvida da qualidade de seus projetos, tanto na técnica quanto na estética. “Rosa nos apresentou uma forma sistemática de trabalhar a paisagem. E isso se confirma nos muitos concursos públicos que venceu, como no caso do Vale do Anhangabaú e do Parque da Juventude, ambos em São Paulo. Cabe a ela o crédito de quem realmente forjou a profissão no Brasil”, defende Benedito Abbud, ele mesmo um paisagista de renome.

Acima, a população paulistana se apropria do Parque da Juventude, projeto desenvolvido a partir de concurso público, em conjunto com o escritório Aflalo Gasperini Arquitetos, que ressignificou o antigo Complexo Penitenciário do Carandiru — Foto: Nelson Kohn

Ao conhecer Roberto Burle Marx pessoalmente, Rosa ficou desconcertada diante do profissional que ela tanto admirava. Ele quebrou o gelo dizendo: “Você acha que é tão importante ser paisagista?” Essa passagem está registrada em O Livro da Rosa: Vivência e Paisagens (Romano Guerra, 2019, 336 págs.), organizado por Lucia Maria Sá Antunes Costa e Maria Cecília Barbieri Gorski. Burle Marx, que escolheu o Rio de Janeiro como lar, era a referência na arquitetura da paisagem até então, e os dois, os únicos brasileiros a integrar a International Federation of Landscape Architects (Ifla). Participar dos eventos da instituição estrangeira, que promovia cursos, intercâmbios, palestras e viagens para os associados, despertou em Rosa a vontade de institucionalizar a prática no Brasil. Nasceu, então, em 1976, a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas, a Abap. A rebeldia – inaugurar um órgão para arquitetos que escapavam da cobertura do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) – colocou o país de vez no mapa da produção mundial. “Em 1978, quando o ensino do paisagismo no Brasil ainda era incipiente, ela já havia criado um órgão institucional e feito um congresso internacional em Salvador que trouxe profissionais de lugares como Canadá, Filipinas, Japão, México, Nova Zelândia e Tailândia. Ela trazia essa visão de mundo para os arquitetos locais”, conta Eduardo Barra, colega que esteve à frente da presidência da Abap por duas gestões. A importância de Rosa para a arquitetura como um todo não termina aí. “Ao normatizar a profissão, criando parâmetros, oferecendo cursos e viagens, Rosa acaba por potencializar o desenvolvimento do ofício como um todo. O resultado disso se converte na qualidade dos projetos que começam a surgir Brasil afora”, revela Ciça Gorski, arquiteta paisagista do Barbieri Gorski, aluna, aprendiz, colaboradora, colega de Rosa e uma das organizadoras de seu livro mais recente. “A contribuição dela é plural, excepcional e de alta qualidade. Difícil encontrar profissionais que tenham feito tantos espaços públicos e em todas as regiões do Brasil como ela fez”, afirma Lucia Costa, também organizadora do livro e professora da FAU/UFRJ.

A revitalização da Fortaleza de São José de Macapá, à margem do Rio Amazonas, trouxe o desafio de desenhar a paisagem sem interferir na vista do entorno, que deveria permanecer livre — Foto: Acervo

 

Ao coordenar o trabalho de planejamento da paisagem no Vale do Paraíba, no interior de São Paulo, ainda nos anos 1970, ela já se preocupava com o impacto ecológico. A mistura de teoria e prática que sempre lhe foi característica, assim como a curiosidade, fez com que montasse equipes multidisciplinares, incluindo biólogos e geógrafos, capazes de apontar com precisão as necessidades de espécies vegetais e dos solos dos locais por onde projetava. Ela instaurou o hábito de projeto na arquitetura da paisagem. Numa época em que o paisagismo era entendido apenas como vegetação, a profissional desbravou territórios ao estruturar as áreas externas de forma a moldar esses espaços. Ciça revela uma frase repetida por Rosa Kliass ao longo dos muitos projetos em que trabalharam juntas: “Depois de esgotadas todas as questões estruturais, agora vamos em busca da forma”.

fonte: https://casavogue.globo.com/arquitetura/gente/noticia/2024/05/rosa-kliass.ghtml

 


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