Com o placar de 9×2 contra a tese anti-indígena, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) comemora e alerta para teses sobre indenização e mineração apresentadas no julgamento. ATENÇÃO, no Congresso Nacional, ruralistas, latifundiários e extrema-direita (não são necessariamente grupos diferentes) estão se movimentando para reagir e aprovar projetos e PEC para manter a tese do marco temporal ... luta não está ganha ainda
APIB - 21/set/2023
Em sessão histórica nesta quinta-feira (21/09), os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram contra o marco temporal e formaram maioria de votos para a derrubada da tese no Judiciário. Com placar de 9×2, a votação dos ministros foi concluída derrubando a tese do Marco Temporal. No entanto, o julgamento deve ser retomado no dia 27 para debater sobre as propostas levantadas por Moraes e Toffoli no que refere à indenização prévia para invasores de TIs e o aproveitamento de recursos em TIs, o que preocupa o movimento indígena. A votação no Senado defendida pela bancada ruralista para começar no 20 de setembro, foi adiada também para 27 de setembro.
“Nós saímos vitoriosos sim da tese do Marco Temporal mas ainda há muita luta a ser feita para afastar todas as ameaças que também estão tramitando no Senado Federal que é através do PL 2903. Seguimos mobilizados, seguimos lutando, pois a luta irá continuar para garantia e proteção dos direitos dos Povos Indígenas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, depois da finalização da sessão de votação no STF do dia 21 de setembro em Brasília.
Continuamos na luta para que nenhum direito seja negociado!
A Apib comemora o respeito aos direitos indígenas mas alerta de que a luta continua pois, mesmo fora da legalidade, diversas terras indígenas estão sendo invadidas. “É uma vitória para os povos indígenas, pois há anos nós estamos lutando para afastar essa tese que, de certa forma, estava paralisando os processos de demarcação no Brasil. No entanto, tem alguns pontos importantes a serem observados, porque os votos de Toffoli e Moraes trouxeram elementos bastantes perigosos para os Povos Indígenas”, defende Tuxá. Mesmo perante a crescente violência provocada pela ocupação ilegal de território indígena, o ministro Moraes levantou a tese de uma possível indenização para invasores, que supostamente possuam títulos de propriedade rural de “boa fé”, e Toffoli defendeu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais localizados dentro de Terras Indígenas.
Votaram contra a tese do Marco Temporal: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. André Mendonça e Nunes Marques votaram a favor do marco temporal.
O Marco Temporal é uma tese política que afirma que os povos indígenas só teriam direito aos seus territórios caso estivessem em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. A Apib aponta que a tese é inconstitucional e anti-indígena, pois viola o direito originário dos povos ao território ancestral – previsto na própria Constituição – e ignora as violências e perseguições, em especial durante a ditadura militar, impossibilitando que muitos povos estivessem em seus territórios na data de 1988.
No STF, o marco temporal trata, no mérito, de uma ação possessória (Recurso Extraordinário n.º 1.017.365) envolvendo a Terra Indígena Xokleng Ibirama Laklaño, dos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, e o estado de Santa Catarina. Com status de repercussão geral, a decisão tomada neste caso servirá de diretriz para todos os processos de demarcação de terras indígenas no país. Como afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, “A constituição é muito clara, não existe propriedade sobre terras tradicionalmente pertencentes a comunidades indígenas. Esta é a solução deste caso.”
Mesmo que o resultado da votação seja uma vitória para os Povos Indígenas do Brasil, outras propostas levantadas pelos ministros em seus votos ameaçam o cenário atual de luta pelo respeito dos nossos direitos.
O Ministro Alexandre de Moraes votou contra o Marco Temporal na sessão do STF que aconteceu em 7 de junho de 2023. Mesmo com uma posição contrária à tese, ele levantou uma proposta altamente ameaçadora para os Povos Indígenas. Moraes supôs a existência de proprietários rurais de “boa fé”, que poderiam receber indenização do Estado pela terra nua, caso eles chegassem a ser desapropriados das terras que ocupam ilegalmente para realizar a demarcação de uma terra indígena.
A Apib considera que, apesar da existência de uma pequena parcela de pequenos proprietários que adquiriram de boa-fé títulos de propriedade sobre terras indígenas por ilegalidade praticada pelo Estado, a proposta da indenização supõe uma premiação aos invasores ilegais que representam a maioria das propriedades com sobreposição em terras indígenas, portanto, um incentivo à ocupação ilegal de terras paga com dinheiro público. A partir do cruzamento de bases de dados fundiários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), os dados dos relatórios “Os Invasores” realizados por De Olho nos ruralistas, mostram 1.692 sobreposições de fazendas em terras indígenas, o que representa 1,18 milhão de hectares e, desse total, 95,5% estão em territórios pendentes de demarcação. Com a sua proposta, Morares ignora a vasta história de grilagem de terras no Brasil e a ação criminosa de ruralistas, que tem provocado um aumento da violência contra os povos indígenas e um crescimento do desmatamento. Entre 2008 e 2021, 46,9 mil hectares foram desmatados em áreas de sobreposição de fazendas em terras indígenas, segundo apontam os dados do relatório previamente mencionado.
Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli votou no dia 20 de setembro, representando o 5 voto contrário à tese do marco temporal. No entanto, ao contrário dos outros ministros e com temática alheia à discutida no processo, Toffoli optou por expandir os temas analisados e incluiu a possibilidade de aproveitamento de recursos hídricos, orgânicos e minerais de Terras Indígenas, sob o argumento de que o tema sofre com uma suposta omissão legal e prejudica o desenvolvimento econômico do país. Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib, complementa: “No último momento, o ministro trouxe uma questão que muito nos preocupa enquanto movimento indígena. O ministro preceitua teses sobre exploração econômica em terras indígenas. A gente entende que não é momento para fazer esse debate e a forma que ele fez isso, em alguma medida, flexibiliza o usufruto exclusivo dos povos indígenas’’.
Leia o comunicado completo realizado pela Assessoria Jurídica da APIB em manifestação sobre o voto do Ministro Dias Toffoli.
A quem interessa o Marco Temporal?
Dentre as ameaças, resaltamos a ocupação ilegal em algums Terras Indígenas por alguns fazendeiros que estão ligados diretamente com o poder político ruralista. Políticos brasileiros, representantes no Congresso Nacional e no executivo, possuem 96 mil hectares de terras sobrepostas às Terras Indígenas. Além disso, muitos deles foram financiados por fazendeiros invasores de Terras Indígenas, que doaram R$ 3,6 milhões para campanha eleitoral de ruralistas. Esse grupo de invasores bancou 29 campanhas políticas em 2022, totalizando R$ 5.313.843,44. Desse total, R$ 1.163.385,00 foi destinado ao candidato derrotado, Jair Bolsonaro (PL).
Votação no Senado adiada
Sob pressão da bancada ruralista, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado tinha previsto começar no dia 20 de setembro a debater o Projeto de Lei 2903, que pretende transformar o Marco Temporal em lei e legalizar crimes cometidos contra povos indígenas. No entanto, a falta de diálogo marcou a jornada: lideranças foram impedidas de entrar e a Comissão rejeitou pedido de audiência pública para. A votação foi adiada para o dia 27 de setembro após pedido de vistas coletivo dos senadores. “Os direitos dos povos indígenas estão sendo violados e não estamos sendo escutados. O parlamento não está ouvindo a opinião pública o que beneficia apenas os interesses do agronegócio”, alerta Tuxá. Para a Apib, o embate entre legislativo e judiciário é uma afronta de políticos que querem impor seus interesses econômicos nas terras indígenas sobre as próprias vidas indígenas.
Sobre a Apib
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) é uma instância de referência nacional do movimento indígena no Brasil, criada de baixo pra cima. Ela aglutina sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e nasceu com o propósito de fortalecer a união de nossos povos, a articulação entre as diferentes regiões e organizações indígenas do país, além de mobilizar os povos e organizações indígenas contra as ameaças e agressões aos direitos indígenas.
Saiba mais sobre o marco temporal: https://apiboficial.org/marco-temporal/
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Indígenas ameaçados pelo marco temporal comemoram vitória no STF: 'agora dá para respirar'
Povos que seriam afetados pela tese jurídica se dizem aliviados, mas mobilizados para barrar PL de mesmo tema no Senado
Lideranças indígenas que vivem em áreas ameaçadas pelo marco temporal comemoraram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesta quinta-feira (21) a Corte declarou inconstitucional a tese jurídica criada por ruralistas com o objetivo de restringir as demarcações. Pelo critério, terras não ocupadas por indígenas na data da promulgação de Constituição de 1988 não poderiam ser demarcadas.
Respiram um pouco mais aliviados povos que tentam sobreviver em meio aos mais graves conflitos pela posse da terra do país, com extenso saldo de mortos e feridos. De um lado, estão fazendeiros e grandes empresas do agronegócio. De outro, indígenas cercados por pistoleiros que viam no julgamento uma esperança de garantir o futuro das próximas gerações.
:: Em julgamento histórico, STF derruba marco temporal das terras indígenas por 9 votos contra 2 ::
"Pela primeira vez temos uma reparação de danos depois de 523 anos da chegada de [Pedro Álvares Cabral]. O Supremo foi muito feliz em definir isso. Agora com certeza dá para respirar. É uma vitória do movimento", afirmou Daniel Vasques, liderança da Aty Guasu, organização que representa os Guarani Kaiowá.
No Mato Grosso do Sul, os Guarani Kaiowá são vítimas de um permanente estado de violação de direitos humanos. Nos últimos 20 anos, mais de 100 indígenas foram mortos. O estado é marcado por retomadas indígenas feitas após 1988. Se o marco temporal fosse validado, fazendeiros teriam legitimidade para pleitear na Justiça a expulsão das famílias.
O alívio é sentido também na Terra Indígena Guyraroká, que teve a portaria declaratória anulada no STF com base no marco temporal. Invalidado o critério jurídico, os indígenas poderão reaver seus direitos territoriais.
Indígenas comemoram em meio à "Guerra do Dendê"
"Acompanhar o desfecho dessa votação pra nós, enquanto indígenas que lutamos pela nossa casa, foi emocionante", diz Miriam Tembé, presidente da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará.
:: Validação do marco temporal pode agravar violência contra os Guarani Kaiowá ::
Os Tembé são vítimas da chamada "Guerra do Dendê" no Pará, que já deixou pelo menos cinco indígenas mortos, além de lideranças quilombolas. Os indígenas e o Ministério Público Federal (MPF) dizem que a empresa Brasil BioFuel (BBF) é a responsável por promover a violência, por meio de um exército de seguranças armados, o que é negado pela empresa. As comunidades mais vulneráveis são aquelas que surgiram em retomadas indígenas após 1988.
"O sentimento agora é de gratidão, de emoção, por a gente ter conseguido essa vitória. Sabemos que ainda há muito desafios, mas nesse momento podemos dizer que temos a garantia de que continuaremos habitando nosso território, continuaremos tendo a nossa casa, continuaremos tendo esse patrimônio que é inegociável", acrescentou a líder Tembé.
:: Validação do marco temporal deve agravar 'Guerra do Dendê' no Pará ::
Próximas etapas da luta indígena
Embora declarado inconstitucional no Supremo, o marco temporal segue em tramitação no Congresso Nacional. Por meio de um projeto de lei, a tese foi aprovada na Câmara e deverá ser votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na próxima quarta-feira (27).
Dinamam Tuxá, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), disse que o desfecho no STF é uma fruto de uma "luta árdua" de anos, mas enfatiza que a vitória foi "de uma batalha, e não da guerra que travam contra os povos indígenas".
Além do Senado, os olhos do movimento indígena brasileiro se voltam a pontos polêmicos levantados por dois ministros durante o julgamento do marco temporal: a indenização prévia a fazendeiros e a abertura de terras indígenas a atividades econômicas de grande impacto, como a mineração.
:: CCJ do Senado adia votação do marco temporal para a próxima semana ::
"Esses pontos dos votos do Toffoli e do Alexandre de Moraes nem deveriam estar no âmbito da discussão [do marco temporal], porque o objeto da ação não é esse, o objeto é o marco temporal", avaliou Dinamam, que é advogado.
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), que representa os povos do bioma, comemorou o desfecho no STF, mas também se disse preocupada com o avanço do marco temporal no Congresso.
"Ainda temos receio de como os parlamentares podem reconfigurar o debate da tese do Marco Temporal, mesmo a Suprema Corte a tendo rejeitado. Ademais, o PL em questão viola inúmeros outros direitos através da tentativa de legalização do garimpo em Terras Indígenas e da fragilização dos direitos dos povos indígenas isolados e de recente contato", escreveu em nota a Coiab.
:: Entenda a indenização a fazendeiros em discussão no julgamento do marco temporal ::
Edição: Thalita Pires
Apesar de maioria contrária, marco temporal ‘flex’ ainda ameaça indígenas
Nesta quinta, 21, STF consolida maioria de votos contra a tese do marco temporal e pelo direito à terra pelas comunidades indígenas, independente da data de ocupação
A reportagem é de César Fraga, publicada por Extra Classe, 21-09-2023.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quinta-feira, 21, o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, com repercussão geral, que discute o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
Sete ministros já votaram. Desses, cinco são contrários a tese do marco temporal e dois favoráveis. Já é a 11º sessão do Supremo a tratar do tema. Ainda faltam os votos dos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e da presidente, Rosa Weber.
Com mais um voto a maioria fica formada, mas ainda assim existe a possiblidade de uma decisão intermediária, que derruba a tese, mas que flexibilizaria o uso das terras homologadas para agropecuária e mineração mediante aval das comunidades indígenas e do Congresso.
(ATUALIZAÇÃO às 15h15min: com o voto do ministro Luiz Fux, o STF constituiu maioria contra a tese do marco temporal. Mais tarde se juntariam ao voto do relator, Gilmar Mendes e Rosa Weber).
Portanto, mesmo com posição contrária consolidada contra a tese, os ministros ainda decidirão sobre o alcance da decisão.
O marco temporal flex de Dias Toffoli
Na quarta-feira, 20, no julgamento sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas teve apenas o voto do ministro Dias Toffoli.
Entre os votos proferidos, ficou aberta a possibilidade de indenização de particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.
Em outro ponto, o ministro Dias Toffoli abriu a possibilidade de exploração mineral e de lavouras dentro das terras indígenas, mediante aprovação de uma lei pelo Congresso e a autorização dos indígenas.
Os dois pontos são questionados pelas entidades que atuam em defesa dos indígenas. Para a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a possibilidade de indenização pode inviabilizar as demarcações. A entidade também argumenta que a exploração econômica flexibiliza o usufruto exclusivo das terras pelos indígenas.
Para acompanhar o julgamento no STF, indígenas estão mobilizados em Brasília. Eles também se manifestam contra a tentativa do Senado de legalizar o marco temporal, que tramita na casa em paralelo ao julgamento no STF.
Os ministros Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli consideram que o direito à terra pelas comunidades indígenas independe da ocupação do local até 5 de setembro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal.
Em sentindo contrário, os ministros Nunes Marques e André Mendonça entendem que a data da promulgação deve ser fixada como marco temporal da ocupação. O julgamento prossegue a partir das 14h, com transmissão ao vivo pela TV Justiça, pela Rádio Justiça e pelo canal do STF no YouTube.
Quem são os ocupantes de boa-fé
Toffoli considera que a Constituição Federal de 1988, ao assegurar aos indígenas o direito às terras tradicionais, partiu da concepção dos próprios povos sobre seu território, para permitir que a ocupação se estabeleça conforme seus usos, seus costumes e suas tradições. O ministro entende que, nos casos em que a demarcação envolva a retirada de não indígenas que ocupem a área de boa-fé, deve-se buscar seu reassentamento. Caso isso não seja possível, a indenização deverá abranger, além das benfeitorias, o valor da terra nua, calculado em processo paralelo ao demarcatório e sem direito à retenção das terras.
Redimensionamento de territórios
Toffoli defendeu a possibilidade de redimensionamento de terra indígena, mas apenas se for comprovado que o processo demarcatório não seguiu as normas constitucionais e legais. Para o ministro, esta hipótese é excepcional, e a anulação do ato administrativo de demarcação deve observar o prazo decadencial de cinco anos. Para as áreas já homologadas, o prazo passa a contar a partir da publicação da ata do julgamento do STF.
O que é a tese do marco temporal
Marco temporal é uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam na data de promulgação da Constituição de 1988. Ela se contrapõe à teoria do indigenato, segundo a qual o direito dos povos indígenas sobre as terras tradicionalmente ocupadas é anterior à criação do Estado brasileiro, cabendo a este apenas demarcar e declarar os limites territoriais.
Direito originário
O caso que originou o recurso está relacionado a um pedido do Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) de reintegração de posse de uma área localizada em parte da Reserva Biológica do Sassafrás (SC), declarada pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) como de tradicional ocupação indígena. No recurso, a Funai contesta decisão do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), para quem não foi demonstrado que as terras seriam tradicionalmente ocupadas pelos indígenas e confirmou a sentença em que fora determinada a reintegração de posse.
Mobilização dos povos indígenas
Povos indígenas de diversas regiões do país estão mobilizados em Brasília contra a tese do marco temporal de seus territórios, que volta a ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e contra o Projeto de Lei (PL) 2.903/2023 que trata do mesmo tema. Os povos reivindicam também a demarcação imediata de suas terras. O PL 2.903/2023 estabelece que os povos indígenas só têm direito às áreas que já eram ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988 (5 de outubro do mesmo ano).
Em paralelo ao julgamento no STF, projeto aprovado na Câmara dos Deputados a toque de caixa já recebeu parecer favorável do relator, o senador Marcos Rogério (PL-RO), e esteve em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na quarta-feira, pela manhã.
Na quarta-feira, 20, os atos de protesto começaram em frente à Biblioteca Nacional, no centro da capital, com cerca de mil indígenas, organizados pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Os indígenas fizeram rodas separadas de homens e mulheres para dançar e entoar cantos de seus povos. Nos corpos pintados com líquidos extraídos das frutas amazônicas jenipapo e urucum, eles exibiram adornos típicos com miçangas e penas.
Coletiva das lideranças
Em entrevista coletiva, as lideranças indígenas se posicionaram contra o marco temporal em seus territórios. O cacique Kretã Kaingang, um dos coordenadores da Apib, questionou o voto do ministro do STF Alexandre de Moraes na parte que trata da indenização aos fazendeiros que ocupam atualmente as terras.
“O que nos preocupa muito é a questão da indenização sobre a terra nua, a indenização prévia. Nós não somos contra o pagamento de indenização de pequenos agricultores, mas isso não pode estar incluído no voto do marco temporal. Tem que ficar fora”.
Ariene Susui, da etnia Wapichana, em Roraima, disse que a mobilização dos indígenas, em Brasília, é para garantir que direitos conquistados não sejam negociados. “Defendemos os direitos que estão a Constituição Federal de 1988. Direitos devem ser respeitados, ser resguardados e não serem questionados. Nós estamos aqui numa luta não só pelos povos indígenas, nós lutamos pela sociedade brasileira e também do mundo. Somos os povos guardiões dos biomas, também estamos presentes nessa sociedade. Contribuímos com o nosso conhecimento, com os nossos saberes. Estamos em vários espaços.”
O cacique-geral do povo Xokleng, Nilton Ndili, pediu agilidade na demarcação dos territórios dos povos originários do Brasil. “Estamos em luta, buscando direitos para que não seja esquecida ou abolida a nossa história, para que o nosso direito seja respeitado dentro da Constituição [Federal]. Então, aguardamos que seja demarcado o território brasileiro para a nossa nação indígena.”
Assassinatos
A anciã de 74 anos Isabela, do povo Xokleng, vinda de Santa Catarina, falou no idioma nativo, com a tradução de um intérprete, que é preciso pôr fim aos assassinatos de indígenas. “Chega de morte dentro do nosso território. Chega de matança com nossos povos tradicionais. Não queremos mais viver na tristeza. Queremos nosso território para sermos felizes na nossa terra, vivendo nossos costumes e nossas tradições”.
Para outra representante da etnia Xokleng, a jovem Txulu, o julgamento no STF ultrapassa a questão do direito pelas comunidades indígenas. “O julgamento de hoje vai determinar a vida das pessoas indígenas, das nossas crianças, das nossas florestas e dos nossos rios. Então, é importante que toda a sociedade civil, que todos os ministros, senadores entendam que o que está em jogo, hoje, não é somente a questão de um pedaço de chão, mas são as nossas vidas.
O advogado Maurício Terena, coordenador jurídico na Apib, acompanhou as discussões sobre o PL 2903, na CCJ do Senado Federal, nesta quarta-feira e lamentou que apenas dez indígenas foram autorizados a acompanhar os debates em torno do PL. Maurício Terena ainda considerou o texto da proposta como mais um ataque dos parlamentares contra os direitos dos povos indígenas.
Terras invadidas
“Não aguentamos mais esse terrorismo, quando temos nossas terras invadidas, madeireiro extraindo riquezas e grileiros invadindo nossos territórios. Nós não aguentamos mais! São séculos de luta. Eu sou um jovem indígena, mas quantos anciões estão aqui, que passaram suas juventudes lutando? É luta atrás de luta para garantir nossos direitos. E só através dessa luta vamos conseguir frear o marco temporal,” disse Terena.
Para o líder indígena, os ocupantes das terras devem recorrer à Justiça para cobrar as indenizações dos governos estatuais e federal. “Não jogue mais uma responsabilidade para nós, povos indígenas do Brasil, para não entrarmos em conflito. Porque no caso de permanecer a tese do ministro Alexandre de Moraes, muitos conflitos ainda irão acontecer.”
Em seguida, por volta das 12h30, os indígenas saíram em marcha pacífica pela Esplanada dos Ministérios até a Praça dos Três Poderes, onde acompanharão o julgamento do STF nesta tarde.
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