Pesquisa destaca a participação de lideranças negras no episódio, considerado um dos mais sangrentos da ditadura militar brasileira
Uma das estratégias de manutenção do racismo no Brasil foi a de invisibilizar o negro em diversos episódios da história ou, quando não, relegá-lo a situações nada favoráveis. Esta invisibilidade ficou também evidente durante a ditadura militar, num dos eventos mais sangrentos da resistência ao regime: a Guerrilha do Araguaia (1967-1974), a luta entre integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e as Forças Armadas.
Exemplar da revista A História Imediata, com reportagem sobre a Guerrilha do Araguaia - Foto: Acervo pessoal do ex-deputado federal do PT José Genuino Neto
O historiador Janailson Macêdo Luiz, no entanto, busca lançar um novo olhar sobre o evento histórico a partir da importância da participação de pessoas negras, homens e mulheres, naquele período. “Não apenas isso, mas também destacar que houve uma sub-representação, seja na historiografia ou no debate público”, como destaca o historiador ao Jornal da USP.
Como lembra Macêdo, o confronto, que aconteceu ao longo do Rio Araguaia, teve grande impacto junto a moradores da confluência dos estados do Pará, Maranhão e atual Tocantins. “Foi a partir dos anos 1960 que este local recebeu milhares de migrantes, muitos negros, que chegavam à Amazônia Oriental buscando acesso à terra”, conta o historiador, autor do estudo de doutorado Lutas pela autonomia, sonhos de revolução: Uma história da participação negra na Guerrilha do Araguaia (1972-1974), que teve a orientação da professora Maria Helena Pereira Toledo Machado, defendido na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
As pessoas migraram para aquela região atraídas pelo então plano de integração nacional do governo, nos anos 1970. “Começavam a construção da Transamazônica, as minerações e o avanço da fronteira interna. Muitos negros vieram para a região e isso impactou a população local”, como conta Macêdo, acrescentando que, entre as tradições negras daquela migração que ele denomina campo/campo, veio também o terecô. “Trata-se de um culto de origem africana muito praticado no Maranhão, de onde veio boa parte dos migrantes negros”, descreve.
Janailson Macêdo Luiz - Foto: Arquivo Pessoal
Invisibilidade negra
Desde os primeiros movimentos de migração dos negros à região, já ocorria o processo de invisibilização, segundo o historiador. Em seus levantamentos, Macêdo buscou dados no censo do ano de 1970. “Os dados, porém, não citam a população negra. Até porque o regime militar retirou do Censo, naquele ano, a qualificação cor”, relata.
A pesquisa teve início em 2014, quando Macêdo passou a exercer a docência em História na Universidade Federal Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), em Marabá (PA). Contudo, desde a sua graduação ele já estudava as populações negras. Em Marabá, ele percebeu que a presença negra e as histórias sobre o conflito ainda estavam muito presentes. “Foi quando decidi reunir informações, conversando com moradores locais e ouvindo histórias sobre negros e negras que participaram do conflito”, diz.
Recortes de jornais sobre a guerrilha do Araguaia - Foto: Acervo pessoal do ex-deputado federal do PT José Genuino Neto
Um dos mais citados e lembrados, como conta o historiador, foi o guerrilheiro negro Osvaldo Orlando da Costa, ou o Osvaldão. “Ele era muito conhecido entre moradores e chegou a ser líder do Destacamento B, um dos três instalados na região”, destaca. Havia ainda, segundo o pesquisador, os destacamentos A e C, e uma Comissão Militar. “Cada destacamento tinha, em média, 20 componentes e a Comissão Militar, entre 4 e 5 pessoas”, descreve Macêdo.
Além de Osvaldão, outra liderança negra que é destacada no estudo é a jovem Helenira Resende de Sousa Nazareth, ou simplesmente Helenira. Ex-estudante de Letras da USP nos anos 1960 e filiada ao PCdoB, ela se incorporou à guerrilha no início dos anos 1970. Além destes dois, outros participantes do conflito são citados no estudo, como Maurício Grabois, um dos fundadores do PCdoB, e Dinalva Oliveira Teixeira.
No seu estudo Macêdo conseguiu abordar, de forma mais aprofundada, nove guerrilheiros, negros e negras, que atuaram nos conflitos, além da forma como o cerco e repressão à guerrilha impactou diversas mulheres e homens negros moradores do Araguaia. Entre os guerrilheiros estudados, estão: Antônio de Pádua Costa (1943-1974); Dermeval da Silva Pereira (1945–1973); Dinalva Oliveira Teixeira (1945–1974); Francisco Manoel Chaves (1906 – 1972); Helenira Resende de Souza Nazareth (1944–1972); Idalísio Soares Aranha Filho (1947–1972); Lúcia Maria de Souza (1944–1973); Osvaldo Orlando da Costa (1938–1974) e Rosalindo de Souza (1940–1973).
Encantado
“No Araguaia, alguns dos guerrilheiros abordados mantiveram aproximação com os terecozeiros, que chegaram a dialogar politicamente com eles”, descreve o historiador em sua pesquisa. Esses terecozeiros, como ele lembra, também foram alvo das violências praticadas pelos militares contra a população tendo, inclusive, sua religião desrespeitada. Macêdo conta que o fato de Osvaldão ser considerado mítico e imortal pelos moradores do Araguaia pode estar relacionado a “encantamentos” ligados aos terecozeiros.
Marta Nazareth Costta - Foto: Arquivo Pessoal
Helenalda Resende de Souza Nazareth - Foto: Arquivo Pessoal/Marta Costta
José Genuino Neto é ex deputado federal do PT - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Protagonismo negro feminino marca o encontro de estudos afro-latino-americanos em Harvard
Macêdo conta que seu estudo foi um dos 16 selecionados – entre 119, de diversas partes do mundo – para apresentação no Class of 2020 Mark Claster Mamolen Dissertation Workshop, realizado pelo Afro-Latin American Research Institute at the Hutchins Center for African & African American Research (ALARI), vinculado ao Hutchins Center for African & African American Research, da Universidade de Harvard, nos EUA.
Trata-se, segundo o historiador, de um seminário de teses que reuniu doutorandos que abordam estudos afro-latino-americanos de diversos países. Dois capítulos da tese foram apresentados e debatidos, um de forma on-line (2021) e outro de forma presencial, nos dias 13 e 14 de maio de 2022. “Os custos da viagem foram arcados pelo ALARI/Harvard”, como conta o historiador.
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