Quase lá: Escravidão no campo: número de trabalhadores resgatados bate recorde no primeiro semestre, diz CPT

Relatório parcial Conflitos no Campo identificou 1,4 mil vítimas resgatadas, um aumento de 44%; Lavouras de cana lideram

Murilo Pajolla
Brasil de Fato | Lábrea (AM) |
MST fez manifestação na sede de vinícola gaúcha flagrada com trabalho escravo neste ano - Gabriela Moncau

 

O Brasil resgatou 1.408 pessoas do trabalho escravo rural no primeiro semestre do governo Lula (PT), um recorde para o período nos últimos 10 anos. O número superou em 44% a maior quantidade de resgates já registrada até então, que havia sido de 978 pessoas entre janeiro e julho de 2022. 

Os dados foram divulgados nesta terça-feira (10) pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) no relatório parcial Conflitos do Campo, que é baseado em estatísticas oficiais, além de denúncias recebidas pela Pastoral e reportagens veiculadas pela imprensa. 

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As atividades econômicas com mais vítimas resgatadas foram a cana-de-açúcar (532) e as lavouras permanentes, como café e uva (331), braços do agronegócio junto com a mineração (104), desmatamento (63), produção de carvão vegetal (51) e pecuária (46).

 

Além do número de trabalhadores resgatados, a CPT registra a quantidade de casos de trabalho análogo à escravidão, que podem envolver vários trabalhadores de uma vez. No primeiro semestre de 2023, o número de casos de trabalho escravo também bateu recorde: 102. Foram 85 episódios em 2022, 68 em 2021 e 26 em 2020.  

“A quantidade de resgates já é a maior dos últimos dez anos e continua em ascensão, o que demonstra a maior visibilidade para estas violências, através da atuação de órgãos de fiscalização”, avaliou a CPT no relatório parcial Conflitos no Campo de 2023. 

Relembre casos

Em fevereiro deste ano, uma operação federal conjunta na Serra Gaúcha libertou mais de 200 trabalhadores baianos em condições análogas à escravidão, que atuavam para uma empresa terceirizada que fornecia mão de obra para as vinícolas Salton, Aurora e Garibaldi, além de produtores locais. 

De acordo com relato aos policiais, os trabalhadores foram cooptados por aliciadores de mão de obra, conhecidos como gatos, na Bahia e levados para a Serra Gaúcha para trabalharem para empresa terceirizada que presta serviços a uma vinícola. 

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Em maio de 2023, 24 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão na extração de pedras de paralelepípedos foram resgatados pelo Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), nos municípios de Jerumenha, Regeneração e Rio Grande do Piauí, todos no estado de Piauí.

Os trabalhadores foram encontrados em condições degradantes de trabalho, vida e moradia, elementos que caracterizam a escravidão contemporânea, com base no artigo 149 do Código Penal. Distribuídos em 4 Pedreiras distintas, eles realizavam as atividades de corte das pedras de maneira totalmente artesanal, com emprego de ferramentas manuais e utilizando explosivos caseiros improvisados para o rompimento das rochas. 

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Edição: Rodrigo Durão Coelho

fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/10/10/escravidao-no-campo-numero-de-trabalhadores-resgatados-bate-recorde-no-primeiro-semestre-diz-cpt

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) divulga, nesta terça-feira (10), os dados de conflitos no campo referentes ao 1º semestre de 2023, coletados, organizados e registrados pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc).

Ao todo, foram registrados 973 conflitos no campo, representando um aumento de 8% em relação ao mesmo período de 2022, quando foram registrados 900 conflitos. Este dado faz o primeiro semestre de 2023 fica em 2º lugar nos últimos 10 anos, sendo superado apenas pelo ano de 2020, quando foram registrados 1.007 conflitos.

A grande maioria continua sendo de conflitos pela terra (791), seguidos do trabalho escravo rural (102) e conflitos pela água (80). Quase 527 mil pessoas estiveram envolvidas, representando uma pequena queda de 2% em relação ao ano passado, mas mesmo assim mantendo números elevados. A quantidade de famílias também foi um pouco menor (101.984), o que pode ser explicado pela leve diminuição de conflitos em terras indígenas, já que nelas a constituição familiar é considerada com um número maior de membros.

Conflitos pela Terra

Na luta pela permanência no seu território, ou em busca de territórios para reprodução da vida, os povos do campo, das águas e das florestas vivenciam diversos tipos de conflitos. Durante o período, 878 famílias sofreram com a destruição de suas casas, 1.524 de seus roçados e 2.909 de seus pertences. Também houve aumento no número de famílias expulsas (554), e despejadas judicialmente (1.091) e impedimentos de acesso a áreas coletivas, como roças, áreas de extrativismo do babaçu e outras. No caso das violências contra a ocupação e a posse, os crimes de pistolagem, grilagem e invasão também mostram um crescimento no número de ocorrências (14385 e 185, respectivamente).

Trabalho Escravo

O período foi marcado pelo aumento no número de casos registrados de trabalho escravo rural (102) e de pessoas resgatadas desta condição (1.408), nos primeiros seis meses de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A quantidade de resgates já é a maior dos últimos dez anos, e continua em ascensão, o que demonstra a maior visibilidade para estas violências, através da atuação de órgãos de fiscalização.

As atividades econômicas que mais tiveram pessoas resgatadas foram o cultivo da cana de açúcar (532) e as lavouras permanentes (331), braços do agronegócio junto com a mineração (104), desmatamento (63), produção de carvão vegetal (51) e pecuária (46). 

“Eu tenho um sonho muito alto, de mudar muito a minha vida, um plano de não sair mais assim para trabalhar pros outros. Nós que fomos resgatados, se tivéssemos um benefício ou um projeto para poder trabalhar aqui e não precisasse mais sair, seria muito bom. Porque, aqui, a pessoa procura e não tem, aí, é o caso de se desertar em algum lugar, procurando serviço pra trabalhar, né?!”

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Conflitos pela Água

O Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno registrou uma diminuição de 130 para 80 conflitos pela água no 1o semestre de 2023, bem como no número de famílias envolvidas (de 31.108 para 29.316). Mas a diminuição nos registros não esconde os danos dos empreendimentos que afetam diretamente as populações que se relacionam e dependem das águas para sobreviverem, com os povos indígenas sendo os mais afetados (32,5%), seguidos dos quilombolas (23,75%), pescadores (15%), posseiros (6,25%) e ribeirinhos (6,25%).

As ocorrências de contaminação por agrotóxicos nos Conflitos pela Água passaram de 8, em 2022, para 14, em 2023. O número de famílias também aumentou, passando de 609 no ano passado para 1.490 neste ano.

Violência contra a pessoa

Neste tipo de abordagem, houve um aumento expressivo no número de vítimas, passando de 418 no 1º semestre de 2022 para 779 no mesmo período de 2023. Os danos causados pela contaminação por agrotóxicos lideram este tipo de violência (327), bem como a contaminação por minérios (55). Outro destaque é para os aumentos nos casos de criminalização (45) e detenção de pessoas envolvidas na luta pelos direitos no campo (42), mesmo que a prisão efetiva tenha diminuído (de 74 para 29).

Mulheres vítimas

Houve um aumento na violência contra as mulheres no contexto do campo, passando de 94 registros, em 2022, para 107, em 2023, um número que vem crescendo desde 2021. O destaque foi para os estupros de 30 adolescentes yanomami por garimpeiros ilegais no mês de fevereiro. Contudo, as mulheres também sofrem com intimidação (20), ameaças de morte (16), agressão (6), criminalização (5), cárcere privado (5), dentre outros, lembrando que a mesma pessoa pode sofrer mais de uma violência numa mesma ocorrência.

Mortes violentas

A CPT registrou ainda, no 1º semestre de 2023, um número menor de assassinatos que no ano anterior: 14, ante os 29 registrados em 2022, uma queda de 51,72% no número de pessoas que perderam a vida de forma extremamente violenta. Até a data de publicação deste texto, o número de pessoas assassinadas em contexto de conflitos no campo já chega a 18. Quase 80% dos casos ocorreram na Amazônia Legal (11), o que torna a região a mais vulnerável para a violência que dizima a vida de pessoas no campo brasileiro, sendo cerca de metade desse número relacionada à contaminação por agrotóxicos. Os povos indígenas ainda são os maiores afetados por esta violência fatal (6), seguidos dos trabalhadores sem terra (5), posseiro (1), quilombola (1) e funcionário público (1).

Também reduziram as ameaças de morte (78 para 56) e as tentativas de assassinato (49 para (30). Mesmo com essas reduções, aumentaram os casos de mortes em consequência (59) e agressões (54).

Quem mais causou violência

Quando se analisa quem foram os maiores causadores das violências no campo, os fazendeiros (19,75%) se colocam um pouco acima do Governo Federal (19,33%) e seguidos por empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%).

Mesmo com a criação de ministérios como o dos Povos Indígenas, Igualdade Racial, e o restabelecimento do do Ministério do Desenvolvimento Agrário e outras medidas do governo Lula, a força política do agronegócio impede uma maior  efetividade de políticas públicas para as populações do campo.

Além do agronegócio, que gera alta contaminação por agrotóxicos, os empreendimentos de mineração, usinas hidrelétricas e também energias renováveis, como a eólica, são apontados como fatores de conflitos que impedem o bem viver de comunidades tradicionais em todo o país.

Quem mais sofreu violência

Em relação à categoria que sofre a violência por terra, os povos indígenas e suas comunidades são as mais atingidas com 38,2% dos casos, seguida dos trabalhadores rurais sem terra (19,2%), posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).

Omissão e Conivência

Há ainda violências decorrentes dos poderes públicos a partir principalmente da não garantia dos direitos previstos na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata da consulta livre, prévia e informada aos povos e comunidades tradicionais, em empreendimentos públicos ou privados que poderão afetá-los diretamente.

A omissão e conivência do Governo Federal se manifesta também na não demarcação de territórios de povos originários e tradicionais, impedindo-os de permanecerem nestes locais. Além disso, os Governos Estaduais intensificaram, por meio do aparato policial, a perseguição aos movimentos organizados de luta pela terra em alguns estados no Brasil.

“Muitas vezes, as empresas querem impor algumas dessas concessões sem escutar as comunidades, então os povos reforçaram que quem manda nos territórios são eles, que agirão para impedir essas ondas de violência”

Francisco Alan Santos, agente da CPT/PA

Metodologia

Os dados do 1º semestre servem como instrumento de avaliação das tendências possíveis dos conflitos no campo no ano em curso, e servem para contribuir com as análises presentes no relatório anual Conflitos no Campo Brasil, previsto para ser lançado no mês de abril de 2024. Os levantamentos são realizados com base em dois tipos de informações: as fontes coletadas pelas/os agentes da CPT em todo o Brasil; e também as fontes coletadas por meio da clipagem junto à imprensa em geral, bem como em divulgações de órgãos públicos, movimentos sociais e organizações parceiras da CPT ao longo do ano. 

 

*Para solicitar as tabelas com dados parciais brutos, encaminhar o pedido via email para Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.


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