Inácio França, em 05/05/2023, Marco Zero
Tatiane Torres, enfermeira. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
A notícia do “fim da pandemia” chegou ao Hospital Oswaldo Cruz (HUOC) quando 200 profissionais da linha de frente, funcionários administrativos e estudantes dos cursos de saúde da Universidade de Pernambuco (UPE) assistiam ao documentário Quando falta o ar, sobre os momentos mais duros da emergência global provocada pela covid-19 no Brasil. A coincidência levou a sessão de cinema a desaguar em catarse, com médicos, enfermeiras, auxiliares e gestores do hospital aos prantos quando as luzes do auditório se acenderam.
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A pré-estreia de Quando falta o ar acontecerá amanhã, 6 de maio, no Cinema do Museu da Fundação Joaquim Nabuco, em Casa Forte, mas a direção do hospital convidou a cineasta Ana Petta para fazer uma sessão especial para a equipe do hospital com o objetivo de celebrar o fechamento do último pavilhão destinado aos pacientes de covid. O debate entre a diretora do filme, o roteirista Paulo Celestino e a equipe do Oswaldo Cruz acabou sendo mais longo e emocionante do que o previsto.
As imagens do documentário foram captadas em diferentes locais e realidades: no Morro da Conceição, no Recife, onde acompanhou o cotidiano de uma equipe de Saúde da Família; no Hospital das Clínicas, em São Paulo, que acabou se tornando a maior UTI para covid do planeta; em um presídio de Salvador; numa comunidade ribeirinha do interior do Pará; e em Manaus, nos primeiros dias da crise da falta de oxigênio.
Ana Petta explicou que seu foco “não era fazer um filme sobre o que Bolsonaro fez durante a pandemia”. O mais importante, segundo a cineasta, foi “registrar a médica negra do presídio que coloca música durante uma consulta em um momento tão difícil ou o SUS chegar num barquinho a uma comunidade onde as crianças nem certidão de nascimento têm”. Até hoje, quando vê a imagem da equipe de saúde no barco, escolhida para o cartaz promocional do filme, Petta se emociona.
Fortes lembranças
As lágrimas escorriam pelo rosto da enfermeira Thatiane Torres antes do fim da sessão. Por várias vezes, durante os 50 minutos de diálogo com a equipe do filme, ela voltou a cair no choro, entre soluços, sem qualquer desejo de conter o pranto. “Choro porque aqui a gente atuou de maneira coletiva, trabalhamos juntos. Cada um se comprometeu a fazer o melhor para defender a nossa saúde pública, a defender o SUS e os pacientes. E tudo aquilo que vivemos, voltou hoje. É por isso que eu choro”, desabafou Tatiane.
Logo que o debate foi aberto, o silêncio imperou. Parecia que o microfone ficaria às moscas, até que o infectologista Demócrito Miranda agradeceu à cineasta: “Como médico infectologista, me senti representado no filme, me reconheci no filme. Vocês fizeram uma denúncia com o peso que uma denúncia precisa ter, mas em nenhum momento faltaram com respeito às pessoas. Do ponto de vista da ética, é irretocável. Obrigado!”.
A partir daí, várias pessoas pediram a palavra para falar do que viveram. Uma delas foi a própria gestora executiva do hospital, a enfermeira Izabel Christina de Avelar. “Somos sobreviventes de um governo de morte, nos afastamos de nossos parentes, percorríamos uma cidade vazia para ir e voltar do trabalho, mas nunca esquecerei do dia em que, saindo do hospital, vi cartazes colados nos postes com mensagens de apoio ao que estávamos fazendo”, afirmou a gestora.
Ela também chorou.
Observada por cineasta Ana Petta, gestora do HUOC recorda situações emocionantes. Crédito: Arnaldo Sete/MZ
A superação do medo
Durante as filmagens a equipe do filme teve medo de contrair a doença? Ao responder à esta pergunta óbvia, Ana Petta arregala os olhos verdes: “E então! Muito medo. O tempo todo. Filmamos tudo com aqueles trajes de astronauta, mas ninguém da nossa equipe adoeceu”. Medo, provavelmente, foi a palavra mais usada nos depoimentos dos profissionais que fizeram seus relatos ao final da exibição. Talvez só comparável a “genocídio”, sempre mencionada com indisfarçável rancor.
O infectologista e epidemiologista Demétrius Montenegro, responsável por coordenador a equipe de referência no estado, admitiu que o medo lhe acompanhou durante toda a pandemia. “O maior desafio foi montar a equipe e prepará-la para enfrentar o medo que eu também estava sentindo. Lembro que duas colegas médicas de outra especialidade, que atuam em ambulatório, estavam apavoradas. Eu as acompanhei no primeiro plantão para passar uma segurança que eu mesmo não tinha”, recordou Montenegro.
Houve quem confessasse ter ficado “paralisada, sem conseguir se aproximar do paciente” em seu primeiro plantão. Uma auxiliar de enfermagem que considerava estar relativamente segura por trabalhar no setor de pediatria, lembra que estava de plantão no dia em que a primeira criança na UTI testou positivo. “Meu primeiro pensamento foi ‘como vou contar isso para minha família?’, mas, depois, veio outra mais urgente: ‘como as crianças ficarão isoladas em uma UTI, sem o pai e a mãe por perto?’”
José Rosa, funcionário do almoxarifado do HUOC também se considera parte da linha de frente, mas não quis falar ao microfone. Ao lado do repórter, ele comentou que “assistir a esse filme foi reviver um momento horrível, que nenhum de nós estava preparado para viver”.
A pré-estreia no Recife do filme é às 19h30 deste sábado (06), no Cinema do Museu da Fundação Joaquim Nabuco (Avenida 17 de Agosto, 2187, Casa Forte). Depois da exibição, haverá debate com a diretora Ana Petta, o roteirista e montador Paulo Celestino e duas personagens do documentário, a médica Rafaela Pacheco e a agente comunitária de saúde Conceição de Maria.
Auditório do hospital lotou para assistir documentário Quando falta o ar. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo.
- Serviço: pré-estreia no Recife, dia 6 de maio (sábado), as 19h30, no Cinema do Museu da Fundação Joaquim Nabuco, na avenida. Dezessete de Agosto, 2187 – Casa Forte. A partir de 11 de maio, o filme passa fazer parte da programação normal do cinema.
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