Quase lá: “O Brasil voltou”, diz a 17ª Conferência de Saúde

Emoção marca abertura do encontro. Nísia Trindade aponta os desafios à frente do SUS, chama à luta contra a desigualdade e lembra que democracia é muito mais que eleições. Começa a formulação de estratégias para os próximos anos

Foto: Augusto Coelho/Conselho Nacional de Saúde

Sob os cantos de apoio de cerca de 3 mil pessoas, Nísia Trindade foi recebida com calor na cerimônia de abertura da 17ª Conferência Nacional de Saúde, na noite de domingo (2/7), em Brasília. “Olê, olê, olê, olá, Nísia, Nísia”, entoaram ainda os presentes, adaptando o jingle clássico ao seu nome. A ministra da Saúde pareceu entender o que significava o carinho: estava de frente para os milhares de delegados que representam os milhões de usuários, trabalhadores e gestores da saúde, em um evento que reúne as principais demandas da sociedade para o Sistema Único de Saúde. “Me sinto apenas como a representante dessa força coletiva do SUS, de defesa da democracia”, declarou ela, que também é presidente da Conferência. 

Se não bastasse a força dos movimentos sociais e de luta pela saúde, sempre ignorada nos debates da imprensa comercial quando trata dos interesses de políticos fisiológicos e do mercado em torno da pasta, outro elemento confirmou a importância de Nísia e do evento. Ao lado dela, sentaram-se figuras muito simbólicas: os ministros Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima; Sônia Guajajara, dos Povos Indígenas; Luiz Marinho, do Trabalho e Emprego; e Cida Gonçalves, da Mulher. Jarbas Barbosa, diretor da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). As deputadas Jandira Feghali (PCdoB) e Erika Kokay (PT) e o senador e ex-ministro Humberto Costa (PT), além de Fernando Pigatto, presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que organiza a 17ª Conferência.

As saudações de todos em apoio a Nísia refletiam não apenas a importância de sua figura – inclusive como presidente da Fiocruz durante o período da pandemia – mas o reconhecimento de que ela encarna o projeto original do SUS e as demandas de hoje de seus usuários e trabalhadores. Celebrá-la significava reconhecer o trabalho também dos milhares de delegados presentes, eleitos durante as Conferências Municipais, as Estaduais e as Livres, que aconteceram em todo o Brasil no primeiro semestre de 2023. Ao final do seu trabalho, pelos cinco dias de conferência, será fechado um documento com as principais propostas para o Plano Plurianual (PPA) de 2024 a 2027, principal instrumento de planejamento orçamentário de médio prazo do governo federal, e para o Plano Nacional de Saúde (PNS), balizador para as políticas e programas do ministério da Saúde. 

“Fazer a defesa do SUS é defender essa organização. Nós é quem sabemos decidir, deliberar e sustentar o maior sistema universal de saúde do mundo”, conclamou Jandira Feghali aos presentes. Ela afirmou emocionar-se com esta, que é a primeira Conferência após a pandemia de covid, e prestou uma homenagem a todos os profissionais de saúde, que estiveram na linha de frente em momentos tão tenebrosos. Jandira ainda fez uma forte defesa, apoiada por sua colega de Congresso, Erika Kokay, do Piso Nacional da Enfermagem, sancionado por Lula mas que corre o risco de ser desmontado pelo STF. “A Conferência deveria tirar uma carta especial em homenagem à luta dessa categoria de profissionais brasileiros”, sugeriu.

Jarbas Barbosa, da Opas, também mostrou preocupação com o que presenciou durante a pandemia. “O que nós vivemos foi a falta de solidariedade”, denunciou, “quando países ricos compravam vacinas para imunizar três ou quatro vezes o tamanho de sua população, enquanto em países da América Latina houve falta.” Jarbas falou a favor de uma parceria entre países da região para a produção de vacinas, equipamentos e insumos, para não depender mais tão fortemente da importação. Sua fala foi ecoada no discurso de Nísia, que reforçou a defesa do Complexo Industrial-Econômico da Saúde, para reduzir a dependência brasileira e incentivar a tecnologia no país.

Por falar em independência, a fala de Nísia trazia o frescor das celebrações em ocasião do dia 2 de julho em Salvador, de onde a ministra acabava de chegar. A data, coincidente com o bicentenário da Independência do Brasil na Bahia, serviu também de reflexão para a socióloga. Ela entoou a parte do hino do estado em que se canta “Com tiranos não combinam brasileiros, brasileiros corações”, e celebrou: “o amanhã já chegou”. Era referência à canção de Chico Buarque que inspirou o tema da 17ª Conferência, Amanhã vai ser outro dia. “Temos que fazer a democracia vitoriosa a cada dia”, convocou.

Na fala da ministra, também expressou-se com força a preocupação com a desigualdade: “Não há saúde quando há fome, quando não há acesso à educação, à cultura, quando o meio ambiente é ameaçado, quando mulheres, crianças e idosos sofrem violência”. Ela também destacou alguns dos desafios agravados com a pandemia, como o aumento da fila de cirurgias do SUS e a disparada da mortalidade materna. “Nossa sociedade não pode mais conviver com problemas históricos como a violência de gênero, o genocídio dos povos indígenas e a morte dos jovens negros nas periferias”.

O reconhecimento, por Nísia, da necessidade de pensar os impactos do meio ambiente na saúde teve um reforço de duas de suas colegas. Marina Silva, em uma fala emocionante, celebrou o fato de o Brasil ter uma mulher comandando a Saúde depois de 70 anos de ministério. Ela lembrou que as mudanças climáticas farão com que as doenças se alastrem, além de aumentar os casos de enchentes, alagamentos e soterramentos, pondo a vida das pessoas em insegurança. Mas anunciou que as mudanças iniciadas com o governo Lula já começam a surtir efeito: “Nós já conseguimos, nos primeiros seis meses, reduzir o desmatamento em 31%”.

Ao fim do discurso de Marina, ouviu-se um rufar de maracás. Eram os representantes de povos indígenas brasileiros, anunciando a fala de Sônia Guajajara. O palco encheu-se de cocares, como o da própria ministra, e por alguns instantes os presentes ouviram em silêncio seu canto. Guajajara apontou o caráter transversal do ministério de Lula, em especial quando agiu para conter a crise no território Yanomami. Foi Nísia quem assinou o decreto declarando crise sanitária na Terra Indígena, lembrou. “Conjuntamente [entre os oito ministérios envolvidos] decidimos retirar todos os invasores do território Yanomami, e devolvê-lo a seu povo – junto de sua dignidade.”

Os indígenas não eram os únicos a colorir com diversidade aquele auditório. Durante o dia todo, ouviram-se as vozes de mulheres e homens negros, pessoas com deficiência, travestis e transexuais, mães de autistas, ativistas pelo uso da maconha medicinal, educadores, enfermeiras e todos que compõem a vastidão de usuários e trabalhadores do SUS. “Foi a luta social que nos permitiu construir a Constituição de 1988”, lembrou Fernando Pigatto, “e também a lei 8080”, que definiu que a Saúde é direito fundamental e dever do Estado, dando as bases para a construção do SUS. Pigatto recordou os tempos difíceis da 16ª Conferência, no primeiro ano do governo Bolsonaro. Naquele momento, segundo ele, “nós fizemos uma pergunta: qual é nosso papel social no Brasil?” Agora, conta, a resposta veio: “Nosso papel foi de sermos agentes reais de formação e resistência”.

Como ato final da cerimônia, Pigatto assinou uma resolução que criou os Conselhos Locais de Saúde – para cada uma das mais de 42 mil Unidades Básicas de Saúde existentes no país. Mais um passo na construção coletiva do SUS. 

Até quarta-feira, os 4.048 delegados convocados a Brasília debaterão as diretrizes que o sistema precisa assumir, nos próximos quatro anos. Está agendado, além da programação interna, um ato público em defesa da Saúde na manhã de terça-feira, 4/7, a partir das 8h no Museu da República. Na quarta-feira, no encerramento da Conferência, Lula deverá estar presente para fechar esse grande ciclo de participação social, ponto chave para que seu governo realize as mudanças de que o Brasil precisa.

   

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